Os contratos de adaptação ambiental tiveram a sua origem na constatação de que a via coerciva não estava a ser tão eficaz quanto se pretendia. São um compromisso assumido entre o Estado, mais concretamente a Administração Pública, e o Sector Industrial, sendo que a sua actividade se encontra inevitavelmente associada a uma certa degradação da qualidade do ambiente. Com efeito, não existem processos de fabrico totalmente inócuos. Deste modo, os impactes ambientais variarão de acordo com o tipo de indústria em causa, produtos fabricados, matérias-primas utilizadas, com os químicos empregues…
O desenvolvimento industrial que Portugal assistiu desde a década de 50 até aos anos 90 esteve a par duma simultânea degradação do património ambiental. A Comunidade Europeia encetou um processo legislativo que se traduziu em mais de 200 Directivas nesse período, para tentar fazer face ao crescendo de agressões ambientais que se verificaram. Um novo modelo de desenvolvimento ambiental surgiu balizado por um decréscimo do consumo dos recurso naturais, bem como das taxas de poluição e dos riscos para a saúde pública.
Segundo o World Business Council for Sustainable Development, para que seja possível conciliar o crescimento económico com o ambiente, as relações entre a actividade das empresas industriais e os factores ambientais devem assentar no conceito de “ecoeficiência”, tal como foi definida por este organismo internacional em 1993: a ecoeficiência é atingida através da produção de bens e serviços a preços competitivos que satisfaçam as necessidades humanas, melhorem a qualidade de vida e, progressivamente, reduzam os impactes ecológicos e a intensidade de utilização de recursos ao longo do ciclo de vida desses bens, até ao nível compatível com a capacidade de carga estimada do planeta.
Em seguida procura dar-se uma imagem do que se passa no sector industrial no que diz respeito à sua interface com o ambiente, analisando alguns indicadores das pressões ambientais pelas quais são responsáveis, assim como outros relativos às respostas encontradas para minimizar os seus impactes.
Os contratos de adaptação ambiental são um importante instrumento da política do Ministério do Ambiente na tentativa de atingir as condições mínimas de qualidade ambiental das empresas. É concedido um prazo às empresas envolvidas para se adaptarem à legislação vigente. O acordo é dividido por fases do processo de adaptação que são definidas com prazos e objectivos, estipulados no contrato.
O processo é constituído por duas partes: a caracterização ambiental (identificação de pontos de incumprimento da legislação ambiental) e o plano específico de adaptação (adaptação que é necessária para haver cumprimento da legislação ambiental).
Compete à Direcção Geral do Ambiente (DGA), enquanto organismo com Funções de Normalização Sectorial (ONS), em cooperação com o IPQ, certificar-se do desenvolvimento e fiscalização do processo.
Deste modo, a Administração opta por tentar assegurar o cumprimento possível dos comandos legais, dado lhe ser impossível tentar assegurá-lo da forma coactiva, pois tal traduz-se frequentemente numa grande ineficiência administrativa. O método utilizado pela Administração são derrogações cujo âmbito temporal se define por temporário. A concessão das derrogações têm como objectivo obter um nível de adimplemento inatingível caso não fosse as concertações com os agentes poluidores.
Chegados aqui, a grande questão que se vislumbra é a compatibilização dos contratos de adaptação ambiental, enquanto instrumento concertador da Administração Pública e os agentes poluidores, com o princípio da legalidade, o qual se apresenta à Administração Pública como circunscritor do paradigma da concertação, na medida em como e se o princípio da legalidade deverá ceder perante o princípio de eficácia. À A. P. é exigido um desempenho exemplar na prossecução do interesse público, determinado por comandos normativos-legais; não fará parte desse papel a adaptação à realidade (em que os custos de internalização são elevadíssimos, pondo mesmo em causa a sustentabilidade económica das empresas), atingindo maiores níveis de eficácia, através de mecanismos algo “torneadores” dum grupo de normas legais? Um outro argumento aduzido em relação à eventual cedência do princípio da legalidade nesta matéria tem que ver com o facto da imprevisibilidade das situações susceptíveis de regulação. Quer isto dizer que, face à multiplicidade de lesões que podem ter lugar no contexto ambiental, bem como de processos causadores, determinação dos agentes, etc, não se vislumbra suficiente verosimilhança da capacidade do poder legislativo ser apto a conseguir prever com generalidade e abstracção normas capazes de tutelar esta multiplicidade. Ainda, já Montesquieu avançava com o princípio da separação de poderes, postulando total desprendimento entre os poderes do Estado, de tal forma que fará sentido afirmar, actualmente e em decorrência, numa certa autonomia da A.P. na escolha dos meios mais aptos a levar a cabo as tarefas da A. P., quando os meios legislativos não se demonstrem suficientemente convenientes.
A Lei de Bases do Ambiente vê consagrado no seu art. 35.º, n.º 2 a possibilidade de celebração de “contratos-programa” com vista a reduzir gradualmente a carga poluente das actividades industriais. Estes contratos-programa são designados de redução de carga poluente. Castro Rangel defende que são sucedâneos da suspensão ou redução das actividades poluente, sendo , então, uma alternativa para tentar corrigir as eventuais consequências nefastas do estrito cumprimento da legislação ambiental ( ao nível sócio-económico), habilitando a celebração de contratos de derrogação temporária de comandos normativos ambientais, atribuindo às empresas um prazo para se adaptarem as regras que têm que fazer cumprir. Por sua vez, Mark Kirkby discorda, defendendo que a norma, só por si, não funciona como condição habilitadora da derrogação de disposições imperativas legais, por meio do método interpretativo, cujos elementos não vêem comprovada a conclusão de Castro Rangel.
Actualmente, o diploma que regula a qualidade da água destinada ao consumo humano, o Decreto-Lei n.º 243/2001 de 5 de Setembro, prevê a possibilidade de derrogações, através da apresentação de um programa de adaptação (com a calendarização das acções previstas e o plano de investimentos), com fundamento na necessidade de as entidades gestoras dos sistemas de abastecimento público de água se adaptarem de forma paulatina aos limites impostos pelo referido diploma.
Estamos em crer que, face à actual conjuntura relativa aos recursos naturais, bem como à natureza das actividades lesivas, a Administração Pública, como prossecutora do interesse público, deve reinventar-se para dar resposta às novas realidades, suas géneses e consequências. De tal forma, que pode legitimar-se uma actuação menos coerciva porque menos eficiente, mas mais subtil e “benevolente” porque mais eficaz e, a longo prazo, mais sustentável.