“ (...) As Sociedades humanas tardam em compreender que o único modelo para se relacionarem duradouramente com os ecossistemas não é o da dominação, mas sim o da habitação", como assinala Viriato Soromento Marques.
Podemos hoje falar numa verdadeira Constituição ambiental, já que temos mais do que referências esparsas e fragmentárias, as previsões constitucionais relativas ao ambiente devem ser integradas e articuladas com os demais princípios.A Constituição da Republica Portuguesa (CRP) consagra no art. 66 o direito ao ambiente, como direito fundamental dos indivíduos (nº1) e a protecção do ambiente como tarefa pública no nº2.
A questão que se nos coloca retrata um problema prévio a qualquer análise que se faça do direito da política do ambiente tem a ver com a finalidade em nome da qual é estabelecido o respectivo regime.
Discutem-se os fundamentos da tutela jurídico-política do ambiente, colocando-se a seguinte questão: deverá proteger-se o ambiente pelo próprio ambiente, em face do valor que ele tem em si mesmo e em face dos direitos de que a comunidade biótica deve gozar ou, ainda aqui, é "apenas" a vida do Homem que se pretende assegurar, em condições dignas de existência? Questão esta, idêntica a que nos propomos a encontrar uma resposta!
Na sequência destas duas opções, assinalam-se habitualmente duas grandes pré-compreensões da tutela jurídica do ambiente:
- Pré-compreensão antropocêntrica: a defesa do ambiente é feita com o objectivo principal - ou mesmo único - de proteger a vida humana;
- Pré-compreensão ecocêntrica: o ambiente (tanto na globalidade, enquanto bem unitário, como quanto aos seus componentes) é tutelado em si mesmo, procurando-se a defesa promoção da natureza como um valor novo.
A 1ª perspectiva assume os bens naturais como bens de utilidade para a vida humana como a via mais adequada para a protecção da Natureza passa pela consideração, numa visão antropocêntrica (posição também seguida na CRP no art. 66º 1 e 2).
Por sua vez, a visão ecocêntrica tende a considerar a Natureza como realidade merecedora de tutela, independentemente das necessidades do Homem
A estas duas pré-compreensões junta-se por vezes ainda uma terceira, que não é mais do que uma derivação da primeira: referimo-nos à pré-compreensão economicocêntrica, na qual a protecção do ambiente tem por base necessidade de proteger recursos escassos, imprescindíveis à continuação da actividade produtiva do homem. Porém, também aqui, é a protecção da vida do homem que está em causa (embora apenas mediata ou indirectamente), razão pelo qual esta pré-compreensão acaba por se reconduzir à pré-compreensão antropocêntrica.
Independentemente da opção que se tome, deve sublinhar-se que se vem tornando notório o trânsito de uma visão antropocêntrica do direito para uma outra em que também as "coisas" passam a merecer a tutela da ordem jurídica (substituição ou complemento do princípio antropocêntrico pelo princípio ecocêntrico ou biocêntrico). Apesar desta tendência julgo que a nossa Constituição apesar de conferir uma tutela objectiva e subjectiva, são ainda marcadamente antropocêntricas, na medida em que visam acima de tudo proteger a vida e a qualidade de vida do Homem, o seu bem-estar e a sua utilização dos recursos naturais.Feita a breve exposição é, diria óbvio, que o nosso ordenamento jurídico, em última instância, é ainda o Homem que se visa proteger quando se prevê a tutela do ambiente.
O Prof. Vasco Pereira da Silva apresenta ainda uma outra configuração, à "velha" querela entre antropocentrismo e ecocentrismo: o antropocentrismo ecológico. Este não comporta uma qualquer visão meramente instrumentalizadora, economicista ou utilitária da Natureza, ao considerar não apenas que o ambiente deve ser tutelado pelo Direito, como também que tal preservação é uma condição da realização da dignidade da pessoa humana. O antropocentrismo ecológico, que o regente defende rejeita igualmente os excessos "fundamentalistas", pois, se é certo que, em nossos dias, a "Natureza tem de ser protegida também em função dela mesma, como um valor em si" (Freitas do Amaral), isso não deve significar, nem a pseudo-atribuição de "direitos subjectivos" à Natureza - os quais seriam uma contradição nos termos, pois se trataria de uma espécie de "direitos subjectivos sem sujeito" -, nem muito menos a "funcionalização" dos direitos dos indivíduos em razão de qualquer interpretação rebuscada da preservação do ambiente.
Sendo certo que o homem se integra Natureza e que a protecção desta obriga à tomada de medidas destinadas à salvaguarda futura do equilíbrio ambiental, é igualmente verdade que o Direito regula relações de seres livres e responsáveis que, por assim serem, devem ter sempre presente que é a eles que incumbe a preservação do meio-ambiente, e as suas obrigações perante as gerações vindouras, destacando-se entre elas a conservação do "património biológico" assim como do "cultural".
