“ Primeiro foi necessário civilizar o homem em relação ao próprio homem. Agora é necessário civilizar o homem em relação à natureza e aos animais.” Victor Hugo
Milhares de animais, não apenas os do circo, são explorados e submetidos às mais variadas formas de maus-tratos, eles são por nós utilizados para diversos propósitos (alimentação, experiências científicas, vestuário, companhia e entretenimento), pelo que podemos dizer que esta é a expressão de um sistema utilitarista, que reduz a natureza (os animais, neste caso) a um elemento a ser usado, não lhes atribuindo um valor intrínseco, mas um valor de uso, em particular de uso económico, aproveitando-se a diversidade entre as espécies para justificar, a exploração humana sobre os outros seres. Logo, esta é uma visão antropocêntrica (do anthropos, “humano”; e kentron, “centro”), uma vez que esta considera que a humanidade deve permanecer no centro de tudo, ou seja, tudo no universo deve ser visto de acordo com a sua relação com o homem, e portanto, a natureza e os animais deixam de ter um valor em si, transformando-se em meros recursos ambientais.
Ora, é urgente mudar esta forma de pensar, este modo de nos relacionarmos com as outras espécies que habitam o nosso planeta, pois os animais também são seres vivos que partilham connosco algumas das nossas sensações e sentimentos, sendo que já ninguém tem dúvidas que os animais também sentem dor, medo e que se relacionam e criam laços com outros animais e até mesmo com humanos, que não deixam de ser animais, embora racionais, e isto é importante sublinhar porque não nos podemos esquecer que somos todos seres vivos que compõem o ecossistema, e que nós como seres racionais que somos (visto termos capacidade de reflectir, de fazer escolhas e de nos aperfeiçoarmos, logo visto termos liberdade de acção), ao contrário dos animais que são guiados pelos seus instintos, temos o dever, a obrigação moral de respeitar todas as coisas vivas, aliás, para mim, esta é mesmo uma questão de justiça, pois não dar qualquer protecção a estes seres desprotegidos e vulneráveis que connosco partilham o planeta, isto é, não lhes poupar de maus-tratos e sofrimentos desnecessários, vai contra a nossa própria ideia de justiça, pelo que devemos ser capazes de demonstrar compaixão por todos os seres vivos, visto que tal como Arthur Schopenhauer, penso que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem.
No entanto, cumpre salientar que é importante separar as coisas para não “cairmos” também num fundamentalismo algo exagerado, visto que a utilização de animais para alimentação ou fins científicos que visam o melhoramento das condições básicas de vida do ser humano, é de certo modo compreensível, até porque não podemos ignorar que existe uma cadeia alimentar própria do nosso mundo, pelo que, nesta perspectiva é difícil os animais nunca serem sacrificados em prol do homem, porém, isto é certamente diferente da sua utilização para fins de simples divertimento, como acontece no circo, nas touradas, etc., pois aqui está em causa uma prática egoísta, desprovida de qualquer proporcionalidade, necessidade e legítima finalidade, ou seja, não são justificáveis porque os benefícios para os humanos são ignoráveis comparados á quantidade de dor animal necessária para obtê-los, para além de que esses benefícios podiam ser obtidos de outra forma…
Posto isto, chegamos à conclusão que é necessário prover à defesa dos animais contra agressões desnecessárias por parte do ser humano, e a tendência nos nossos dias vai precisamente nesse sentido, o que podemos constatar, desde logo, a nível internacional, com o aparecimento em 1978 da Declaração Universal dos Direitos do Animal, proclamada pela Unesco, cujo art. 3º consagra a protecção do animal contra a violência injustificada e desnecessária, sendo que o seu preâmbulo refere que todo o animal possui direitos, no entanto, estamos longe de obter um consenso quanto a esta questão de saber se os animais têm ou não direitos.
Na minha opinião, quando se fala na existência de direitos dos animais não se quer comparar os direitos dos animais com os direitos dos homens, a expressão direitos dos animais é utilizada com um conteúdo mais político e social do que jurídico. Pois, não se podem atribuir direitos subjectivos a seres que não os podem exercer por si, nem tão pouco reivindicá-los, na medida em que os direitos subjectivos correspondem a espaços de liberdade, a poderes de actuar ou de exigir actuação alheia, e que, por isso, não se consegue conceber como podemos atribuir direitos a quem não os pode exercer por si, e a quem, por outro lado, não conseguimos exigir deveres, e portanto, os animais não são sujeitos de direito nem são titulares de relações jurídicas, visto que não têm capacidade para se reger por um ordenamento e um sistema de protecção de direitos como o que o ser humano criou. Logo, não se vê qual a vantagem que essa personificação traria para os animais, embora ela seja possível, uma vez que a personalidade jurídica é uma criação do Direito, e este é criado pelo homem, bastando assim que seja sua vontade personificar os animais, da mesma forma que se personificaram os patrimónios.
Contudo, apesar de considerar que os animais não podem ser sujeitos de direitos subjectivos, é certo que são dignos de uma tutela específica que virá da sociedade humana, pelo que deverá haver uma regulação da forma como o homem deve tratar os animais, ou seja, devem existir deveres do homem no seu relacionamento com os animais. E, assim sendo, os animais também devem ter direitos que devemos respeitar, tais como o direito à vida, ao livre desenvolvimento da sua espécie, bem como o direito ao não sofrimento, porém, estes não são direitos em sentido próprio, mas deveres do homem, pelo que os animais não são titulares de direito, mas objecto de direitos, ou seja, os animais devem ser vistos como bens jurídicos dignos de um máximo de tutela objectiva, pois a sua preservação e defesa é condição essencial da realização da dignidade da pessoa humana (concepção Antropocêntrica Ecológica defendida pelo professor Vasco Pereira da Silva), e deste modo, a expressão direitos dos animais deve ser entendida como o conjunto de deveres que recaem sobre as pessoas de proteger as outras espécies.
Para além disto, é de referir ainda que o nosso Código Civil deverá ser alterado, pois os artigos 202º e seguintes do CC, tratam os animais como coisas, o que por tudo o que já foi dito não tem razão de ser, não há nenhuma justificação para reduzirmos a condição dos animais à dos objectos inanimados, e aliás, a evolução europeia tem vindo a ser nesse sentido, países como a Áustria, Suíça e Alemanha já qualificam os animais não como coisas, mas como co-criaturas, protegidos por leis especiais, só lhes sendo aplicável o regime das coisas na ausência de preceito específico e mesmo assim desde que tal não contrarie o seu regime especial.
Por fim, quanto aos animais de circo, coloca-se ainda o problema de estarem enquadrados numa tradição que faz parte de um património cultural que é constitucionalmente tutelado (art. 78º da CRP), tal como o Direito ao Ambiente (art. 66º da CRP), e portanto, estamos face a dois valores constitucionais que entram em confronto, e assim sendo, penso que se deve recorrer, como sugerido pelo professor Vasco Pereira da Silva, ao “Método da Concordância Prática”, o que significa que se devem ponderar todos os valores constitucionais aplicáveis para que não se ignore nenhum deles, pelo que há quem defenda que não se deve dar total primazia ao Direito do Ambiente, pois caso contrário a tradição circense desaparecia, passando a solução por uma mais eficaz fiscalização das condições em que os animais são mantidos e tratados. Porém, no caso dos circos, há também quem considere que se pode dar total primazia ao Direito do Ambiente, pois, hoje em dia, já existem circos bastante admirados internacionalmente e que não necessitam de animais para tal, como é o caso do “Cirque du Soleil“, fica assim a questão em aberto…