Para se comentar correctamente as frases transcritas é necessário previamente tomar posição quanto à questão que tem ocupado a nossa doutrina: dever-se-á incitar a separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos ou, pelo contrário, é preferível criar um conceito amplo de prevenção?
Num comentário à primeira tarefa já teci considerações quanto a este tema, revelando a minha preferência pela adopção de uma noção ampla de prevenção que inclua tanto os perigos naturais como os riscos humanos, que considere tanto a antecipação de lesões ambientais actuais como futuras, pelo que não farei reflexões neste campo, remetendo então para o comentário já publicado. De todo o modo, torna-se importante definir o princípio da precaução, anunciando as principais posições doutrinárias e fornecendo alguns exemplos da sua actuação e incidências.
O recente princípio da precaução do Direito do Ambiente, como refere Ana Gouveia Martins, é susceptível de engendrar incertezas face às dificuldades de definição do seu conteúdo e âmbito de aplicação e às oscilações dos autores. Trata-se de uma área onde não há unanimidade e onde as definições são bastante vagas. Todavia, muitos autores erguem-se elevando a autonomização dos princípios em análise à categoria de opção preferível e mais eficaz na tutela do ambiente. A este propósito, existem três posições fundamentais, duas fundamentalistas e uma intermédia.
Segundo a primeira tese fundamentalista, o princípio da precaução só deve ser accionado se se verificar um potencial risco para o ambiente que implicará, com grande probabilidade, danos profundos e irreparáveis. Uma segunda posição, também fundamentalista, profetiza que o princípio da precaução, tendo em conta a sua finalidade última, deve intervir sempre, a não ser que o agente económico prove que a sua actividade é de “risco zero” para o ambiente. A meu ver, esta inversão do ónus da prova é muito penosa e excessiva, exercendo até uma força inibidora sobre os agentes económicos, na medida em que seja qual for o domínio de actuação existem sempre riscos, mesmo que potenciais.
Ana Gouveia Martins, defensora da posição intermédia, distingue entre riscos e perigos, definindo os primeiros como incerteza científica de que um acto gera um dano a um bem jurídico e os segundos como conhecimento de que determinado dano é consequência de certa acção. A autora prossegue traçando mais uma distinção, desta vez entre risco residual e risco previsível. São riscos residuais aquelas situações em que se tem quase certeza absoluta de que não se registará nenhum dano; são riscos previsíveis as situações em que não existe completa certeza da possibilidade de ocorrência de um dano. Em jeito de remate, a autora em questão conclui que o princípio da precaução visa apenas evitar riscos previsíveis.
Gomes Canotilho, por sua vez, afirma que o princípio da precaução “tem a sua máxima aplicação em casos de dúvida. Ele significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente”. Ana Gouveia Martins acrescenta que “se a irreversibilidade e a gravidade de uma situação for temida, designadamente, por subsistirem dúvidas significativas quanto à produção de danos ambientais ou por a ciência não conseguir avaliar as consequências de uma dada actividade, não se devem correr riscos, dando-se prioridade à protecção ambiental”. Ou seja, é perfilhada aqui a ideia “in dubio pro ambiente”, com todas as consequências e inconvenientes de inversão do ónus da prova já mencionadas anteriormente.
O princípio da precaução implica ainda que sejam preservados os recursos naturais e simultaneamente criadas áreas e reservas naturais capazes de proteger espécies em via de extinção. Fala-se hoje da necessidade de uma “ciência verde” apta a investigar, identificar e desenvolver técnicas capazes de proteger o ambiente, minimizando as consequências, riscos e efeitos negativos das actividades humanas.
Para finalizar, transcrevo dois exemplos que delimitam o campo de actuação do princípio da precaução: 1 “após a ocorrência da morte dos peixes de um rio, não foi possível averiguar a causa. Poderá ter sido devido a métodos de pesca ou actividades recreativas ilegais, mas não há quaisquer provas desta suspeita. Com fundamento no princípio da precaução podem suspender-se as actividades de pesca e recreativas e prosseguir as investigações”; 2 “ após as investigações que se seguiram à morte dos peixes de um rio, confirmou-se que a ocorrência foi, com certeza científica absoluta, devida a uma descarga de águas residuais de uma fábrica de têxteis a montante de um rio. Porém, como há várias fábricas de têxteis em laboração, é praticamente impossível determinar qual foi a culpada. Novamente com fundamento no princípio da precaução poderá suspender-se a laboração de todas elas para proceder às auditorias necessárias a determinar os culpados”.