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sexta-feira, 5 de junho de 2009

Contratos de Adaptação Ambiental, o reinventar da Administração Pública

Os contratos de adaptação ambiental tiveram a sua origem na constatação de que a via coerciva não estava a ser tão eficaz quanto se pretendia. São um compromisso assumido entre o Estado, mais concretamente a Administração Pública, e o Sector Industrial, sendo que a sua actividade se encontra inevitavelmente associada a uma certa degradação da qualidade do ambiente. Com efeito, não existem processos de fabrico totalmente inócuos. Deste modo, os impactes ambientais variarão de acordo com o tipo de indústria em causa, produtos fabricados, matérias-primas utilizadas, com os químicos empregues…

O desenvolvimento industrial que Portugal assistiu desde a década de 50 até aos anos 90 esteve a par duma simultânea degradação do património ambiental. A Comunidade Europeia encetou um processo legislativo que se traduziu em mais de 200 Directivas nesse período, para tentar fazer face ao crescendo de agressões ambientais que se verificaram. Um novo modelo de desenvolvimento ambiental surgiu balizado por um decréscimo do consumo dos recurso naturais, bem como das taxas de poluição e dos riscos para a saúde pública.

Segundo o World Business Council for Sustainable Development, para que seja possível conciliar o crescimento económico com o ambiente, as relações entre a actividade das empresas industriais e os factores ambientais devem assentar no conceito de “ecoeficiência”, tal como foi definida por este organismo internacional em 1993: a ecoeficiência é atingida através da produção de bens e serviços a preços competitivos que satisfaçam as necessidades humanas, melhorem a qualidade de vida e, progressivamente, reduzam os impactes ecológicos e a intensidade de utilização de recursos ao longo do ciclo de vida desses bens, até ao nível compatível com a capacidade de carga estimada do planeta.
Em seguida procura dar-se uma imagem do que se passa no sector industrial no que diz respeito à sua interface com o ambiente, analisando alguns indicadores das pressões ambientais pelas quais são responsáveis, assim como outros relativos às respostas encontradas para minimizar os seus impactes.


Os contratos de adaptação ambiental são um importante instrumento da política do Ministério do Ambiente na tentativa de atingir as condições mínimas de qualidade ambiental das empresas. É concedido um prazo às empresas envolvidas para se adaptarem à legislação vigente. O acordo é dividido por fases do processo de adaptação que são definidas com prazos e objectivos, estipulados no contrato.
O processo é constituído por duas partes: a caracterização ambiental (identificação de pontos de incumprimento da legislação ambiental) e o plano específico de adaptação (adaptação que é necessária para haver cumprimento da legislação ambiental).
Compete à Direcção Geral do Ambiente (DGA), enquanto organismo com Funções de Normalização Sectorial (ONS), em cooperação com o IPQ, certificar-se do desenvolvimento e fiscalização do processo.


Deste modo, a Administração opta por tentar assegurar o cumprimento possível dos comandos legais, dado lhe ser impossível tentar assegurá-lo da forma coactiva, pois tal traduz-se frequentemente numa grande ineficiência administrativa. O método utilizado pela Administração são derrogações cujo âmbito temporal se define por temporário. A concessão das derrogações têm como objectivo obter um nível de adimplemento inatingível caso não fosse as concertações com os agentes poluidores.

Chegados aqui, a grande questão que se vislumbra é a compatibilização dos contratos de adaptação ambiental, enquanto instrumento concertador da Administração Pública e os agentes poluidores, com o princípio da legalidade, o qual se apresenta à Administração Pública como circunscritor do paradigma da concertação, na medida em como e se o princípio da legalidade deverá ceder perante o princípio de eficácia. À A. P. é exigido um desempenho exemplar na prossecução do interesse público, determinado por comandos normativos-legais; não fará parte desse papel a adaptação à realidade (em que os custos de internalização são elevadíssimos, pondo mesmo em causa a sustentabilidade económica das empresas), atingindo maiores níveis de eficácia, através de mecanismos algo “torneadores” dum grupo de normas legais? Um outro argumento aduzido em relação à eventual cedência do princípio da legalidade nesta matéria tem que ver com o facto da imprevisibilidade das situações susceptíveis de regulação. Quer isto dizer que, face à multiplicidade de lesões que podem ter lugar no contexto ambiental, bem como de processos causadores, determinação dos agentes, etc, não se vislumbra suficiente verosimilhança da capacidade do poder legislativo ser apto a conseguir prever com generalidade e abstracção normas capazes de tutelar esta multiplicidade. Ainda, já Montesquieu avançava com o princípio da separação de poderes, postulando total desprendimento entre os poderes do Estado, de tal forma que fará sentido afirmar, actualmente e em decorrência, numa certa autonomia da A.P. na escolha dos meios mais aptos a levar a cabo as tarefas da A. P., quando os meios legislativos não se demonstrem suficientemente convenientes.

