No acórdão do Tribunal de Justiça (TJ) de 14 de Junho está em análise a correcta transposição pela Bélgica das Directivas 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade, 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas, 84/360/CEE do Conselho de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais, e 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente.
Esta última directiva foi transposta para a nossa ordem jurídica através do Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro, que regula a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA).
Segundo o defendido pelo TJ, as directivas em causa impõem aos Estados-Membros a adopção de medidas úteis para assegurar de que as actividades ou instalações nelas referidas estão sujeitas a autorização prévia e a adopção de medidas que assegurem que os projectos que podem ter um impacto significativo no ambiente estejam efectivamente submetidos a uma avaliação dos seus efeitos, prévia à sua aprovação.
Em avaliação estão as normas do direito belga que prevêem que, em primeira instância, a falta de pronúncia da autoridade competente dentro do respectivo prazo constitui indeferimento tácito da autorização e que, em segunda instância, o mesmo comportamento daquela autoridade implica um deferimento tácito.
Em defesa, invocou-se que a autorização tácita tinha um campo de aplicação limitado, que as autoridades competentes estavam prevenidas da consequência das suas omissões e que a autorização tácita não implica uma avaliação passiva por haver uma avaliação circunstanciada.
O TJ, fazendo referência a anterior jurisprudência sobre a Directiva 80/68 segundo a qual o sistema de autorizações tácitas é incompatível com a directiva e que esta exige que se adopte sempre um acto expresso de autorização ou proibição após a avaliação das circunstâncias concretas, aplicou esta mesma jurisprudência a todas as outras directivas cuja violação pela Bélgica estava em discussão e acima referidas.
Com isto conclui que a autorização tácita não é compatível com as exigências das directivas referidas, uma vez que as quatro primeiras prevêem mecanismos de autorização prévia e a última (a que no nosso Direito interno corresponde à AIA) prevê um processo de avaliação que precede a concessão da autorização. Portanto, nas palavras do TJ, as autoridades nacionais são “obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados.”
Na minha opinião, o TJ parte da ideia de que, independentemente de a autoridade proceder a uma avaliação da situação fáctica e, concluindo que deve ser dada a autorização, não emitir a decisão tempestivamente contando com o efeito do deferimento tácito, só é possível controlar a avaliação e a bondade da decisão se esta existir de forma expressa. Este raciocínio é bastante acertado. Efectivamente, sem uma decisão que se fundamente num procedimento de avaliação e que apresente uma justificação mínima do sentido daquela decisão, não é possível, por um lado, controlar a actuação da autoridade, nem, por outro, controlar o respeito pelas normas aplicáveis aos procedimentos. E esta preocupação é legítima porque, independentemente dos mecanismos conferidos pelo Direito interno de cada Estado-Membro, aos particulares cabe o direito de ver a decisão que os afecta ser tomada de acordo com as normas legais e de requerer o controlo da sua legalidade.
No regime da AIA, acima mencionado, prevê-se no artigo 19.º o deferimento tácito da declaração de impacto ambiental (DIA). Esta DIA contém a decisão sobre o procedimento de AIA. Portanto, também no nosso Direito interno se suscita a questão levantada contra a Bélgica. Sem uma decisão expressa, os contra-interessados no procedimento de AIA que queiram fazer valer por qualquer via os seus direitos, terão que suportar um ónus muito maior caso haja deferimento tácito porque não existe uma decisão expressa contendo elementos fundamentais para a formação de uma convicção.
Se dúvidas havia sobre a possibilidade de o regime interno prever o deferimento tácito quanto à AIA, tais dúvidas foram agora esclarecidas pelo TJ e pode dizer-se que o Estado português corre o risco de ver movido contra si processo idêntico ao sofrido pela Bélgica.