quinta-feira, 4 de junho de 2009

O princípio do poluidor-pagador

I. O princípio do poluidor-pagador (doravante,PPP) nasceu oficialmente como princípio internacional da política do ambiente numa Recomendação adoptado pelo Conselho da OCDE em 1972. Nesta foi adoptada a seguinte definição: “ PPP significa que o poluidor deve suportar os custos desenvolvendo medidas de controlo da poluição decididas pelas autoridades públicas para garantir que o ambiente esteja num estado aceitável”. A ideia seria que os custos destas medidas se reflectissem nos preços dos bens e serviços que causam poluição na sua produção e/ou consumo. Foi simultaneamente feito o alerta de que esta medidas não deviam ser acompanhadas de subsídios, sob pena de distorção do comércio e investimento internacionais.
Mais tarde, em 1987, o Acto Único Europeu veio, ao aditar o actual artigo 174.º do Tratado da Comunidade Europeia,consagrar o PPP como princípio constitucional do Direito Comunitário do Ambiente. Este artigo define os objectivos, princípios e elementos que devem ser consideradosa na acção da Comunidade Europeia em matéria de ambiente. No que ao Direito Internacional Público concerne, este princípio foi acolhido na Declaração do Rio de Janeiro de 1992.
II. Um dos aspectos mais discutidos nesta sede é a natureza constitucional deste princípio. Vasco Pereira da Silva considera que o PPP goza de natureza constitucional porque representa um corolário necessário da norma da alínea h) do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa (a seguir, CRP). Segundo este autor, o PPP é decorrência da tarefa estatal de assegurar, pela política fiscal, a compatibilização do desenvolvimento com a protecção do ambiente e qualidade de vida. Outros autores, tais como Gomes Canotilho, encontram a sua consagração expressa na Lei de Bases do Ambiente.
III. Os bens ambientais caracterizam-se por não haver limitação monetária da sua procura e, consequentemente, não há grande estímulo para a sua utilização parcimoniosa, A sua insusceptibilidade de apropriação individual reflecte-se num desinteresse geral em limitar a sua utilização abusiva. Os utilizadores não precisam cooperar para salvaguardar os bens ambientais porque, em função do seu livre acesso, aqueles que não cooperem podem sempre beneficiar dos resultados das acções cujos custos foram suportados pelos outros.
A verdade é, no entanto, que os recursos naturais não são ilimitados nem infinitamente renováveis pelo que se tem de promover a sua utilização razoável e racionada.
IV. Tendencialmente, assinalam-se ao PPP fins de prevenção e equidade na redistribuição dos custos das medidas públicas de protecção do ambiente, relegando-se para a responsabilidade civil ambiental a reparação dos danos causados ao ambiente e a punição dos poluidores. Na verdade, este princípio tem uma essência primordialmente preventiva, a sua vocação é intervir a priori e não a posteriori quando os danos já ocorreram.
Por força deste princípio, aos poluidores restam duam opções: ou páram de poluir ou têm que suportar um custo económico em favor do Estado que, por sua vez, deve afectar as verbas obtidas por esta via a acções de protecção do ambiente. Os poluidores terão, assim, que fazer os seus cálculos de modo a escolher a opção que lhes seja economicamente mais vantajosa: adoptar todas medidas necessárias a evitar a poluição ou manter a produção no mesmo nível e nas mesmas condições mas suportar os custos que isso acarreta.
Se, mesmo depois da aplicação do PPP, a situação alcançada ainda não for a ideal e ainda estivermos num cenário de excesso de poluição ou défice de fundos, então o legislador deverá aumentar um pouco mais o montante dos pagamentos a efectuar pelo poluidor, até conseguir que ele adopte o comportamento considerado ambientalmente desejável.
No que ao montante diz respeito, o “preço” imposto aos poluidores não deve ser proporcional aos danos provocados mas antes aos custos de precaução e prevenção dos danos ao ambiente – outra manifestação do cariz essencialmente preventivo deste princípio.
Porque é que os pagamentos decorrentes do PPP devem ser proporcionais aos custos estimados, para os agentes económicos, de precaver ou de prevenir a poluição? Precisamente porque o escopo de aplicação deste princípio é anterior e independente da ocorrência de danos.
