segunda-feira, 1 de junho de 2009

AIA e AAE – Duas estradas paralelas, um destino comum

Desde cedo se reconheceu, na ordem jurídica portuguesa, a necessidade de sujeitar determinados projectos a uma cuidada avaliação dos seus impactes ambientais isto é, das possíveis alterações, favoráveis ou desfavoráveis, que estes possam vir a ter no ambiente ou em alguns dos seus elementos. Neste sentido, foi instituído o regime do procedimento de avaliação de impacte ambiental de projectos pelo DL 186/90, de 6 de Junho e pelo Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, diplomas que transpuseram para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 85/337/CEE, aprovada pelo Conselho.
Porém, cedo também se percebeu que a possibilidade de serem evitados efeitos ambientais adversos a nível dos projectos pode ser limitada por decisões já adoptadas no âmbito de planos ou políticas. Foi neste contexto que se passou também a reconhecer a necessidade de ser levado a cabo um processo de avaliação ambiental a esses níveis, denominado avaliação ambiental estratégica (AAE), de forma equiparada ao que acontece relativamente a determinados projectos. Já em 1991, a Convenção da UNECE (United Nations Economic Commission for Europe) sobre a avaliação dos impactes ambientais num contexto transfronteiras (Convenção de Espoo), reconhecendo o risco inerente à aprovação de determinadas políticas, exigia das Partes que se esforçassem, “na medida do necessário, por aplicar os princípios da avaliação dos impactes ambientais às políticas, planos e programas”. Mais tarde, a 21 de Março de 2003, os países-membros da UNECE viriam a assinar um Protocolo de Avaliação Ambiental Estratégica num contexto transfronteiriço, mais conhecido como Protocolo de Kiev. Este Protocolo, vem exigir que as Partes avaliem as consequências ambientais dos seus projectos, planos e programas. A avaliação ambiental estratégica é assim levada a cabo no início do processo de decisão e antes da Avaliação de Impacte Ambiental de projectos que os venham a concretizar. O protocolo vem também prever uma ampla participação pública no processo de decisão do governo em diversos sectores do desenvolvimento.
A legislação comunitária no domínio da avaliação ambiental estratégica consta da Directiva 2001/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, o primeiro instrumento comunitário relativo à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, conhecido como Directiva AAE. Esta directiva é aplicável a uma vasta gama de planos e programas e estabelece requisitos pormenorizados de avaliação e notificação dos seus efeitos ambientais. A directiva inclui uma disposição relativa aos efeitos transfronteiras que se inspira na Convenção de Espoo. O principal objectivo desta directiva é o de assegurar que, através da adopção de um modelo procedimental e da participação do público e de entidades responsáveis em matérias ambientais, as consequências ambientais de um determinado plano ou programa produzido ou adoptado por uma entidade no uso de poderes públicos são previamente identificadas e avaliadas durante a fase da sua elaboração e antes da sua adopção.
O Decreto-Lei nº 232/2007, de 15 de Junho transpõe para o ordenamento jurídico português a Directiva AAE. Com este diploma, pretende criar-se um mecanismo que permita tomar em consideração os efeitos ambientais de determinados planos e programas durante a sua elaboração ou e antes da sua aprovação, e, assim, promover-se a adopção de soluções inovadoras mais eficazes e sustentáveis e de medidas de controlo que evitem ou reduzam efeitos negativos significativos no ambiente decorrentes da execução deste plano ou programa.
Assim, e antes de mais, podemos afirmar que a Avaliação Ambiental Estratégica de planos e programas é um instrumento de avaliação de impactes a nível estratégico, que tem como objectivo principal incorporar uma série de valores ambientais no procedimento de tomada de decisão sobre determinados planos e programas, durante a sua elaboração e antes da sua aprovação, bem como a avaliação de oportunidades e riscos de estratégias de acção no quadro de um desenvolvimento sustentável. Pretende-se ainda com este instrumento melhorar a qualidade de políticas, planos e programas, fortalecer e facilitar a AIA de projectos e promover novas formas de tomada de decisão.
Presente no conceito de AAE está a noção de continuidade em que decisões estratégicas são tomadas de forma sucessiva ao longo de um processo de planeamento e programação. O desenvolvimento de novas estratégias resulta de uma revisão, de estratégias anteriores, face a cenários de evolução e a objectivos prioritários, influenciando assim o ciclo seguinte de planeamento ou programação. Esta noção de continuidade é crucial no âmbito da AAE, uma vez que o seu objecto de avaliação é um processo contínuo. Para melhor influenciar um processo de decisão, a AAE deve
partilhar este comportamento de continuidade. Daí que tenhamos que referir que a AAE é um instrumento que se exprime na forma de um procedimento que deverá acompanhar o processo de planeamento e programação em todas as suas fases e mutações. Esta é, aliás, a orientação dada no preâmbulo do Decreto-Lei 232/2007 de 15 de Junho, o qual menciona que “a avaliação ambiental de planos e programas pode ser entendida como um processo integrado no procedimento de tomada de decisão, que se destina a incorporar uma série de valores ambientais nessa mesma decisão (…) e constitui um processo contínuo (…)”.
Um dos grandes desafios da AAE reside na capacidade de avaliar as possíveis oportunidades e riscos de
estratégias de desenvolvimento territorial e sectorial, tendo em vista objectivos de desenvolvimento sustentável. Assim, a AAE visa avialiar o mérito ou os riscos de prosseguir aquelas estratégias de desenvolvimento territorial e sectorial e, eventualmente, propôr melhores direcções para as estratégias a seguir.

