segunda-feira, 4 de maio de 2009

Tarefa 4 – Sob a capa de ambiente, ainda nós…?

O presente comentário irá debruçar-se sobre a temática relativa ao objecto do Direito do Ambiente. O que decorre, desde logo, do título é a pergunta se a tutela atribuída ao ambiente é pensada tendo em vista unicamente os seus interesses ou, se sob esse subterfúgio, possa estar, afinal, não mais que a protecção de interesses do Homem. Será que o ambiente não deverá ter uma tutela autónoma? O que o justificaria? O Homem, enquanto parte do meio ambiente, deverá ser o único beneficiado pelas normas jurídicas ambientais? São questões como estas que se levantam e que cabe aqui discutir.

Para delimitar o objecto do ambiente, ou seja, saber o que se vai tutelar, foram construídas duas concepções, segundo as quais a salvaguarda da Natureza pode ser vista enquanto bem para o Homem ou enquanto bem em si mesma.

À primeira concepção enunciada é associada a ideia de Natureza como um instrumento ao serviço da espécie humana. Ela é meramente tida como uma forma de satisfação das necessidades, como fonte de utilidades e de aumento de bem-estar. Assim, o meio ambiente é tutelado tendo em vista o nível de aproveitamento que dele poderá advir. Esta é concepção antropocêntrica, à qual se opõe a visão ecocêntrica.

Apoiante da concepção antropocêntrica é uma visão ampla do ambiente, mediante a qual este abarca quer os bens naturais, quer os bens culturais. Desta forma, ao lado da flora, fauna, ar, água encontram-se também o património monumental e natural e a paisagem. Recursos naturais e actuações humanas têm, segundo esta concepção, lugar no seio do ambiente. Nega-se, assim, autonomia aos bens naturais. Estes só ganhariam importância aquando da intervenção humana. Fala-se a este respeito numa “visão unitária do bem cultural”, em que se faz depender a identidade e o património culturais de uma correcta preservação do ambiente.

Já a segunda orientação aponta para a consideração da Natureza como uma realidade que, autonomamente, merece tutela, sem ter de se fazer menção a critérios de utilidade a favor do Homem. Este, enquanto fracção de um todo, deverá assumir esta “dignidade autónoma" dos bens naturais, por forma a respeitá-los. Com isto, não se pretende que os valores relativos à Natureza se sobreponham aos valores protectores da nossa espécie, mas somente que se faça substituir o princípio antropocêntrico por uma visão do Homem como parte da comunidade biótica. Baseada nestes valores, esta percepção da Natureza leva-nos a adoptar uma visão restrita de ambiente, dentro do qual se incluem o conjunto dos recursos naturais renováveis e não renováveis. Perante isto, as normas ambientais remetiam para a protecção dos componentes ambientais naturais, os quais, em última análise, são vitais para a própria subsistência humana. Estes seriam protegidos não a título de direitos subjectivos da Natureza, mas como bens jurídicos que necessitam de ser tutelados.

Uma terceira orientação, ainda relativa ao objecto do Direito do Ambiente, é aquela que considera o ambiente como uma realidade indeterminada, cujos limites se aferem com o recurso a dados científicos, culturais e económicos. Não excluindo nenhuma das perspectivas atrás mencionadas, deixa um espaço amplo para se adoptar uma das duas.

Perante isto, cabe agora perguntar qual foi a opção do nosso legislador. Desde logo, na Constituição (artigo 66.º) é possível apontar certas contradições. Primeiro, pela epígrafe que faz a junção: ambiente e qualidade de vida. Isto reconduz-nos, de imediato, para uma visão antropocêntrica. Depois, no número 1 do artigo faz a tutela do ambiente, mediante as necessidades do ser humano. Por último, nas alíneas, b), c) e e) do número 2, dá, mais uma vez, apoio àquela visão, uma vez que prende o ambiente ao ordenamento do território, à protecção do património cultural e ao urbanismo. A favor da visão ecocêntrica (e daí as contradições) estão presentes outros aspectos no mesmo artigo. Assim, no número 1 exige-se um equilíbrio ecológico e no número 2 as alíneas c) ( “(…)de modo a garantir a conservação da natureza”), g) ( “promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente”) e d) (“promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica…”) também fazem menção à concepção ecocêntrica.

