Há muito que vem sendo discutida responsabilidade civil em sede ambiental mas é muito recente o diploma que se encarregou de a regular – falamos do DL n.º 147/2008 de 29 de Julho que veio transpôr para a nossa ordem jurídica a Directiva n.º 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro, que aprovou, com base no princípio do poluidor-pagador, o regime relativo à responsabilidade ambiental aplicável à prevenção e reparação dos danos ambientais. Até à Directiva mencionada, o nosso sistema caracterizava-se pela ausência de um diploma específico em matéria de responsabilidade civil ambiental e por uma regulamentação lateral e fragmentária. A este fraccionamento juntava-se ainda uma dispersão jurisdicional que em nada ajudava à uniformidade.
Na verdade, reconheceu-se a necessidade de uma lei autónoma nesta matéria por certos aspectos da responsabilidade civil assumirem uma diferente configuração no âmbito do ambiente, sobretudo relacionados com a dificuldade de demonstração da culpa em Direito do Ambiente. Precisamente por estes motivos, diz Vasco Pereira da Silva, qe devem os mecanismos de responsabilidade objectiva ser agilizados, a noção de culpa tem que ser entendida no quadro de uma lógica objectiva.
No que à distinção dos tipos de dano se refere, a posição tradicional, perfilhada por Gomes Canotilho e Cunhal Sendim, separa entre dano ecológico e dano ambiental. O primeiro diria respeito ao dano que resulta para o ambiente em si mesmo; como se vê, esta concepção está estreitamente ligada com a concepção ecocêntrica que entende dever ser o ambiente objecto de tutela por si só. O dano ambiental está mais relacionado com a visão antropocêntrica, segundo a qual o ambiente apenas deve ser tutelado na medida em que sejam protegidos os direitos do homem. Assim, o dano ambiental seria a repercussão da lesão causada ao ambiente na esfera jurídica do homem. Parece contudo que, com a entrada em vigor da Directiva, esta distinção veio a perder eficácia já que aquela adoptou uma noção ampla de dano ambiental. Vasco Pereira da Silva prefere distinguir entre dano subjectivo (que se concretiza na lesão dos direitos ambientais dos indivíduos) e dano objectivo provocado à comunidade (prejuízo causado objectivamente ao ambiente).
Na senda da Directiva, surgiu um novo paradigma de responsabilidade civil ambiental. Num primeiro momento, verificamos que nela está patente uma conjugação da dimensões preventiva e repressiva. Para além disso, consagra-se, numa inversão da lógica anterior, uma responsabilidade de raíz pública com o respectivo direito de regresso – responsabilização das autoridades públicas que, mais tarde, se encarregarão de encontrar os verdadeiros culpados, prevenindo-se a ausência de tutela dos bens ambientais. Como já foi dito acima, a Directiva adoptou uma noção ampla e objectiva de dano ambiental e um conceito, também amplo de responsabilidade que abarca acções de prevenção e acções de repressão (são considerados os momentos anteriores e posteriores à lesão). Como já vem sendo hábito em sede ambiental, é dada preferência à reconstituição in natura. Finalmente, e porque estamos no âmbito comunitário, foram insituídos deveres de colaboração entre os Estados-Membros nas acções preventivas e repressivas.
Analisemos sucintamente o regime jurídico instituído pelo DL n.º 147/2008. Este regula quer a responsabilidade civil objectiva, no seu art.º 7.º, como a subjectiva, no art.º seguinte. Procura-se que a responsabilidade cubra tanto os danos efectivamente realizados como as ameaças (12.º e 13.º). No que à culpa diz respeito, e lembramos que aqui reside o busílis porque esta é de dificílima demonstração em Direito do Ambiente, houve uma tentativa de construção objectivada de culpa e consagrou-se a responsabilidade solidária na comparticipação. Quanto ao nexo causal, a causalidade passa a assentar num critério de verosimilhança e probabilidade, aptidão do facto danoso produzir a lesão verificada. Prevê-se também a redução atenuação da reparação quando um facto culposo do lesado haja concorrido para a produção ou agravamento do resultado – art.º 9.º.
Como se viu, este diploma foi um passo em frente na responsabilidade civil por danos ambientais apesar de algo incompleto. Nas palavras de Vasco Pereira da Silva: “ficou a faltar a presunção de causalidade”. Mas acreditamos que, devidamente conjugado com o princípio do poluidor-pagador, contribuirá para uma melhor tutela do meio ambiente.