A Lei de Bases do Ambiente vê consagrado no seu art. 35.º, n.º 2 a possibilidade de celebração de “contratos-programa” com vista a reduzir gradualmente a carga poluente das actividades industriais. Estes contratos-programa são designados de redução de carga poluente. Castro Rangel defende que são sucedâneos da suspensão ou redução das actividades poluente, sendo , então, uma alternativa para tentar corrigir as eventuais consequências nefastas do estrito cumprimento da legislação ambiental ( ao nível sócio-económico), habilitando a celebração de contratos de derrogação temporária de comandos normativos ambientais, atribuindo às empresas um prazo para se adaptarem as regras que têm que fazer cumprir. Por sua vez, Mark Kirkby discorda, defendendo que a norma, só por si, não funciona como condição habilitadora da derrogação de disposições imperativas legais, por meio do método interpretativo, cujos elementos não vêem comprovada a conclusão de Castro Rangel.

Actualmente, o diploma que regula a qualidade da água destinada ao consumo humano, o Decreto-Lei n.º 243/2001 de 5 de Setembro, prevê a possibilidade de derrogações, através da apresentação de um programa de adaptação (com a calendarização das acções previstas e o plano de investimentos), com fundamento na necessidade de as entidades gestoras dos sistemas de abastecimento público de água se adaptarem de forma paulatina aos limites impostos pelo referido diploma.

Estamos em crer que, face à actual conjuntura relativa aos recursos naturais, bem como à natureza das actividades lesivas, a Administração Pública, como prossecutora do interesse público, deve reinventar-se para dar resposta às novas realidades, suas géneses e consequências. De tal forma, que pode legitimar-se uma actuação menos coerciva porque menos eficiente, mas mais subtil e “benevolente” porque mais eficaz e, a longo prazo, mais sustentável.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

14ª Tarefa- Comentário ao acórdão sobre a localização da Ponte Vasco da Gama

A propósito da grande celeuma social e ambiental que levantou a discussão acerca da exacta localização do projecto da Ponte Vasco da Gama, verificou-se na década de 90 uma forte contestação por parte de várias associações de defesa ambiental. De tal modo que a Liga para a Protecção da Natureza decidiu impugnar a deliberação do Conselho de Ministros que fixava a localização da nova ponte sobre o Tejo nas proximidades de Samouco, no município de Alcochete, e Sacavém, no município de Loures.

A recorrente invocou, fundamentalmente, o efeito directo da Directiva 79/409/CEE, nomeadamente, do art. 4.º, n.º 4, dado que o acto de transposição não foi correctamente executado de forma a cumprir os objectivos da Directiva, os nefastos impactos provenientes da localização da ponte numa Zona de Protecção Especial como o é o Estuário do Tejo- entendendo que, por aplicação da Directiva, se procedeu, efectivamente, à classificação das ZPEs-, a invalidade do processo de avaliação de impacto ambiental, por falta Estudo de Impacte Ambiental, entre outros.

Por outro lado, o recorrido Conselho de Ministros entende pela validade da deliberação que tomou com fundamento no facto de que a classificação das ZPEs ainda não tinha sido formalmente realizada, a não existência do efeito directo da Directiva, dado que se não tratava duma norma clara e precisa, de modo a poder ser suficientemente exequível por si mesma, e na regularidade do procedimento de avaliação ambiental, porquanto a deliberação não estaria sujeita a avaliação ambiental.

