domingo, 17 de maio de 2009

Lei de Acção Popular - Problemas existentes

As novas famílias de direitos geram necessidades de intervenção supra-individual. “De súbito, (despertou) a consciência de que não basta uma protecção jurídica quase exclusivamente individual; de que há direitos e interesses meta-individuais, a meio caminho dos colectivos; de que é insuficiente o direito de acção dos directa ou indirectamente lesados; de que se aproxima o fim da concepção individualista do direito e da justiça; de que desponta no hotizonte a aurora de um novo pluralismo e de um novo Direito” (Apud, Carlos Adérito Teixeira, Acção popular – Novo paradigma, disponível em www.dgsi.pt , em Direito do Ambiente, António Santos).

A acção popular não é um instituto recente, ela remonta das antípodas da nossa história. Atente-se, a título de exemplo, no caso grego marcado pelo processo de Sócrates, e no caso romano com a actio de dejectis et effusis, dirigida contra quem lançasse objectos e detritos na via pública, mas também a provocatio ad populum, contra decisões políticas e administrativas (referências feitas por Carlos Adérito Teixeira, ob. Cit.).

A lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, que aprova a lei da acção popular, constitui a regulamentação do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), cuja ausência era apontada como constituindo uma inconstitucionalidade por omissão (Nesse sentido, Carlos Adérito Teixeira, ob. cit.).

Esta lei não vem consagrar um meio contencioso diferente – como enganosamente parece resultar da forma como foi redigida a lei em análise – ela trata, isso sim, de conferir uma forma de legitimidade não dependente de qualquer interesse na demanda, por contraposição ao disposto no processo civil, nos termos do artigo 26.º, n.º1, que dispõe ter legitimidade quem tem “interesse directo em demandar”. Ora, na lei da acção popular isso não é exigido.

Mas se aquela é a conclusão imediata que nos ocorre, até mesmo da leitura do artigo 2.º, n.º 1 da Lei 83/95, sucede, porém, que a premissa iniciada pelo referido preceito não é isenta e contradições com o restante corpo do diploma. Com efeito, são inúmeras as referências – em artigos seguintes – a um suposto interesse na demanda. Veja-se para o efeito, designadamente, o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, 9.º, n.º 2 (sendo que a lista continua), onde se usa sem qualquer rigor o termo “interessado”, esquecendo-se, com efeito, o seguimento que pressuporia lógica estrutural pugnada pelo artigo 2.º, n.º 1 desta lei.

Uma outra crítica que se faz, ao referido diploma, consta do facto de ele prever nos seus artigos 22.º e seguintes a responsabilidade civil. Ora não se vê, segundo algumas vozes críticas a razão de incluir neste diploma algo que já decorre dos termos gerais.

Julgo que a crítica tem a sua razão de ser por várias razões: Desde logo por, como sabemos, decorre do disposto no artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil (doravante, C.C) que “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”. Assim, o artigo 22.º não tem razão de existir, pois esta norma já consta do regime geral da responsabilidade civil.

Por outro lado, no concernente à responsabilidade objectiva, prevista no artigo 23.º, também encontramos algumas incongruências. Desde logo pelo facto de todos nós, enquanto titulares do direito subjectivo ao ambiente, somos lesados. Assim, fica por resolver a quem se deve atribuir a indemnização.

Tem vindo a ser defendido uma proposta de regulamentação no sentido de se estabelecer que a tutela ressarcitória seja consignada a um fundo destinado ao Direito do ambiente.

Outra crítica prende-se com a mistura que se fez com formas de legitimidade diferentes. Atente-se o artigo 2., n.º 2, que dispõe que “são igualmente titulares dos direitos referidos no n.º anterior as autarquias locais em relação aos interesse que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição”. Isto é misturar acção popular com acção pública. As autarquias locais não necessitam da acção popular para ter legitimidade.

Não faz também sentido a confusão entre acção popular e participação procedimental popular (artigo 1.º, n.º 1). Com efeito, esta última diz respeito à figura prevista no Código de Procedimento administrativo que garante aos administrados ser ouvidos no âmbito da feitura de um dado acto administrativo. Elas são, como refere Mariana Sotto Mayor, duas formas de tutela de interesses difusos, mas um e outro êm formas de incidência diferentes em momentos diferentes. (Mariana Sotto Mayor, Direito de acção popular a Constituição da República Portuguesa, p. 261 e 262, disponível em www.gddc.pt).

Em bom rigor, parece-nos que as críticas aludindo, como foi referido acima, a uma eventual inconstitucionalidade por omissão por causa da inexistência de regulamentação do artigo 52.º da CRP, conduziu à feitura de uma lei feita à pressa que acaba por criar grandes dificuldades ao intérprete.