Face à letra e ratio da Constituição da República Portuguesa, há um amplo consenso entre a doutrina no que concerne aos princípios do Direito do Ambiente, nomeadamente à sua importância para a protecção ambiental. Todavia, só me cabe comentar a afirmação transcrita, ou seja, os princípios da prevenção e da precaução.
O princípio da prevenção, ao invés de contabilizar os danos e tentar repará-los, tenta evitar a sua ocorrência, através de um processo de antecipação de situações potencialmente perigosas para os componentes ambientais, seja qual for a sua origem. Este princípio corresponde ao aforismo popular «mais vale prevenir do que remediar», afastando-se, claramente, do conceito de repressão. A aplicação deste princípio implica, nas palavras de Gomes Canotilho, “a adopção de medidas antes da ocorrência de um dano concreto cuja origem é conhecida, com o fim de evitar a verificação de novos danos ou, pelo menos, de minorar significativamente os seus efeitos”. A Lei de Bases do Ambiente, no seu artigo 3º, dispõe que “ (…) as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo ou eliminando as causas (…) susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente”.
Mas porque é que se fala em «mais vale prevenir do que remediar» no Direito do Ambiente? A resposta é simples. Em muitos casos, a poluição ou o dano originado são difíceis, ou mesmo impossíveis, de remover, trazendo consequências graves como, por exemplo, a extinção de uma espécie animal. Noutras vezes, a reconstituição natural ou remoção do dano são possíveis mas bastante onerosas, não se exigindo tal esforço ao agente poluidor, incapaz de o suportar. Por fim, as acções necessárias para a prevenção são menos dispendiosas do que as necessárias para remediar.
O conteúdo do princípio da prevenção tanto pode ser compreendido de um ponto de vista amplo como de um ponto de vista mais restrito. Para o primeiro, tal princípio destinar-se-ia a acautelar perigos imediatos e concretos e para o segundo, a afastar eventuais riscos futuros mesmo que indeterminados, numa lógica de antecipação.
Ora, muitos autores têm vindo a associar o princípio em análise à concepção mais restrita, autonomizando um outro princípio, o da precaução, de conteúdo mais amplo. Esta opção tem apoio legislativo nos Tratados constitutivos da União Europeia, no artigo 174º nº2, que postula que “a política da comunidade (…) basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva”. Todavia, antes de discutir se se deve ou não autonomizar um princípio da precaução, importa defini-lo.
O princípio da precaução significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja hesitações sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente – “in dubio pro ambiente”. Ou seja, decide-se a favor do ambiente e contra o potencial poluidor em caso de incertezas quanto à imputação do facto à potencial perigosidade ou aos danos concretos, cabendo o ónus da prova ao agente. Um exemplo dado por Gomes Canotilho, permite-nos perceber como funciona este princípio: “após a ocorrência da morte dos peixes de um rio, não foi possível averiguar a causa. Poderá ter sido devido a métodos de pesca ou actividades recreativas ilegais, mas não há quaisquer provas desta suspeita. Com fundamento no princípio da precaução podem suspender-se as actividades de pesca e recreativas e prosseguir as investigações”.
O princípio da precaução distingue-se, portanto, do da prevenção por exigir uma protecção antecipada do ambiente ainda num momento anterior ao da actuação do princípio da prevenção. Como bem denota David Freestone, “ (…) enquanto a prevenção requer que os perigos comprovados sejam eliminados, o princípio da precaução determina que a acção para eliminar possíveis impactos danosos no ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com uma evidência científica absoluta”.
Voltando agora à discussão acerca da autonomização ou não do princípio da precaução, interessa perceber a posição de Vasco Pereira da Silva que pretere a separação e autonomização dos dois princípios em favor de um conceito amplo de prevenção.
Aquele autor fundamenta tal opção invocando fundamentos de três ordens distintas: de natureza linguística, de conteúdo material e de técnica jurídica.
De acordo com o primeiro, prevenir e precaver são sinónimos na língua portuguesa e também noutras línguas latinas. Só na língua inglesa é que “prevention” e “precaution” podem não significar a mesma coisa. De facto, é curioso que tenha sido precisamente nos países de língua inglesa, influenciados, porventura, pela “common law”, que se tenha iniciado a autonomização do princípio da precaução. Por outro lado, estas expressões são muito usadas no Direito Internacional ou Comunitário onde é necessário traduzir os textos para inglês ou de inglês. Seguindo Vasco Pereira da Silva, é preferível “ir além das palavras, integrando no conteúdo do princípio da prevenção (ou da precaução, se se preferir) uma dimensão que permita abarcar tanto acontecimentos naturais como condutas humanas susceptíveis de lesar o meio ambiente, sejam elas actuais ou futuras”.
O argumento de conteúdo material invocado pelo autor, e referido na transcrição que me cumpre comentar, espelha bem os critérios duvidosos e susceptíveis de provocar equívocos utilizados pelos autores que aclamam a autonomização na distinção entre os dois princípios. Assim, o uso do conceito de “perigos” decorrentes de causas naturais para delimitar o âmbito da prevenção e de “riscos” provocados por acções humanas para fundar a precaução não é o mais adequado tendo em conta as sociedades modernas e industrializadas que caracterizam os dias de hoje. Na verdade, distinguir rigorosamente o papel dos factos naturais e dos comportamentos humanos numa lesão ambiental é uma tarefa bastante árdua ou até mesmo impossível. Veja-se o exemplo das chuvas que em si mesmo são um fenómeno natural mas que é influenciado por comportamentos humanos, como por exemplo, pela poluição.
Por outro lado, o critério de distinção também não pode passar por restringir o âmbito da prevenção aos perigos actuais e da precaução aos riscos futuros, dado que uma decisão ambiental, como a de licenciamento ambiental, tem de antecipar riscos presentes e futuros.
A ideia de “in dubio pro ambiente” associada ao princípio da precaução não é, para Vasco Pereira da Silva, a mais correcta, exercendo até uma força inibidora sobre os agentes económicos, na medida em que seja qual for o domínio de actuação existem sempre riscos, mesmo que potenciais. Logo, a prova de que não existe qualquer perigo de lesão ambiental, necessária para se iniciar qualquer actividade, é bastante onerosa e excessiva, sendo facto assente que em matéria ambiental não se verifica nunca “risco zero”. É necessário, por isso, fazer uma ponderação mais adequada e justa dos direitos ao ambiente e ao desenvolvimento de uma actividade económica, ambos com protecção constitucional.
Vasco Pereira da Silva explica que não se pode abdicar da lógica causal em matéria de ambiente, admitindo-se, pela via da precaução, a “irracionalidade no domínio ius-ambiental”, porque “não é por causa de um bater de asas de borboleta na Europa que alguém morre na China”.
Finalmente, o argumento de técnica jurídica postula que a preferência por uma noção ampla de prevenção é a melhor forma de tutelar os valores ambientais, não esquecendo nunca que a prevenção é um princípio constitucional.
Contrariamente a Gomes Canotilho e Ana Gouveia Martins, que defendem a autonomização, Vasco Pereira da Silva julga preferível a “adopção de um conteúdo amplo para o princípio da prevenção, de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom senso”.
Em meu entender, e por todos os fundamentos invocados, creio que a razão se encontra com Vasco Pereira da Silva.