O STA veio entender pela não aplicabilidade da Directiva ao ordenamento jurídico português por meio do instituto do efeito directo de criação jurisprudencial. Este postula a possibilidade de os particulares poderem invocarem um acto legislativo comunitário que não goza de aplicabilidade directa, quando a ordem jurídica interna não tenha procedido ao devido acto de transposição e quando as disposições que conformam a directiva se demonstrem suficientemente claras e precisas. Neste caso, o STA alegou que a utilização dum conceito indeterminado (“efeito significativo”) impedia a verificação do requisito relativo à clareza e suficiência da norma e que, por conseguinte, a Directiva não tinha efeito directo, não sendo susceptível de invocação pelos particulares. Permita-se a minha discordância neste ponto. A expressão “efeito significativo”, não obstante o seu carácter menos preciso, não deve estar na génese da à desaplicação da Directiva. É um conceito susceptível de ser preenchido com recurso à análise casuística, de forma a conseguir-se uma avaliação circunstancial e concisa, pelo que vislumbro aqui alguma falta de boa vontade por parte do Tribunal de Justiça. É certo que aquilo que deve ser um efeito significativo deve estabelecido com recurso a critérios mais ou menos definidos e rigorosos, de forma a haver alguma homogeneidade na aplicação de disposições comunitárias por parte dos Estados-Membros, mas ainda assim convenhamos pela importância da aplicação casuística e da análise ponderada. E muito certamente creio que feito o juízo sobre aquilo que seria um efeito significativo pela nossa ordem judicial, não se frustraria, de todo, os objectivos da Directiva. Não esqueçamos, também, a susceptibilidade de apresentação duma questão prejudicial, como forma de estabelecer, efectivamente, os critérios a seguir no preenchimento deste conceito indeterminado. De qualquer forma, o Tribunal demonstrou-se cauteloso, preferindo uma via mais segura e menos corajosa.

No que diz respeito à alegação da falta de procedimento de avaliação de impacto ambiental, também não se acompanha a visão seguida no douto acórdão. Deste consta o entendimento de que a deliberação do Conselho de Ministros não se deve ter por inválida na medida em que esta não aprovou o projecto de construção, mas tão somente a localização do mesmo. Creio que se usou dalguma redução na conclusão a que se chegou. A aprovação de projectos é uma decisão da autoridade competente que confere ao dono da obra o direito de realizar o projecto. Ora, sem a informação da localização do projecto, o direito de executar a obra não se deve ter por totalmente preenchido. Mais, a necessidade de avaliação de impacte ambiental será, decerto, díspar conforme a área em que se situe o projecto, pelo que somos obrigados a concluir que a deliberação em que se defina a localização do projecto a construir deverá estar sujeita a avaliação de impacte ambiental. Aliás, a ratio do regime leva-nos a concluir neste sentido. Não devemos ser tão formalistas ao ponto de excluir da previsão da norma um conceito que verificamos intrinsecamente ligado ao previsto expressamente. Da aprovação dum projecto resulta necessariamente a aprovação da sua localização, pelo que concluirmos pela sujeição da aprovação do projecto a uma eventual avaliação ambiental e concluirmos pela não sujeição da avaliação de impacte ambiental a deliberações das quais resultem a localização dos projectos, parece-me algo abusivo, senão contra legem…

Desta forma, o douto acórdão deveria ter decidido no sentido da procedência do pedido da recorrente no que concerne à possibilidade de invocação da Directiva por força do efeito directo, bem como no que concerne à sujeição da deliberação do Conselho de Ministros à avaliação de impacte ambiental.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O actual regime de avaliação de impacte ambiental estratégica representa uma correcta transposição da directiva comunitária?

A Avaliação de Impacto Ambiental ( doravante designada A.I.A.) é um instrumento fundamental de carácter preventivo da política do Ambiente e como tal reconhecido inicialmente pela Lei de Bases do Ambiente, em vigor desde 1987.

O regime jurídico da Avaliação Ambiental de projectos públicos e privados, susceptíveis de produzirem efeitos significativos no Ambiente, rege-se pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, transpondo parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio.

A A.I.A. tem por base a realização de estudos ambientais pluridisciplinares e abrangentes, incluindo os elementos naturais, sociais e de património cultural e construído, e consultas, com efectiva participação pública e análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informação, identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos, bem como a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses efeitos, tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da execução de tais projectos e respectiva pós avaliação.


