sábado, 9 de maio de 2009

Por precaução, é melhor dizer não à autonomização! - 1ª Tarefa

Todos os princípios e valores ambientais, tais como o princípio da prevenção, o princípio do aproveitamento racional dos recursos, o princípio do desenvolvimento sustentável, reportam-se à protecção de bens jurídicos fundamentais, atinentes ao Direito do Ambiente, tendo o Estado a tarefa fundamental de defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território – art. 9º, alínea e), da CRP, bem como assegurar uma efectivação dos direitos ambientais – art. 9º, alínea d), da CRP.
Assim sendo, há que considerar uma dupla prespectiva das questões ambientais, que está assente na Constituição da Republica Portuguesa: uma dimensão objectiva, considerando-as tarefa do Estado - artigo 9º alíneas d) e e) - e uma dimensão subjectiva, como direito fundamental (art.º 66º). Tal revela o “carácter verde” constante na Constituição e, como denota o Prof. Vasco Pereira da Silva, a “Constituição do Ambiente” afigura-se estruturante na ordem jurídica portuguesa.

No entanto, antes de avançar para a análise da problemática da autonomização do princípio da precaução, enquanto realidade jurídica “per si” ou se, contrariamente, deve ser considerada uma realidade incluída no principio da prevenção (tendo este, assim, uma acepção ampla), gostaria de realçar que, na grande maioria dos casos, há uma irreversibilidade dos danos ambientais. Efectivamente, as alterações adversas das características do meio ambiente podem ser extremamente gravosas e ter consequências devastadoras, afectando a saúde, a segurança e o bem-estar dos cidadãos. Para ilustrar a situação, podemos perguntar até que ponto, por exemplo, a contaminação da água de um rio pode afectar estas três vertentes. Tal pode atingir gravemente a saúde das pessoas, ou dos animais, que bebem a água ou se banham no rio (atingindo a saúde publica), tendo de se tomar medidas de segurança para delimitar a zona contaminada, de forma a não haver uma aproximação dos cidadãos, bem como interferirá no bem-estar das pessoas pelo facto de não poderem consumir a água, banhar-se ou contemplarem, de perto, a paisagem proporcionada pelo rio.
Assim, quando o dano ocorre, a reestruturação do meio ambiente ao seu status quo ante torna-se bastante difícil e, às vezes, até mesmo impossível. É de salientar, também, que a indemnização é sempre insatisfatória e incapaz de recompor o dano, sendo, assim, imperativo um juízo de prognose relativamente a certas situações, que revelem um grau mínimo de perigosidade. Trata-se de um dever de gestão de riscos futuros, cuja actuação do Estado se revela imperiosa, no sentido de minorar ou tornar tais riscos inexistentes.

Relativamente ao comentário do Prof. Vasco Pereira da Silva, cumpre, antes de proceder à analise da sua “noção ampla de prevenção” (também abarcando a precaução), distinguir o principio da prevenção e o principio da precaução, evidenciando as suas consequências e a necessidade, ou não, da sua autonomização.
O Princípio da Prevenção consiste no “travão” de uma actuação humana, ou sua eminência, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais.
O art.º 66º n.º 2, alínea a), da CRP, dirige-se para esta orientação preventiva, dado ser um dever do Estado prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão. A alínea d), do n.º 2, do art.º 66º, da CRP consagra um controlo preventivo da qualidade dos bens ambientais. Em conformidade, também este principio consta na Lei de Bases do Ambiente. no art.º 3º, alínea a).
O Princípio da Precaução é uma aquisição recente do Direito do Ambiente, que tem vindo a ser desenvolvido doutrinariamente. No entanto, é consagrado, no art.º 174º, n.º2, do TCE, o qual estabelece que a política da comunidade basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva.
O Prof. Gomes Canotilho afirma (in Introdução ao Direito do Ambiente) que o princípio da precaução deve funcionar, de forma semelhante, como o principio in dubio pro reu, tendo o ambiente sempre em seu favor, o benefício da dúvida face a uma incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo de causalidade entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente, favorecendo não só uma gestão de riscos futuros quando não haja certezas, bem como proibição de actuações eventualmente danosas. Pode-se dizer que se trata da infirmação do principio in dubio pro natura, ou inversamente, do principio in dubio contra projectum.
Consubstancia-se, desde modo, numa gestão dos riscos ambientais futuros, de modo a prevenir a irreversibilidade dos danos que lhe puderem vir a ser inerentes – ainda que se desconheça a probabilidade de ocorrência, ou o seu alcance. Trata-se, assim, de uma actuação preventiva de defesa da natureza e do ambiente, como consta do art. 9º, alínea d), da CRP.
É de salientar, também, que há uma especialidade do principio da precaução, no que respeita à inversão do ónus da prova, dado que devem ser os potenciais agressores a demonstrar a isenção de riscos graves para o ambiente, pois é o status quo ambiental que pretendem alterar.