Assim estão sujeitos a AAE, entre outros (cf. Art.º 3º DL 232/2007):
· Planos e programas sectoriais nas áreas da agricultura, floresta, pescas, energia, indústria, transportes, turismo;
· Planos e programas de gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos;
· Planos e programas que constituam enquadramento para a futura aprovação de projectos sujeitos a avaliação de impacte ambiental ou que constituam enquadramento para a futura aprovação de projectos e que sejam qualificados como susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

A legislação nacional estabelece que cabe à entidade responsável pela elaboração do plano ou programa a implementação e direcção dos procedimentos previstos. Assim, resumidamente, cabe a esta entidade:

1. Avaliar da sujeição, ou não, a AAE (3º/2 DL 232/2007);2. Determinar o âmbito da AAE e o alcance e nível de pormenorização da incluir no relatório ambiental (5º/1);
3. Elaborar e sujeitar a consulta pública o plano e programa com o respectivo relatório ambiental (contendo o correspondente resumo não técnico), sobre o qual a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) elaborará um um parecer contendo uma apreciação global da sua conformidade com as exigências legais, que remeterá à apreciação do membro do Governo responsável pela área do ambiente (6º/4 e 7º/1);
4. Elaborar a versão final do plano ou programa, assim como a respectiva declaração ambiental, disponibilizando-os publicamente na internet (10º/1 e 2);5. Avaliar e controlar os efeitos no ambiente da aplicação e execução do plano ou programa, a fim de corrigir os efeitos negativos imprevistos, divulgando electronicamente os resultados desse controlo com uma periodicidade de actualização no mínimo anual, e comunicando ainda os resultados do mesmo a APA (11º/1).

Pode ilustrar-se o procedimento de AAE com o presente gráfico:


Seria errado afirmar que os procedimentos de AIA e AAE são totalmente distintos. A AAE e a AIA são instrumentos que possuem uma raiz comum, a avaliação de impactes, mas um objecto de avaliação diferente: estratégias de desenvolvimento futuro com um elevado nível de incerteza em AAE, propostas e medidas concretas e objectivas para execução de projectos em AIA. Esta natureza diferente do objecto de avaliação em AAE e em AIA determina exigências metodológicas diferentes relacionadas com a escala de avaliação e com o processo de decisão inerente a cada um deles.
Se em AAE a perspectiva é estratégica e de longo prazo e o seu processo é cíclico e contínuo, em AIA a perspectiva é de médio e curto prazo e o processo é motivado por propostas concretas de intervenção.
O que se torna essencial em AAE é ajudar a reflectir sobre as oportunidades e riscos de optar por determinadas direcções de desenvolvimento no futuro e não, tal como em AIA, assumir resultados esperados de planos e políticas como altamente prováveis, para avaliar os seus impactes positivos e negativos, sugerindo medidas de minimização ou compensação dos seus impactes negativos
A nível procedimental também não ocorrem incompatibilidades, sendo que a AAE não prejudica a AIA. Aliás, a complementaridade é desejável - quando houver lugar a estes dois tipos de avaliação, elas devem articular-se nos termos do artigo 13º. A decisão da AAE não é decisiva para a decisão de AIA. No entanto, em caso de divergência das duas decisões, esta deve ser fundamentada (13º/4).

Assim, apesar das profundas diferenças que marcam estes dois procedimentos, podemos concluir que ambos têm como preocupação central a preservação dos valores ambientais e a promoção do desenvolvimento sustentável.