A Directiva A.I.A ilustra as circunstâncias em que a Avaliação de Impacte Ambiental é obrigatória. Esta Directiva categorizou os projectos que provavelmente terão um efeito significativo no ambiente e que requerem uma A.I.A., distinguindo os projectos onde a A.I.A. é obrigatória (Anexo I: Tipos de projectos em que a A.I.A. é sempre requisito obrigatório) dos projectos onde a A.I.A. é opcional (Anexo II: Classificação dos tipos de projectos em 13 categorias). Para os projectos de categoria opcional do Anexo II, os Estados-membros devem decidir se um projecto deverá ser sujeito a uma avaliação ou não, examinando caso a caso e/ou com referência a limiares ou critérios. O Anexo III da Directiva estabelece os critérios de selecção que os Estados-Membros devem considerar aquando da análise de projectos do Anexo II. Esses critérios de selecção são:


Características dos Projectos (tamanho do projecto, impactes cumulativos, uso de recursos naturais, produção de resíduos, poluição, perturbações e risco de acidentes)
Localização dos Projectos (sensibilidade ambiental das áreas geográficas afectadas pelos projectos, tendo em consideração o uso dos solos existente, a natureza dos recursos naturais e a capacidade de absorção pelo ambiente)
Características do impacte potencial (em termos de grau, natureza transfronteiriça, magnitude, complexidade, probabilidade, duração, frequência e a reversibilidade).

Dois pontos se revelam evidentes na análise comparada da Directiva e do respectivo acto de transposição (que, como supra referimos, realiza parcialmente essa transposição). Falamos do princípio da participação pública e acesso à justiça e do deferimento tácito, consagrado no art. 19.º do D.L. da A.I.A. No que concerne ao primeiro, cabe dizer que o regime do acto de transposição é bastante díspar do consagrado pela Directiva. Nesta, demonstra-se uma preocupação veemente pelo direito de participação do público nos processos administrativos em matéria de ambiente, propugnado pela facilitação por parte dos Estados-Membros do acesso à justiça. Esta preocupação encontra-se bem patente nos arts. 9.º, 10.º e 10.º-A da Directiva. Por seu turno, o D.L. que procede à transposição desta transfigurou o regime aí ensaiado. Já não se propugna por uma direito de participação do público tão abrangente, até deixando o mesmo de existir no caso de dispensa de A.I.A., como resulta da conjugação dos arts. 14.º e 26.º, ex vi 3.º, n.º9. Tal demonstra a limitação inequívoca dos direitos de participação do público nos processos administrativos em matéria de ambiente, contrariando todo o espírito da Directiva. Por outro lado, o D.L. que procede à transposição consagra uma norma relativa ao deferimento tácito. Neste caso, há uma presunção de que a Declaração de Impacte Ambiental é em sentido favorável, afirmando, pois, a viabilidade do projecto, quando esta não seja emitida pela autoridade competente dentro dos prazos legais previstos. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem entendido que esta norma comina numa incorrecta transposição da Directiva na medida em que as preocupações ambientais são relegadas para um segundo patamar, defendendo-se, antes, uma celeridade administrativa. Não será, de todo, despropositado afirmar que, através do mecanismo do deferimento tácito, inúmeros processos administrativos cuja viabilidade ambiental seria negada a priori, seguem a sua tramitação sem qualquer entrave de ordem material. Não deixa, portanto, de ser escandaloso a contradição que se verifica.




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A União Europeia é uma ordem jurídica própria com poderes para adoptar uma legislação vinculativa aos seus Estados-Membros (princípio do primado com origem na jurisprudência Costa/Enel e Simmenthal, que postula a não prevalência dum acto nacional posterior incompatível com qualquer disposição comunitária) e cuja aplicação é executada em tribunal próprio. Desta forma, a U.E. assume na sua função de guardiã do Tratado, o impulsionamento da integração das considerações de ordem ambiental (cuja concretização formal se veio a dar com o Acto Único Europeu, em 1987) noutras áreas da actividade comunitária, pois que muitas áreas têm efeitos negativos no ambiente (a Política Agrícola Comum, o sector industrial- aço, carvão, químicos, automóveis-, o sector dos transportes- estradas, túneis, pontes-, a produção de energia).