Face ao exposto, é momento para nos interrogarmos se há necessidade, então, de autonomizar o principio da precaução. Deverá consistir numa realidade “per si”? Ou deveremos, antes, integrá-lo, no principio da prevenção, tendo, assim, uma dimensão mais ampla?
A Constituição, explicitamente, só refere o principio da prevenção, não aludindo ao principio da precaução. No entanto, por força do art. 8º, nº 3, da CRP – clausula de recepção do Direito Comunitário – deve aceitar-se a inclusão do principio da precaução na ordem jurídica portuguesa, nos termos do art. 174º, nº 2, do TCE (apesar desta conclusão não ser unânime).
O Prof. Vasco Pereira da Silva afirma que a solução mais razoável é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente, por motivos essencialmente de conteúdo material, pois nem são unívocos os critérios de distinção entre prevenção e precaução, muito menos os resultados a que conduz a autonomização deste último princípio.
Tal resulta de uma argumentação que contempla a natureza linguística, o conteúdo material e a técnica jurídica, quer do principio da prevenção, quer do “eventual” principio da precaução.
No que concerne à natureza linguística, a distinção entre prevenção e precaução parece assentar numa identidade vocabular -“Prevenir” e “Precaver” parecem ser expressões sinonimas na língua portuguesa, sendo que só na língua inglesa, “prevention” e “precaution” parece não existir tal identidade vocabular ,pois ao segundo vocábulo parece estar associada a ideia de “cautela” (permitindo inferir a razão pela qual a autonomia do principio da precaução tenha sido defendida em Países de língua Inglesa ou influenciados pela “Common Law”). O Prof. Vasco Pereira da Silva atenta na busca da máxima clareza, evitando dúvidas linguísticas.
Relativamente ao conteúdo material, as propostas de autonomização do principio da precaução assentam em critérios muito diversificados. Não será, assim, adequado distinguir o âmbito a prevenção em razão dos perigos, decorrentes de causas naturais, e a precaução em função de riscos, que seriam provocados por acções humanas, pois nas sociedades industrializadas, as lesões ambientais são o resultado de um concurso de causas em que é verdadeiramente impossível distinguir, com rigor, factos naturais, de comportamentos humanos. Por último, não será adequado reconduzir a ideia de precaução a um principio de “in dúbio pró natura”. Assim, ou se trata apenas de um principio de consideração da dimensão ambiental dos fenómenos e, nesse caso, não se vê porque não há-de integrar o conteúdo da prevenção, ou então, é, uma verdadeira presunção, que obriga quem pretenda iniciar uma qualquer actividade a fazer prova de que não existe qualquer perigo de lesão ambiental e, assim, atribuir dimensão jurídica a tal principio representaria uma carga excessiva, inibidora de qualquer nova realidade.
O último argumento contempla a técnica jurídica, dado o exposto, anteriormente, é sabido que o ordenamento português só eleva a Prevenção à categoria de Principio Constitucional, com todas as consequências jurídicas que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos. Daqui, decorre que a adopção de uma noção ampla de prevenção, constitucionalmente fundada, será a via mais eficaz para assegurar a tutela dos valores ambientais.
A Professora Carla Amado Gomes opõe, também, objecções relativamente ao princípio da precaução enquanto princípio autónomo, considerando dar o duvidoso pelo incerto , pelo que o subsiste e se reforça é um princípio da prevenção, de perigos e riscos, em que a imposição de restrições às actuações potencialmente lesivas do meio ambiente aumenta na medida da comprovabilidade (da gravidade) dos danos e que se baseia numa atitude ponderativa dos interesses em presença, balanceando solidariedades inter e intra geracionais. A modulação da atitude preventiva varia, por exemplo, consoante a vontade política dos Estados, o domínio ambiental de que se trata, os custos económicos e sociais das medidas previstas, as capacidades técnicas dos Estados.
Já a Dra. Ana Gouveia considera que a omissão de uma referência expressa ao princípio da precaução não implica, necessariamente, a exclusão desse princípio do ordenamento jurídico vigente, nem o afasta do âmbito de protecção das normas constitucionais.

Atendendo ao exposto, coloco-me na posição de responder à temática abordada: saber se o princípio da precaução deverá valer enquanto realidade “per si” – autonomia – ou se se afigura melhor a sua integração no princípio da prevenção. A meu ver, quer o princípio da prevenção, quer o “eventual” princípio da precaução, possuem as mesmas finalidades e objectivos, agindo na defesa dos mesmos valores - a gestão dos riscos futuros e, consequentemente, a sua defesa antecipada. Por outro lado, a introdução do principio da precaução, como realidade “per si”, traz incertezas, dado que o seu conteúdo é bastante volátil e vago, revestindo diversos contornos, consoante a visão que se adopte.
Em conclusão, não vejo razões suficientes para uma autonomização do principio da precaução, sendo de considerar, como melhor posição, face aos argumentos expostos, a sua integração no principio da prevenção, revestindo uma acepção ampla. Por sua vez, enquanto princípios autónomos, tal implicaria um aumento dos conflitos entre estes, o que é de evitar, dado a sua identidade material.