Mais do que nunca, salta hoje à vista a escassez dos nossos recursos naturais. Depois de séculos de luta com a Natureza, o Homem começa a perceber finalmente que, para sobreviver, tem de saber coexistir com o seu planeta, como todos os outros animais. Esta atitude pode ser resumida na conhecida máxima “mais vale prevenir que remediar”. De facto, para além dos enormes custos de tempo e dinheiro que as reparações ambientais envolvem, a maior parte das vezes nem sequer é possível recorrer a elas. Daí que prevenir se afigure o melhor remédio. Este raciocínio veio dar azo à criação de um princípio jurídico, de modo a que pudesse ser aplicado na prática: o Princípio da Prevenção.
Este princípio terá, então, a finalidade de evitar lesões do meio-ambiente, o que implica que tenha a capacidade de antecipar situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências. Não se trata aqui de uma reacção aos danos ambientais, mas sim de um cuidado prévio, que vise evitar a degradação da Natureza. O conteúdo do princípio da prevenção, entendido desta forma, tanto se destina, em sentido restrito, a evitar perigos imediatos e concretos, como procura, em sentido amplo, afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não sejam determináveis, nem mesmo certos. Estas ameaças ao ambiente tanto podem, de acordo com esta concepção do princípio, derivar de causas naturais, como de condutas humanas, sendo por vezes a sua destrinça muito difícil de fazer.
Entre nós, o princípio da prevenção tem uma importância fundamental, estando consagrado na Constituição, no seu artº66º/2, onde se estabelece que “para assegurar o direito ao ambiente (...) incumbe ao Estado: (...)”: “a) prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”; bem como na Lei de Bases do Ambiente, no seu artº3º, a), como “princípio específico (...) (segundo o qual) as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente à correcção dos efeitos dessas acções ou actividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhes sendo permitido continuar a acção poluente”.
Partindo da noção original do princípio da prevenção, há quem entenda, na Doutrina (Gomes Canotilho e Ana Gouveia Martins), que do seu interior se deve autonomizar um novo princípio, o chamado princípio da precaução. Esta questão, nascida nos países da common law, tinha por base a diferença de significado que das duas palavras inglesas “prevention” e “precaution” se extraía. Não eram a mesma coisa, pelo que não podiam ser metidas no mesmo saco. O princípio da precaução teria como finalidade evitar as ameaças futuras e incertas de origem humana (“riscos”), ao passo que o da prevenção combateria os “perigos” imediatos e concretos de causas naturais. De modo a proteger ao máximo a Natureza, as autoridades públicas teriam, ao abrigo do primeiro, de se precaver contra riscos que não podiam sequer ser cientificamente provados, adoptando a máxima “in dubio pro natura” e, consequentemente, invertendo o ónus da prova, através de uma imputação ao potencial poluidor do dever de provar que a actividade que iria desenvolver não apresentava qualquer risco para o meio ambiente. Esta autonomização de um princípio da precaução reveste-se da maior actualidade, desde que foi adoptada ao nível do direito comunitário, pelos Tratados constitutivos da União Europeia, no artº174º/2, onde se define que “a política da comunidade (...) basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva”.
Contudo, as vozes reaccionárias à esta proposta de autonomização logo se fizeram ouvir, entre elas o Prof. Vasco Pereira da Silva. Segundo este autor, “preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção”. Pelas razões que se seguem.
Ao nível da natureza linguística, a distinção entre prevenção e precaução faz sentido na língua inglesa, na qual as palavras representam conceitos ligeiramente diferentes, mas tal já não sucede em português, onde os termos são sinónimos. Fazer uma distinção a nível jurídico entre as duas palavras iria apenas dificultar a comunicação entre juristas e não-juristas, frustrando assim o propósito de clareza da lei que se quer para todas as regras legais, especialmente para aquelas que regulem um domínio novo, como é o Direito do Ambiente.
Ao nível do conteúdo material, não faz sentido distinguir entre “perigos” e “riscos”, no qual os primeiros seriam de causa natural e os segundos de causa humana. A sua interligação hoje em dia é tal, em resultado das sociedades pós-industrializadas em que vivemos, que, na maior parte das vezes, as lesões ambientais são o resultado não apenas de uma causa, mas de um concurso de causas, em que é impossível distinguir rigorosamente factos naturais de comportamentos humanos.
O mesmo se pode dizer da distinção entre riscos futuros ou actuais, já que, no domínio das agressões ambientais, uns e outros se encontram relacionados, sendo necessário – por exemplo, numa avaliação de impacto ambiental – proceder à realização de juízos de prognose que permitam considerar ambos simultânea e conjugadamente.
Por fim, a recondução do princípio da precaução a uma ideia de “in dubio pro natura” e de inversão do ónus da prova torná-lo-ia inaplicável, sob pena de se inibir toda e qualquer actividade, dado que, em matérias ambientais, não existe o utópico “risco zero”.
Ao nível da técnica jurídica, o ordenamento português já consagra o princípio da prevenção, elevando-o a à categoria de princípio constitucional, com todas as consequências jurídicas que daí decorrem relativamente à actuação dos poderes públicos. Como tal, do ponto de vista da protecção legal, os valores ambientais sairiam muito melhor tutelados de um já consagrado princípio da prevenção, entendido num sentido amplo, do que de um novo e autónomo princípio da precaução.
Concluindo, parece-me que não se justifica, no seguimento da posição do Prof. Vasco Pereira da Silva, uma autonomização do princípio da precaução, face ao princípio da prevenção. São conceitos iguais em português, cujo âmbito se reporta essencialmente ao mesmo. Uma noção ampla de prevenção será, quanto a mim, a melhor solução, sob pena de se ter dois princípios debilitados e com um alcance demasiado incipiente.