Cumprimento de Directivas

A Directiva é um compromisso jurídico assumido pelos Estados-Membros da União em que se obrigam a transpor para o seu ordenamento jurídico os comandos normativos do acto legislativo comunitário, de forma a que este produza efeitos. A particularidade, justificada por considerações relativas à adaptabilidade aos ordenamentos jurídicos nacionais, reside, pois, na liberdade de meios a adoptar nessa transposição, importando somente que se respeite o conteúdo normativo. Para tal, há um prazo de transposição, que decorrido sem que se verifique a transposição da directiva, faz desencadear um efeito- o efeito directo. Este princípio consiste na possibilidade de invocação pelos particulares ou pelo Estado das normas contidas pela directiva e visa evitar o enfraquecimento do efeito útil da directiva por mera inacção dos Estados-Membros, obstando a que estes contornem a vinculação à legislação comunitária.

No âmbito comunitário, os particulares vêm a sua posição de defesa dos seus direitos algo enfraquecida. Isto porque os requisitos através dos quais os particulares adquirem legitimidade activa são de tal forma restritos que o acesso aos meios contenciosos comunitários fica algo limitado. Assim, em ordem a efectivar a aplicação do Direito Comunitário, os particulares dispõem do exercício do direito de acção popular e do direito de petição, o exercício dos direito no âmbito do Direito Administrativo perante a Administração Pública e o recurso aos tribunais através do Ministério Público. Esta entidade deve ser recorrida pelos particulares mesmo que não sejam directamente lesados e deve actuar sempre que estejam em causa defesa do interesse colectivo ambiental.
Relevam, também, os arts. 40.º n.º 4 e 45.º da Lei de Bases do Ambiente. Qualquer cidadão directamente ameaçado ou lesado no seu direito ao ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado tem legitimidade para propor uma acção judicial. Fará, então, uso das acções do Código de Procedimento Civil para fazer cessar os actos ou actividades que estejam na origem da ameaça ou lesão sofrida, para obter o ressarcimento dos danos patrimoniais ou morais sofridos em consequência daqueles actos ou actividades ou para obter providências cautelares não especificadas no C.P.C. Para além do direito de recurso aos tribunais nacionais, os particulares podem fazer uma queixa oficial à Comissão Europeia contra uma violação do Direito Comunitário. Em seguida, a Comissão abrirá um processo por incumprimento caso ache conveniente. Pode, também, dirigir-se ao Parlamento Europeu através do direito de petição, para que este intente uma acção principal.



Algumas directivas, designadamente, também, a Directiva referida, exigem que o Estado envie relatórios à Comissão, com a descrição de como tais directivas estão a ser aplicadas. Esses relatórios encontram-se frequentemente incompletos e atrasados, donde tem vindo a surgir a tese da necessidade dum inspector comunitário ou, pelo menos, da criação dum sistema de recolha e partilha de informação. A Agência Europeia do Ambiente tem vindo a defender a existência duma entidade que se ocupe da recolha e da publicação da informação. De iure constituto, é à Comissão que cabe a responsabilidade de garantir que as obrigações são cumpridas. Assim, o processo por incumprimento nos termos dos arts. 226.º e seguintes do Tratado da Comunidade Europeia é o meio contencioso adequado para fazer face às situações de violação das prerrogativas comunitárias.

Na Directiva em análise, o problema não reside na falta de transposição, mas na incorrecção da transposição. Deste modo, desde que os objectivos fundamentais que a Directiva pretende atingir não se demonstrem, efectivamente, cumpridos, defender-se-á que a Directiva não foi transposta devidamente.

Em suma, nos termos da análise comparada realizada, e tal como tem vindo a ser prática comum por parte do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Portugal, à semelhança da Irlanda, do Luxemburgo ou da Bélgica, incorrerá num processo por incumprimento por transposição incorrecta da Directiva.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

7ª Tarefa: Informação Ambiental



Na sequência da interposição dum requerimento de intimação, meio processual utilizado para a prestação de informações nos termos dos arts. 104º e seguintes do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos, indeferido em primeira instância e em sede de recurso, uma organização ambiental recorreu desta última decisão para o Tribunal Constitucional, solicitando a fiscalização concreta da constitucionalidade referente às normas constantes dos artigos 10º da Lei n.º 65/93 de 26 de Agosto na redacção da Lei n.º 8/95 de 29 de Março e do artigo 13º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 321/95 de 28 de Novembro.
A organização ambientalista, motivada por preocupações ambientais, pretendia o acesso a certidões referentes ao contrato celebrado entre o Estado português e determinadas empresas, , incluindo os anexos e os estudos técnicos, pretensão que tinha vindo a ser negada, com base nas normas cuja inconstitucionalidade é contestada pela recorrente.