O mesmo se passa com a Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril), doravante designada por LBA, nos seus artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º e 17.º, n.º3, nos quais está presente uma noção ampla de Direito do Ambiente. Destas disposições retiramos que fazem parte do ambiente tanto os “Componentes ambientais naturais” (ar, luz, água, flora, fauna), como os “Componentes ambientais humanos” (paisagem, património natural e construído e poluição). Assim, tudo cabe dentro do conceito amplo de ambiente, aquilo que rodeia o ser humano, gerado, ou não, por meios das suas acções! Confunde-se, pois, a tutela do património cultural com a tutela do ambiente, que diz respeito, não já à memória de um povo, mas sim a questões relacionadas com a sua sobrevivência. Relacionar o ambiente com a paisagem é também atribuir-lhe um valor “essencialmente lúdico”, descurando outras necessidades prementes. Claramente uma visão antropocêntrica sustenta esta protecção da Natureza em função das exigências do Homem.

Porém, apesar desta definição de ambiente que se reconduz à noção ampla, encontramos, em sentido contrário, o artigo 2.º, n.º2 da LBA, ao qual subjaz uma protecção directa dos recursos naturais, ao referir que : “ tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto básico de um desenvolvimento auto-sustentado”. A isto, a Professor Carla Amado Gomes refere que se trata da “libertação da instrumentalização da perspectiva antropocêntrica”. Além deste artigo, podemos também distinguir os artigos 4.º, alíneas d), e), f), m) e n) e 5.º, n.º 2, alínea f), como normativos que tutelam a Natureza por si mesma, alheando-se de quaisquer critérios utilitaristas.

A Professora Carla Amado Gomes diz estarmos aqui em presença de uma terceira via para a solução do problema e é esta que considero a mais apropriada para tal. Ficando entre uma “visão utilitarista” e uma “visão ecocêntrica pura”, intitula-se de “antropocentrismo alargado”. Isto é, o ambiente não pode ser visto unicamente como uma forma de satisfação das necessidades humanas, mas também não se protege por si só. O Homem, uma vez parte integrante do ambiente, tem a responsabilidade de o preservar, não lesando o equilíbrio ecológico. Existe, assim, um “interesse público” que isto se cumpra, o que pode legitimar o sacrifício de interesses humanos, em favor do aproveitamento dos bens naturais. A Professora aponta como solução para toda a confusão legislativa já exposta, uma redução do objecto do Direito do Ambiente ao núcleo duro dos recursos naturais. Este regularia a forma de intervenção humana sobres os bens ecológicos, tendo em vista objectivos como a sua preservação e a possibilidade de sancionar as condutas que os lesem. Concordo com esta concepção, dado que o Direito dos recursos naturais evitaria os problemas atrás mencionados, a dispersão, e, ao mesmo tempo, teria a virtualidade de fomentar a consciência ecológica, apagando a visão utilitarista e concebendo uma ética de responsabilidade. A redução do objecto do Direito do Ambiente não se trata de reconhecer direitos aos animais e plantas, mas sim de responsabilizar o Homem, que dotado de um “estatuto de habitante privilegiado do planeta” (nas palavras da Professora), terá o dever de fomentar e manter um ambiente sadio.

Já o Professor Vasco Pereira da Silva defende um “antropocentrismo ecológico”. Assim, assume ser de rejeitar a visão instrumentalizadora da Natureza, dado que esta merece um tratamento autónomo. Contudo, considera que às realidades naturais não devem ser atribuídos direitos subjectivos, isto porque que seriam direitos sem sujeito, dado que o Direito serve para regular relações entre seres livres e conscientes das obrigações que o ambiente impõe, nomeadamente quanto às gerações vindouras.

Tendo em conta os problemas ambientais que se levantam actualmente (aquecimento global, desaparecimento de espécies, entre outros), que põem em causa a própria subsistência condigna da vida humana (já para não falar da vida das espécies animais e vegetais que não preocupa a todos), em meu ver o ambiente é um valor que impõe, mais do que nunca, um respeito alargado, uma consciência generalizada da sua fragilidade actual e da importância da sua preservação. A vida humana está na dependência directa dos recursos ambientais, daí que seja necessário fazer um uso dos mesmos por forma a respeitar a sua capacidade regenerativa, tendo em vista a solidariedade intergeracional. A filosofia meramente utilitária já não se coaduna com as exigências actuais, daí que seja necessária uma verdadeira revolução na nossa (o Estado e demais pessoas colectivas e os privados) atitude perante o ambiente. Por sua vez, a visão ecocêntrica, vista numa perspectiva extrema, é tão inoperativa como a primeira concepção. Assim, só a adopção de uma visão moderada do ecocentrismo poderá conferir ao Direito do Ambiente a dignidade merecida.