sexta-feira, 5 de junho de 2009

(silêncio que vai haver deferimento tácito)

No acórdão de 2001 proferido pelo Tribunal de Justiça relativo à incompatibilidade do direito interno belga com as directivas comunitárias sobre assuntos ambientais foi analisada a incorrecta transposição dos instrumentos comunitários para a ordem interna dos estados membros. Tal acção consubstancia um processo por incumprimento nos termos do artigo 226.ºTCE

Em causa estavam as directivas 75/442/CEE, 76/464/CEE, 80/68/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CE que impõem a obrigação aos estados de sujeitarem qualquer procedimento prévio de instalação de actividades nelas descritas a uma autorização prévia. A comissão entendeu accionar este mecanismo em virtude da Regulamentação das regiões da Flandres e da Valónia preverem um regime de concessão de autorizações tácitas ainda que num segmento de Segunda Instância.
Em sua defesa o governo da Flandres alegou que uma autorização tácita não demonstrava uma avaliação passiva por parte da administração nem em termos de negligência já que dava sempre lugar obrigatoriamente a uma avaliação minuciosa e circunstanciada.
Já a Comissão invoca que as autorizações tácitas são incompatíveis com as exigências provenientes destas directivas que impõem que após cada investigação haja lugar a um acto expresso de proibição ou autorização.

A coerência da directiva comunitária enquanto pedra de toque do sistema de avaliação de impacto ambiental coloca vários pontos de alerta pelo decorrer de qualquer procedimento e que não se coaduna com decisões resultantes de deferimento tácito. Deste modo a imprecisão do regime do DL 69/2000 ao submeter um projecto ao regime de avaliação de impacto ambiental e procedendo à sua aprovação sem uma adequada ponderação dos seus efeitos negativos e positivos ao nível ecológico e até a título preventivo viola o espírito das directivas.
Ainda que se entenda que o estudo de impacte ambiental condiciona a futura emissão de uma licença ambiental, enquanto condição exigível para início de exploração um deferimento tácito não imporia necessariamente a concessão dessa licença sem mais.

O facto de o Tribunal de justiça proferir um acórdão numa acção por incumprimento significa desde logo a definição de uma situação jurídica relativamente ao estado membro cujo comportamento foi apreciado, no que toca à existência ou inexistência de uma violação do direito comunitário e, portanto no que toca à existência ou inexistência de uma situação de incumprimento. Essa situação reconduz-se à não conformidade entre o comportamento do estado membro e o bloco de legalidade que enforma o direito comunitário. Deste modo no Acórdão em análise, o comportamento do estado belga colocou em causa os objectivos preconizados em diversas directivas relativas ao direito ao ambiente.
Pescatore referindo-se ao juízo de valor subjacente ao comportamento do estado efectuado pelo Tribunal entende que: “Este julgamento tem a autoridade de caso julgado, ou seja, fixa com força irrefutável que é própria das decisões judiciais uma certa situação jurídica em ralação a um estado-membro e será em princípio insusceptível de modificação”.
Assim, a definição de tal situação jurídica é, quanto ao Estado infractor imperativa. Em primeiro lugar para o estado cujo comportamento foi apreciado, que é o seu directo e imediato destinatário e em segundo plano para os restantes estados membros que apresentem uma situação de facto idêntica aos pressupostos jurídicos de que dependeu a decisão de condenação. Aqui pelos princípios da efectividade e uniformidade do direito comunitário o próprio processo por incumprimento pelo seu cariz objectivo terá efeitos erga omnes impondo a abstenção da adopção de medidas incompatíveis com o conteúdo do acórdão.
Porém num primeiro acórdão que declare a condenação de um estado membro nunca o Tribunal poderá indicar quais as medidas convenientes para a reposição da legalidade na ordem jurídica comunitária, isto é, necessárias e suficientes para pôr termo ao incumprimento verificado, quer substituir-se ao próprio estado na adopção destas, pondo efectivamente, termo ao incumprimento. Tal concepção surgiu logo na década de sessenta, no Caso Humblet, interpretando os limites da competência do próprio Tribunal e realçando que em face da separação de competências entre os órgãos comunitários e os órgãos do Estado não poderiam competir aqueles anular ou ab-rogar actos administrativos incompatíveis com regimes de direito comunitário, tal competência pertenceria ao Estado.
O efeito do acórdão consiste na criação, na esfera jurídica do estado, da obrigação de tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal, em termos de obrigação jurídica - declarada pelo acórdão - de pôr termo ao incumprimento.
Consequentemente apenas em sede de um segundo processo por incumprimento, a instaurar pela comissão e perante a inércia do estado membro se poderão aplicar sanções mormente pecuniárias ou políticas. Esta segunda acção teria por objecto o próprio incumprimento do acórdão do Tribunal com o seu objecto já predefinido em anterior litigio.
O acórdão do Tribunal da natureza declarativa fixa uma situação jurídica ab origine, ou seja, desde que o incumprimento começa a existir, produzindo, pois, em princípio efeitos retroactivos à data do início da prática da infracção. Só assim se torna possível, para além da prevenção das consequências futuras do incumprimento, a supressão retroactiva da infracção, a reposição do estado de coisas no momento imediatamente anterior ao cometimento da infracção.

Mais longe e vasta é a questão de saber se a própria Comunidade possui atribuições em matéria de ambiente suficientemente vastas para impor sanções neste domínio. Apenas pela via da competência de atribuição, nomeadamente, pela via dos poderes implícitos se poderá estender os objectivos de protecção ambiental para além do domínio da uniformização de legislações. Igualmente uma acção de convergência pela união apresenta-se sempre como subsidiária da acção da Comunidade. O nível de conformação dos actos administrativos com o direito comunitário instrumentalizado com recurso ao direito do ambiente dá que pensar como bem evidencia Maria Luísa Duarte em “Tomemos a sério os limites de competências da União Europeia”.

Perante o actual estado de coisas concluí-se que Portugal se encontra neste momento em incumprimento, acarretando tal corolário duas consequências: os particulares não estão obrigados pelo regime do deferimento tácito podendo invocar a responsabilidade civil extracontratual do estado português por violação do direito comunitário pela função legislativa – defeituosa transposição da directiva; mais o artigo 19.º do DL 69/2000 no segmento que desrespeita o bloco de legalidade europeu é supra inconstitucional ou inconstitucional numa via atípica para quem defenda o primado do direito da União europeia sobre a Constituição. Com a natureza na União não se brinca (ou com a repartição de competências?) …