Importa, pois, realizar um enquadramentos jurídico-sistemático desta pretensão.
O Direito ao Ambiente é um ramo do Direito relativamente recente. Terá tido na sua génese, as preocupações que surgiram no final dos anos 60, início da década de 70, com a crise do petróleo que fez nascer no espírito dos líderes a consciencialização da escassez dos recursos naturais. Será, então, na década de 80 que a consciência ecológica se torna comum aos vários estratos societários. Na sequência da premência destes novos valores em ascensão, a própria Comunidade Europeia desperta para o novo paradigma, aprovando em 1990 a primeira directiva sobre a avaliação do impacto ambiental. É também neste ano que é criada a Agência Europeia do Ambiente. Formalizava-se, então, a importância da valorização ecológica e, concomitantemente, a importância da necessidade da participação do cidadão comum nos procedimentos a tomar que com ela conflituassem. Já o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não se atendo às suas atribuições que não previam a tutela ambiental, proferiu importantes decisões que viriam a constituir uma tutela mediata do ecossistema global. Posteriormente, foram celebradas convenções que viriam reforçar este apelo, designadamente a Convenção de Sofia em ‘95 e a de Aarhus em ‘98. Confirma-se, deste modo, a solidificação da consciencialização ambiental recém surgida, bem como o empenho em harmonizar políticas por parte dos vários Estados, de forma a trazer-nos uma tutela homogénea e eficaz.


Em Portugal, o direito ao ambiente encontra-se constitucionalmente consagrado no art. 66º da Constituição da República Portuguesa, admitindo-se o ambiente como um valor de interesse público (o chamado «interesse difuso») e colectivo, donde emana a necessidade de protecção contra intervenções danosas por parte da sociedade em relação aos recurso naturais e ao ecossistema globalmente considerado. Neste contexto, não só as autoridades estaduais como também o indivíduo são investidos dum dever de protecção, constitucionalmente reconhecido. E este dever de protecção, perspectivado como partilha da comunidade, pode ser levado a cabo de diversas maneiras. A que nos releva para o caso sub judice tem que ver com o direito de acesso à informação plasmado no art. 268º da C.R.P. Esta norma apresenta-nos o direito de acesso à informação sob a veste de duas formas: uma procedimental (cfr. o n.º1) e a outra instrumental (cfr. nos. 4 e 5) ao direito à tutela judicial efectiva. Nesta medida, o direito de acesso à informação confere ao cidadão comum a possibilidade de simples conhecimento dos procedimentos tomados pela Administração Pública, como a investidura no administrado interessado de informação que releve em processos em que é parte.
Embora não expressamente previsto na C.R.P., é doutrina e jurisprudência constantes que o direito à informação ambiental se retira reflexamente do princípio geral consagrado no art. 268º, n.º 1 C.R.P. Desta forma, o direito de acesso à informação ambiental traduz-se num instrumento ao serviço do cidadão na sua missão como vigilante do Ambiente, na prossecução do controlo da transparência a que a Administração Pública se encontra obrigada. E é nesta lógica que a recorrente usa do meio de defesa que a lei lhe confere.
Não obstante, a pretensão da recorrente tem vindo a ser negada com base no fundamento de que existem reservas a este direito de acesso à informação, que não é um direito absoluto, designadamente as constantes dos artigos cuja inconstitucionalidade se suscita, o que é o mesmo que dizer, quando estejam em causa informações comerciais, industriais e de vida interna da empresa.



Em causa encontram-se o direito à informação ambiental e o direito de recusa a documentos ou informações relativos a segredos comerciais e industriais e em que medida se dá este confronto.

Acompanhamos a posição do requerido relativamente aos documentos que que não configuravam os anexos não publicados. Isto porque a autoridade pública, neste caso, o Governo, não poderia facultar à requerente elementos que não estivessem em sua posse. Se já à altura tal não resultava claro da lei, actualmente a questão nem se poria (cf. art. 11º da Lei n.º 19/2006), se bem que à data do acórdão já seria razoável afirmar que se deveria demandar a autoridade pública relativamente aos documentos ou informações que ela própria possuísse.


