sexta-feira, 5 de junho de 2009

13.ª Tarefa - Jurisprudência U.E. sobre AIA

O acórdão em análise tem como objecto uma Acção de Incumprimento, proposta pela Comissão das Comunidades Europeias, contra a Bélgica, nos termos do art. 226.º TCE.
A acção proposta tem como fundamento a não adopção pela Bélgica das medidas necessárias à transposição integral das Directivas, o que redunda no incumprimento das obrigações aí plasmadas e na violação do art. 189.º do TCE. Discute-se, em síntese, a conformidade da previsão de uma autorização tácita com as exigências das Directivas em causa, em particular da Directiva 85/337/CE, que prevê no art. 2.º: ” Os Estados - Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes da concessão de aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos.”
Na argumentação aduzida pelo Tribunal de Justiça, a obrigação resultante das Directivas de exame casuístico de todos os pedidos de autorização apresentados, conjugada com o art. 189.º TCE que estabelece a vinculatividade pelas mesmas quanto ao resultado a alcançar, conduz à desconformidade da autorização tácita, traduzida no deferimento por meio do silêncio.
Mais do que a análise da autorização tácita na perspectiva do incumprimento de obrigações, importa averiguar a intenção subjacente ao estabelecimento da obrigação de avaliação de projectos públicos e privados susceptíveis de terem um impacto considerável no ambiente. A intenção por detrás do estabelecimento desta obrigação é expressa no Preâmbulo da Directiva citada: ”Considerando que os efeitos de um projecto no ambiente devem ser avaliados para proteger a saúde humana, para contribuir através de um ambiente melhor para a qualidade de vida, para garantir a manutenção da diversidade das espécies e para conservar a capacidade de reprodução do ecossistema enquanto recurso fundamental de vida (…)”.
É com a importância da avaliação de um projecto no ambiente que a autorização tácita entra verdadeiramente em contradição. Como afirma VASCO PEREIRA DA SILVA, é um contra-senso considerar que a avaliação do impacto ambiental reveste tamanha importância que deva dar lugar a um procedimento especial e considerar, simultaneamente, que “tanto faz que ela tenha lugar, como não, porque o resultado é o mesmo.” Assim, se o objectivo é a apreciação das consequências ecológicas de um projecto com vista a uma decisão adequada à dimensão ambiental do mesmo, ficcionar que a omissão da actuação da autoridade administrativa equivale ao deferimento do pedido de apreciação apresentado, é subverter a intenção legislativa por detrás da obrigação. Em suma, é esvaziar de sentido o regime legal. Acrescenta, ainda, o Autor que o entendimento de deferimento tácito como presunção de aprovação do pedido de licenciamento do projecto viola princípios fundamentais em matéria de Direito do Ambiente, tais como o princípio da prevenção e o princípio do desenvolvimento sustentável. São estes princípios que sustentam a intenção legislativa patente na obrigação de avaliação de projectos com impacto ambiental e traduzem no essencial o disposto no Preâmbulo da Directiva, atrás citado.
Tendo em conta a importância da avaliação e os princípios atrás referidos, o Autor procede a uma interpretação conforme à Constituição. Deste modo, o deferimento tácito não equivale à aprovação do pedido de licenciamento do projecto. Significa, somente, que não foi ainda avaliado ou ponderado o impacto ambiental da actividade proposta, pelo que tal ponderação deverá obrigatoriamente ter lugar.
Procedendo à análise dos argumentos invocados pela Bélgica, tendo em conta a interpretação conforme atrás plasmada, temos que estes se apresentam insuficientes. A primeira argumentação deduzida pelo Governo da Flandres centrava-se no campo de aplicação limitado da autorização tácita e no número reduzido de autorizações tácitas a existir. Acrescentava, ainda, a convicção das autoridades competentes acerca das consequências associadas à ausência de decisão bem como a sua intenção de proceder a um exame profundo de cada pedido de autorização. Relativamente ao âmbito de previsão e aplicação limitados, temos que a dimensão ambiental de um projecto é de apreciação casuística, não se vislumbrando qualquer relação entre um âmbito de aplicação e previsão reduzidos e um impacto ambiental, também ele reduzido. Certo é que os projectos sujeitos a deferimento tácito poderão ter um impacto ambiental de dimensão superior face a projectos submetidos a um exame de avaliação profundo. Também as intenções reveladas não revestem qualquer utilidade no que respeita aos princípios da prevenção e desenvolvimento sustentável, pois delas não se consegue retirar qualquer acção concreta.
Quanto à segunda argumentação deduzida, é afirmado que uma autorização tácita não implica necessariamente uma avaliação passiva ou um acto negligente por parte da autoridade competente, pois a cada pedido de autorização está subjacente uma “avaliação circunstanciada”. Esta argumentação, no sentido de desconsiderar a autorização tácita como um acto omissivo da autoridade administrativa pelo facto de existir a referida avaliação, colide com a interpretação conforme apresentada anteriormente na parte em que entende a autorização tácita como ausência de avaliação ou ponderação. Ao considerar que já existiu uma “avaliação circunstanciada” do pedido, a Bélgica demite-se de proceder a uma avaliação posterior. Do mesmo modo, o princípio da prevenção ou desenvolvimento sustentável não se pode bastar com uma “avaliação circunstanciada”, entendida como uma avaliação mínima, que não analisa convenientemente a dimensão ambiental dos projectos e não se manifesta em qualquer tomada de decisão adequada.
O incumprimento da Directiva por parte da Bélgica, bem como as críticas feitas à autorização tácita, valem para o Estado português, no que respeita ao art. 19.º do D.L. 69/2000. É de salientar as consequências nefastas associadas ao deferimento tácito, se atentarmos ao disposto no art. 20.º n.º 1, que atribui à omissão da administração o poder de vinculação absoluta da decisão final do procedimento administrativo global. Contudo, estas consequências são atenuadas com o n.º 5 do mesmo artigo que, em parte, reproduz a interpretação sufragada por VASCO PEREIRA DA SILVA.
Resta-nos apelar ao seu cumprimento efectivo.