Em termos sociais, o resultado será sempre mais vantajoso. Das duas uma, ou deixa praticamente de haver poluição ou esta reduz-se a níveis mais aceitáveis e os poderes públicos responsáveis pelo ambiente passam a dispor de verbas que podem destinar ao combate à poluição, sem com isso onerar os contribuintes em geral. Esta é outra grande vantagem do PPP, permite criar fundos alimentados pelos poluidores dos quais sairão as verbas que o Estado deve afectar ao combate à poluição evitando que os contribuintes tenham de custear, através dos (muitos) impostos que já pagam as medidas tomadas pelos poderes públicos para protecção do ambiente. Esta política, conhecida como “reciclagem de fundos”, consiste na angariação coactiva de fundos entre os poluidores, destinados ao financiamento da política de protecção do ambiente, permitindo assegurar equidade na redistribuição dos custos sociais da poluição e, sobretudo, uma protecção eficaz e mais económica do ambiente.
V. Em termos económicos, o PPP desempenha função denominada internalização das externalidades ambientais negativas. Expliquemos um pouco mais. Por actividades geradoras de externalidades negativas devem entender-se aquelas que impõem custos a terceiros independentemente da vontade destes bem como da vontade de quem desenvolve essas mesmas actividades. A internalização é realizada por meio de taxas pelas quais se forçam os poluidores a ter em consideração, nos seus cálculos económicos, os prejuízos provocados pela actividade que desenvolvem e, mais do que isto, se os obrigam a modificar a sua conduta e torná-la menos nociva para a sociedade.
VI. Simplisticamente, o PPP estipula que aquele que provoca poluição deve suportar os respectivos custos económicos. Por hábito são-lhe apontadas duas vertentes: a positiva segundo a qual cabe ao poluidor suportar, economicamente, a poluição que produza e a negativa que no fundo resulta de uma interpretação a contrario da positiva – se os custos devem ser suportados pelo poluidor não o devem ser pelos demais, designadamente pela comunidade. Desta vertente decorre a proibição de subvenções aos poluidores. Os auxílios estatais às actividades poluentes devem ser progressivamente reduzidos até à eliminação para reduzir a despesa pública e melhorar a qualidade do ambiente.
Na efectivação deste princípio colocam-se alguns problemas de concretização, sobretudo do que se deva entender por poluidor (e portanto pagador), quais os custos que devem ser suportados e os instrumentos através dos quais pode ser cumprido.
No que ao pagador concerne, parece que a melhor solução é a que cobra a quem tem poder de controlo sobre as condições que conduzem à produção da poluição, e que portanto pode preveni-las ou tomar precauções para evitar que ocorram. Não parece de rejeitar liminarmente que também o consumidor suporte parcialmente estes custos. Afinal, o produtor produz para o mercado pelo que o consumidor também beneficia da poluição produzida.
Tendo em conta os fins específicos atribuídos ao PPP – a prevenção e a redistribuição equitativa dos custos de protecção do ambiente – este abrange, nos dias de hoje, os custos directos e indirectos. Os primeiros reportam-se aos custos das medidas de prevenção e precaução directamente asseguradas pelo poluidor em cumprimento de normas jurídicas. Os demais, custos administrativos associados ao desenvolvimento pelo Estado de políticas de protecção do ambiente.
Os instrumentos mais adequados à filosofia do PPP são os preventivos e são, fundamentalmente, de três tipos: os instrumentos normativos, os instrumentos económicos e os títulos de poluição transaccionáveis. Como o próprio nome indica, os primeiros concretizam-se na regulamentação directa da actividade do poluidor que tem de exercer a sua actividade em obediência às normas legais. Outra hipótese é o recurso a impostos e taxas. Perante as falhas patentes no recurso aos dois tipos de instrumentos supra criaram-se os títulos de poluição transaccionáveis. Estes são documentos oficiais emitidos para que a sua posse confira ao detentor o direito de poluir até certo valor estabelecido no título.
VII. Após a análise deste princípio, constatamos que a sua natureza é, de facto, eminentemente preventiva. Este facto é de louvar já que dada a sensibilidade e (muitas vezes) irreversibilidade dos danos provocados no ambiente, devem-se procurar-se todos os meios para evitar estas afectações e impactos no meio ambiental. Mas não deve o poluidor livrar-se totalmente dos ónus de suportar a poluição que provoca pelo que este princípio parece alcançar o equilíbrio desejado nesta sede.