Segundo o regente, basilares são os direitos das pessoas, mas devemos também considerar a dimensão objectiva da tutela ambiental, uma vez que o futuro do Homem não pode deixar de estar indissociavelmente ligado ao futuro da Terra, significa assim adoptar uma concepção antropocêntrica ecológica do Direito do Ambiente, mas permite igualmente superar os termos tradicionais da contraposição entre antropocentrismo e ecocentrismo, em nome de uma realização integrada (e integral) dos valores ambientais no domínio jurídico.
A posição supra enunciada parece ser não apenas aquela que é teoricamente mais adequada, como também a que melhor corresponde à lógica da CRP, que se ocupa da questão da protecção do meio-ambiente na dupla perspectiva de tarefa estadual e de direito fundamental (não obstante a tendência maioritária defender o antropocentrismo).
Merecem referência as alíneas d) e e) do art.9º CRP, que preceituam como tarefas fundamentais do Estado: "defendendo a natureza e o ambiente", assim como promover a efectivação dos "direitos ambientais”, que se impõem a todo o ordenamento, estabelecendo finalidades de tutela ecológica a atingir e vindo "fazer a ponte" entre a tutela objectiva e a protecção subjectiva do ambiente, ao mesmo tempo que parece mostrar a preferência do legislador constituinte por um modelo predominantemente subjectivista.
Mas a constituição consagra também, expressamente, o direito ao ambiente como direito fundamental (art.66.º), o que representa uma clara opção pela defesa do ambiente através da protecção jurídica individual. Pois os direitos fundamentais constituem posições substantivas de vantagem dos indivíduos dirigidas, em primeira linha, contra o Estado e o poder púbico e que valem também, em segunda linha, perante entidades privadas.
Posto isto, e uma vez descrita a posição do Professor, considero que apesar da CRP optar pela defesa do ambiente através da protecção jurídica individual, enuncia as duas perspectivas: antropocentrismo e ecocentrismo, e só lançando um olhar sobre as duas, isto é, harmonizando-as, encontraríamos fundamentos para a tutela do ambiente de forma globalizante, ao invés de se adoptar uma perspectiva em detrimento da outra. Defendo assim, uma “configuração mista”: o antropocentrismo ecológico, aclamado pelo Prof. Vasco Pereira da Silva.
Podemos hoje falar numa verdadeira Constituição ambiental, já que temos mais do que referências esparsas e fragmentárias, as previsões constitucionais relativas ao ambiente devem ser integradas e articuladas com os demais princípios.A Constituição da Republica Portuguesa (CRP) consagra no art. 66 o direito ao ambiente, como direito fundamental dos indivíduos (nº1) e a protecção do ambiente como tarefa pública no nº2.
A questão que se nos coloca retrata um problema prévio a qualquer análise que se faça do direito da política do ambiente tem a ver com a finalidade em nome da qual é estabelecido o respectivo regime.
Discutem-se os fundamentos da tutela jurídico-política do ambiente, colocando-se a seguinte questão: deverá proteger-se o ambiente pelo próprio ambiente, em face do valor que ele tem em si mesmo e em face dos direitos de que a comunidade biótica deve gozar ou, ainda aqui, é "apenas" a vida do Homem que se pretende assegurar, em condições dignas de existência? Questão esta, idêntica a que nos propomos a encontrar uma resposta!
Na sequência destas duas opções, assinalam-se habitualmente duas grandes pré-compreensões da tutela jurídica do ambiente:
- Pré-compreensão antropocêntrica: a defesa do ambiente é feita com o objectivo principal - ou mesmo único - de proteger a vida humana;
- Pré-compreensão ecocêntrica: o ambiente (tanto na globalidade, enquanto bem unitário, como quanto aos seus componentes) é tutelado em si mesmo, procurando-se a defesa promoção da natureza como um valor novo.
A 1ª perspectiva assume os bens naturais como bens de utilidade para a vida humana como a via mais adequada para a protecção da Natureza passa pela consideração, numa visão antropocêntrica (posição também seguida na CRP no art. 66º 1 e 2).
Por sua vez, a visão ecocêntrica tende a considerar a Natureza como realidade merecedora de tutela, independentemente das necessidades do Homem
A estas duas pré-compreensões junta-se por vezes ainda uma terceira, que não é mais do que uma derivação da primeira: referimo-nos à pré-compreensão economicocêntrica, na qual a protecção do ambiente tem por base necessidade de proteger recursos escassos, imprescindíveis à continuação da actividade produtiva do homem. Porém, também aqui, é a protecção da vida do homem que está em causa (embora apenas mediata ou indirectamente), razão pelo qual esta pré-compreensão acaba por se reconduzir à pré-compreensão antropocêntrica.