Discute-se, então, a conformidade do art. 10º da Lei n.º 65/93 com o art. 268º, n.º 2 C.R.P. Para tal, a recorrente argumentou no sentido de que as únicas restrições ao direito de acesso à informação ambiental são as que o legislador constitucional quis expressar no n.º 2 do art. 268º C.R.P. Neste ponto acompanhamos a fundamentação do acórdão, que recorreu à fundamentação do Ac. n.º 254/99, com bastante propriedade, acrescente-se. Assim, admitindo a não inconstitucionalidade das restrições da lei, haveria então que discorrer acerca da medida do confronto entre o direito de acesso à informação, por um lado, e o direito de recusa de segredos industriais. O problema que se coloca relativamente às informações comerciais, industrias e de vida interna da empresa é o da sua comunicabilidade ou não. O fundamental reside em determinar o conteúdo desta excepção e, arriscar-nos-íamos, talvez, a afirmar que o douto acórdão não tenha colocado a devida relevância. A ratio desta excepção reside na protecção da confidencialidade dos negócios na medida em que a falta daquela possa causar graves consequências ao normal funcionamento das empresas e evitar a difusão de dados que possam comprometer os seus interesses comerciais, havendo que salvaguardar os segredos de dados económicos e financeiros ou das estratégias comerciais, segredos fiscais sobre a situação económico-financeira das empresas, segredos de negócios, procedimentos e técnicas de fabrico, operações e métodos de trabalho, dados estatísticos confidenciais, ficheiros de clientes, informações sobre lucros e encargos, inventários, resultados de investigações, relações comerciais, relatórios sobre quotas de mercados… O entrave que se vislumbra é que cabe à Administração Pública, no uso do seu poder discricionário, determinar as informações que são comunicáveis e as que não são. E tal tarefa será realizada de acordo com uma ponderação casuística, mormente fundamentada. A doutrina avança o entendimento de que há documentos e informações confidenciais por natureza e outros que não o serão, quando se admita que a sua difusão possa causar prejuízo. Neste último caso, tornar-se-á imperativo uma ponderação conjunta de três elementos: o eventual valor comercial dos documentos ou informações, a não comprovação de que os documentos já são do domínio público e a não verificação de que a obtenção dessa informação é possível por outras vias.
As restrições ao direito de acesso à informação ambiental, porque dependem duma ponderação casuística, terão que estar sujeitas a um controlo. E é aqui que o acórdão se socorre, e bem, a nosso, ver da aplicação do princípio da proporcionalidade plasmado no art. 18º C.R.P. No entanto, vemo-nos forçados a acompanhar o Conselheiro Mário José de Araújo Torres relativamente às considerações que teceu relativamente ao princípio da proporcionalidade. A ponderação casuística terá que ter em consideração as circunstâncias de facto que fundamentam o direito, tal como o controlo a exercer sobre a restrição ao direito terá que equacionar essas mesmas circunstâncias de facto; não se pode aplicar o princípio da proporcionalidade em abstracto. E parece que foi isso que o douto acórdão terá acabado por fazer…


Ainda, no que concerne à fundamentação do acórdão assente no argumento de que o projecto foi sujeito a aprovação pelas entidades competentes que realizaram previamente um estudo de impacto ambiental, deixando implícito que, dalguma forma a preocupação ambiental já estaria assegurada, cremos que não deixa de existir aqui alguma falta de propriedade. Não temos por razoável pensar-se que pode haver alguma invalidação das preocupações manifestadas pela organização ambiental porque houve uma aprovação do projecto por parte da entidade competente em consideração da realização de um prévio estudo de impacto ambiental. Por outro lado, também não se deverá ter por admissível a afirmação de que “(…) a ponderação imposta aos tribunais ficará aligeirada”, na sequência duma prévia ponderação realizada pela Administração Pública, da qual resultou a vinculação a uma cláusula de confidencialidade. Nestes termos, o que haveria que considerar seria a legalidade daquela ou a falta dela, na devida sede. Mas o versado Tribunal, estaria sempre adstrito a julgar a causa com menos “ligeireza”…

De acordo com o exposto, não temos por seguro que com o caminho percorrido no acórdão, se estivesse em posição de declarar peremptoriamente a não inconstitucionalidade das normas. Como já foi referido, não seria despropositado acompanhar o conselheiro vencido numa perspectiva de completude. Afinal, o ideal seria conseguir-se uma harmonização dos dois direitos em conflito, não se propugnando pela prevalência dum em razão do sacrifício menos honesto do outro…