sexta-feira, 1 de maio de 2009

Princípio da Prevenção e Princípio da Precaução: uma única realidade?

A Constituição Portuguesa é, como todos sabemos, uma Constituição “amiga do ambiente”, consagrando a esta realidade uma protecção ampla e que se pretende eficaz, estabelecendo os vectores gerais a serem, depois, concretizados pela legislação ordinária.

A enformar a protecção ambiental existem vários princípios constitucionais, entre os quais o princípio da prevenção, plasmado no art. 66.º n.º 2, alínea a), que será aqui analisado.
Só recentemente a consciência ambiental ganhou forma e, foi através dela que a Humanidade começou a perceber que muitas das suas actividades tinham um efeito devastador no ambiente e que era necessário adoptar outra atitude perante a natureza. Percebeu-se, depois de centenas de anos a gastar irracionalmente recursos, que estes tinham fim e que, eventualmente, deixariam de existir.
Está assim encontrada a origem do princípio da precaução no Direito do Ambiente. Este princípio assenta numa lógica de antecipação dos efeitos que uma determinada conduta (natural ou humana) pode ter no meio ambiente. Trata-se, assim, de evitar que condutas potencialmente danosas possam ser materializadas, buscando uma alternativa que não seja inimiga do ambiente ou que, pelo menos, tenha um efeito menos nocivo e destruidor.

Como refere VASCO PEREIRA DA SILVA (Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente), nesta acepção este princípio, num sentido restrito destina-se “a evitar perigos imediatos e concretos (…), como procura, em sentido amplo, afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não inteiramente determináveis (…) de antecipação de acontecimentos futuros.” Esta citação serve para ilustrar o problema aqui em questão.
Tem-se assistido a uma tendência na doutrina, quer portuguesa quer estrangeira, de “restringir” o princípio da prevenção ao seu sentido restrito e de autonomizar o sentido lato que passará a designar-se por Princípio da Precaução.

CARLA AMADO GOMES (A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente) faz, exactamente, esta distinção. Para esta autora, “o princípio da prevenção traduz-se em que, na iminência, de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção seja travada.”, de outra maneira, o princípio da precaução “(…) significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente, incentivando, por um lado, à antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e, por outro lado, à proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável.” Como se percebe, CARLA AMADO GOMES traça a distinção entre os princípios, essencialmente, pela existência ou não de certeza quanto à capacidade poluidora de determinada actividade. Acrescenta ainda que com o princípio da precaução se inverte o ónus da prova, cabendo a quem pretende iniciar uma actividade provar que esta não é lesiva do ambiente. É de notar que, nesta acepção, a potencialidade lesiva da actividade não está ainda cientificamente provada. Para esta autora, o princípio da precaução traduz-se numa “prevenção qualificada, agravada (…) obrigando a uma ponderação agravada do interesse ambiental em face de outros interesses, (…)”.

VASCO PEREIRA DA SILVA é um acérrimo defensor da não autonomização destes dois princípios, defendendo uma noção ampla de prevenção. Este autor considera que não existe qualquer diferença de significado, sendo conceitos diferentes para uma mesma e única realidade, integrando-se na definição de prevenção acontecimentos naturais ou humanos, actuais ou futuros. Acrescenta, ainda, que os critérios de distinção destes princípios são muito vagos e pouco certos, não se conseguindo distinguir concretamente onde acaba um princípio e começa o outro. A ideia de um princípio “in dubio pro natura” é afastada, quer seja apenas numa dimensão ambiental, quer seja visto como presunção obrigando quem inicia uma nova actividade à prova excessiva de que não existirá qualquer dano para a natureza o que pode levar a um factor de inibição e estagnação. Quando se utiliza o critério da incerteza dos danos para justificar o princípio da precaução está, também, a pôr-se em causa a causalidade existente entre a actividade e o dano. Este autor finaliza com a afirmação de que o princípio da prevenção é um princípio constitucional “com todas as consequências que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos. Daí que (…) a adopção de uma noção ampla de prevenção, constitucionalmente fundada, me pareça ser a via mais eficaz e adequada para assegurar, entre nós, a “melhor tutela disponível” dos valores ambientais.”

De facto, a diferenciação destes princípios só introduz incerteza no sistema e torna complexo algo que não o é. Não havendo diferença na sua concretização não se percebe como distinguir os dois princípios. Por outro lado, a multiplicidade de critérios de distinção tornam o conteúdo do pretenso princípio da precaução bastante vago e incerto, revestindo vários significados consoante a visão adoptada.

Inês Maia Arêde
N.º 15135
Subturma 5