Independentemente da opção que se tome, deve sublinhar-se que se vem tornando notório o trânsito de uma visão antropocêntrica do direito para uma outra em que também as "coisas" passam a merecer a tutela da ordem jurídica (substituição ou complemento do princípio antropocêntrico pelo princípio ecocêntrico ou biocêntrico). Apesar desta tendência julgo que a nossa Constituição apesar de conferir uma tutela objectiva e subjectiva, são ainda marcadamente antropocêntricas, na medida em que visam acima de tudo proteger a vida e a qualidade de vida do Homem, o seu bem-estar e a sua utilização dos recursos naturais.Feita a breve exposição é, diria óbvio, que o nosso ordenamento jurídico, em última instância, é ainda o Homem que se visa proteger quando se prevê a tutela do ambiente.
O Prof. Vasco Pereira da Silva apresenta ainda uma outra configuração, à "velha" querela entre antropocentrismo e ecocentrismo: o antropocentrismo ecológico. Este não comporta uma qualquer visão meramente instrumentalizadora, economicista ou utilitária da Natureza, ao considerar não apenas que o ambiente deve ser tutelado pelo Direito, como também que tal preservação é uma condição da realização da dignidade da pessoa humana. O antropocentrismo ecológico, que o regente defende rejeita igualmente os excessos "fundamentalistas", pois, se é certo que, em nossos dias, a "Natureza tem de ser protegida também em função dela mesma, como um valor em si" (Freitas do Amaral), isso não deve significar, nem a pseudo-atribuição de "direitos subjectivos" à Natureza - os quais seriam uma contradição nos termos, pois se trataria de uma espécie de "direitos subjectivos sem sujeito" -, nem muito menos a "funcionalização" dos direitos dos indivíduos em razão de qualquer interpretação rebuscada da preservação do ambiente.
Sendo certo que o homem se integra Natureza e que a protecção desta obriga à tomada de medidas destinadas à salvaguarda futura do equilíbrio ambiental, é igualmente verdade que o Direito regula relações de seres livres e responsáveis que, por assim serem, devem ter sempre presente que é a eles que incumbe a preservação do meio-ambiente, e as suas obrigações perante as gerações vindouras, destacando-se entre elas a conservação do "património biológico" assim como do "cultural".
Segundo o regente, basilares são os direitos das pessoas, mas devemos também considerar a dimensão objectiva da tutela ambiental, uma vez que o futuro do Homem não pode deixar de estar indissociavelmente ligado ao futuro da Terra, significa assim adoptar uma concepção antropocêntrica ecológica do Direito do Ambiente, mas permite igualmente superar os termos tradicionais da contraposição entre antropocentrismo e ecocentrismo, em nome de uma realização integrada (e integral) dos valores ambientais no domínio jurídico.
A posição supra enunciada parece ser não apenas aquela que é teoricamente mais adequada, como também a que melhor corresponde à lógica da CRP, que se ocupa da questão da protecção do meio-ambiente na dupla perspectiva de tarefa estadual e de direito fundamental (não obstante a tendência maioritária defender o antropocentrismo).
Merecem referência as alíneas d) e e) do art.9º CRP, que preceituam como tarefas fundamentais do Estado: "defendendo a natureza e o ambiente", assim como promover a efectivação dos "direitos ambientais”, que se impõem a todo o ordenamento, estabelecendo finalidades de tutela ecológica a atingir e vindo "fazer a ponte" entre a tutela objectiva e a protecção subjectiva do ambiente, ao mesmo tempo que parece mostrar a preferência do legislador constituinte por um modelo predominantemente subjectivista.
Mas a constituição consagra também, expressamente, o direito ao ambiente como direito fundamental (art.66.º), o que representa uma clara opção pela defesa do ambiente através da protecção jurídica individual. Pois os direitos fundamentais constituem posições substantivas de vantagem dos indivíduos dirigidas, em primeira linha, contra o Estado e o poder púbico e que valem também, em segunda linha, perante entidades privadas.
Posto isto, e uma vez descrita a posição do Professor, considero que apesar da CRP optar pela defesa do ambiente através da protecção jurídica individual, enuncia as duas perspectivas: antropocentrismo e ecocentrismo, e só lançando um olhar sobre as duas, isto é, harmonizando-as, encontraríamos fundamentos para a tutela do ambiente de forma globalizante, ao invés de se adoptar uma perspectiva em detrimento da outra. Defendo assim, uma “configuração mista”: o antropocentrismo ecológico, aclamado pelo Prof. Vasco Pereira da Silva.