sexta-feira, 5 de junho de 2009

Comentário ao Ac. do STA 14.3.1995

No acórdão em causa, a Liga para a Protecção da Natureza recorre para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de uma deliberação do Conselho de Ministros, relativamente à localização da nova ponte sobre o Tejo. O Conselho de Ministros aprovou o Decreto-Lei nº 220/92 de 15 de Outubro, que localiza a ponte entre as proximidades do Samouco, Município de Alcochete, e Sacavém, Município de Loures. Discute-se se esta zona constituía uma Zona de Protecção Especial, estando também em causa o efeito directo da directiva e a necessidade de sujeição do projecto a prévia Avaliação de Impacto Ambiental (AIA).

A associação de defesa do ambiente invoca os seguintes fundamentos para o recurso: em primeiro lugar que a Directiva nº 79/409/CEE do Conselho de 2 de Abril de 1979, vigora em Portugal desde 1986 e, tem por objecto a conservação e a protecção de aves selvagens que habitam o território da Comunidade Europeia. A Directiva impõe adopção de medidas com o objectivo de conservar e proteger as aves selvagens do território da Comunidade Europeia, tendo particular importância, a medida de criação de “Zonas de Protecção Especial” (ZPEs). Por Despacho de 30 de Abril 1988, foram criadas pelo Governo 18 ZPEs, contudo não foi definido o regime jurídico aplicável. Em 1991, o Decreto-Lei nº 75/91 de 14 de Fevereiro transpôs a Directiva nº 79/409/CEE, continuando indefinido o seu regime. Não existindo tal regime, aplicar-se--ia o art. 4º/4 da Directiva, que seria directamente aplicável pelos particulares dada a teoria do efeito directo vertical, sendo certo que, para a associação, a norma do art. 4º/4 seria uma norma clara, completa e incondicional. Como a ponte atravessava a ZPE do Estuário do Tejo, a associação alega que a deliberação viola o art. 4º/4 da Directiva, na medida em que a construção da ponte conduziria à deterioração dos habitats e à perturbação das aves selvagens.
Em segundo lugar, alega que o decreto-lei em causa violava a legislação de Avaliação de Impacto Ambiental em vigor no momento da aprovação do decreto-lei, ou seja, os arts. 3º, 4º e 5º do Decreto-Lei nº 186/90 de 6 de Junho e os arts. 2º, 3º e 4º do Decreto Regulamentar nº 38/90 de 27 de Novembro.

No acórdão decidiu-se que o art. 4.º nº 4 da Directiva não foi violado uma vez que não está em causa uma posição incondicional e suficientemente precisa, logo não tem efeito directo. Deste modo, a decisão governamental não tinha de ser sujeita ao procedimento prévio de AIA porque na deliberação impugnada “apenas se decidiu que a localização se situava entre as proximidades do Samouco, no município de Alcochete, e Sacavém, no município de Loures”, não tendo sido “aprovada a realização de obras de construção ou qualquer instalação de obras”. Confirma esta ideia ao declarar que “não é a fase da aprovação da localização das obras que está submetida ao procedimento administrativo de AIA previsto no Decreto-Lei n.º 186/90 e Decreto Regulamentar n.º 38/90 e tão só a fase elaboração do projecto e da concepção da construção da obra.”

Para José Eduardo Figueiredo Dias, esta decisão ignora os objectivos da legislação da AIA, e assenta em pressupostos errados. Para sustentar tal afirmação evoca alguns argumentos, dos quais destaco os seguintes: a) a decisão de localização da ponte sobre o Tejo está inserida no âmbito do Decreto-Lei n.º 186/90 quando este alude a “outras intervenções no meio natural ou na paisagem” (art. 1.º/2 al. a)) ou a “projectos que, pela sua (...) localização, se considerem susceptíveis de provocar incidências significativas no ambiente” (art. 2.º/2), logo a necessidade de realização da AIA; b) a AIA é um instrumento de cumprimento de princípios de Direito do Ambiente, tais como o do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos disponíveis e tem como fundamento último o princípio preventivo, que pretende evitar a produção de danos, mais uma vez se justifica a AIA antes da decisão de localização.

Chegado este ponto, resta-nos dissertar sobre a decisão tomada no acórdão em causa, assim, consideramos que tal decisão foi a mais acertada tendo em conta a legislação sobre AIA em vigor em 1992. Em relação ao efeito directo, temos dúvidas quanto à precisão da norma do art. 4º/4 da Directiva, pois efectivamente a expressão nela contida é algo indeterminada. Na nossa opinião, o STA identificou que a questão em causa era a da necessidade de AIA para a localização da obra e não para a sua construção. A localização não estaria assim, sujeita a esse procedimento administrativo.