domingo, 3 de maio de 2009

De que falamos quando falamos de Ambiente?

Para se encontrar uma noção unitária de Direito do Ambiente e entender o que ele abarca e tutela, urge analisar várias perspectivas.

Numa concepção ampla do Direito do ambiente, ele integra quer os bens naturais, quer os bens culturais, ou seja, pelo conjunto dos recursos naturais (renováveis e não renováveis) e pelas condutas humanas que têm a natureza como enquadramento. Parece ser esta a visão que resulta da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril), nomeadamente no artigo 5º/2/a), ao definir o ambiente como o “conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e as suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com o efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem”. A LBA distingue entre Componentes ambientais naturais, no Capitulo II, artigo 6º: o ar, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna; e Componentes ambientais humanos no Capitulo III: a paisagem, o património natural e construído, e a poluição. De acordo com FREITAS DO AMARAL esta é uma noção “demasiado ampla”, “demasiado vaga e confusa” e “tem uma visão da ecologia demasiado antropocêntrica”. Com efeito, a Natureza é protegida em função das necessidades do homem, à medida das exigências dos seus padrões de vida.

De acordo com uma segunda compreensão mais restrita, o ambiente reduz-se ao conjunto de recursos naturais, renováveis e não renováveis, e às suas interdependências. Pelo disposto no artigo 2º/2 da LBA se pode retirar o teor da política do ambiente ao determinar que ela “tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto básico de um desenvolvimento auto-sustentado”. Também nos artigos 278º, 279º e 281º do CP é possível reparar no afastamento de uma perspectiva antropocêntrica e no aproximar de uma concepção Ecocêntrica, libertando-se o ambiente de qualquer instrumentalização ou utilitarismo. Isso porque as referidas disposições prevêem sanções para todas as condutas que lesem a integridade da fauna, flora, água e solo. Neste contexto, o ambiente vale por si mesmo considerado, merecendo uma tutela autónoma e directa. Já as pessoas serão protegidas indirectamente através de uma defesa directa dos recursos naturais, por si. De notar, os artigos 280º e 282º que punem quem atentar contra os recursos naturais, tendo por fim lesar a integridade física das pessoas.

O legislador português parece ter acolhido a noção ampla do direito do ambiente no artigo 5º/2/a) da LBA que adopta claramente uma visão antropocêntrica. Contudo, os artigos 2º/2, 4º/d), e), f), m) e n), e 5º/2/f) da presente Lei, apontam para uma perspectiva ecocêntrica ao determinar uma protecção da natureza enquanto bem em si mesmo e não enquanto instrumento do homem para os seus próprios fins.

Também na Constituição surgem dúvidas. A fórmula do número 1 do artigo 66º revela uma visão antropocêntrica da protecção ambiental, ao consagrar expressamente o direito ao ambiente como direito fundamental (“Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”), ainda que moderado pela ressalva da necessidade de aproveitamento racional dos bens, no interesse das gerações actuais e vindouras, tal como podemos constatar da alínea d), nº 2 do artigo em presença: “Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos (…) promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações.” Contudo, a Lei Fundamental é marcada também, ainda que menos intensamente, por uma perspectiva objectiva. Consagram as alíneas d) e e) do artigo 9º que constitui tarefa fundamental do Estado promover a efectivação dos “direitos ambientais” e “defender a natureza e o ambiente”. Revela um princípio jurídico objectivo que se impõe a todo o ordenamento jurídico, ou seja, uma visão Ecocêntrica.

O legislador não assume uma posição clara e como tal, cumpre encontrar uma concepção unitária de Direito do Ambiente. Nesta linha se insere Carla Amado Gomes que considera que tal só é possível se se restringir o objecto ambiental à sua significação ambiental, ou seja, aos recursos naturais. Este Direito dos Recursos Naturais equivaleria, ao “conjunto de normas que regulam as intervenções humanas sobre os bens ecológicos, de forma a promover a sua preservação, a impedir destruições irreversíveis para a subsistência equilibrada dos ecossistemas e a sancionar as condutas que os lesem na sua integridade e capacidade regenerativa”. Ora, deve optar-se por uma noção restrita, no sentido de incumbir ao Homem o dever de zelar pelo equilíbrio do sistema ecológico que ele também integra. Deve assegurar-se a integridade e capacidade regenerativa dos recursos naturais, utilizando os vários ramos do Direito, públicos e privados para condicionar as intervenções humanas sobre eles.

Com efeito, a redução do ambiente ao núcleo duro dos recursos naturais impediria a dispersão e contribuiria para um crescimento da percepção ecológica.

Parafraseando Carla Amado Gomes, “o direito do ambiente surge como o resultado do incremento da consciência ambiental, e como motor da reconciliação entre a sede do progresso e a contenção necessária perante um planeta de recursos limitados.”