Acórdão n.º 136/2005, do Tribunal Constitucional
1- Descrição dos factos
Em 3 de Setembro de 2001, foi apresentado um requerimento de intimação do Primeiro-Ministro, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por uma organização ambiental. Esta intimação visava permitir o acesso a certidões referentes ao contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B de forma a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.
No ano seguinte, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação, apesar de reconhecer que a dita organização ambiental tinha legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório.
A organização ambiental interpôs recurso da decisão para o Tribunal Central Administrativo, nela defendeu a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 62.º do Código do Procedimento Administrativo e do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (LADA), quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação, extravasando o previsto no artigo 286.º, n.º 2 da Constituição.
Todavia, em 23 de Maio de 2008, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso.
Não contente com esta decisão, a requerente recorreu desta feita para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes “dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março”.
2- Decisão vertida no acórdão
O Tribunal Constitucional decidiu:
“a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que diz respeito às questões de constitucionalidade suscitadas.”
3- Análise Jurídica
a. Breve análise tendo em conta a actual LAIA
No acórdão, o pedido da organização ambiental para aceder a certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., (incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos), poderia ter sido indeferido actualmente com base na alínea d) do n.º 6 do artigo 11.º da Lei 19/2006, de 12 de Junho (LAIA).
De acordo com a actual norma do n.º 7 do artigo 11.º da LAIA não é necessário fundamentar a recusa do pedido de informação quanto a questões de confidencialidade industrial. Pelo que, caso se verifique uma denegação de pedidos desta natureza, pode-se reagir intra-administrativamente, apresentando queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), nos termos do artigo 16.º da LADA, tendo para tal um prazo de vinte dias contados a partir da notificação do indeferimento. Por sua vez, a CADA tem trinta dias para elaborar um relatório detalhado que deverá comunicar a todos os interessados. É com base neste relatório que a Administração deverá notificar o requerente da sua decisão final no prazo de quinze dias. A falta de comunicação é considerada para todos os efeitos como falta de decisão.
No caso em apreço, a organização ambiental recorreu à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulada nos artigos 104.º e seguintes do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA). É possível accionar os dois meios referidos anteriormente ao mesmo tempo, mas tal não é frequente verificar-se. Uma vez que o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação da organização ambiental, o requerente não pode propor nova intimação. É esta a posição da Professora Doutora Carla Amado Gomes, pelo que em qualquer caso terá de recorrer à acção administrativa comum por via do artigo 37.º, n.º 2, alínea c) ou e) do CPTA, dado que a recusa de informação não configura um acto administrativo à luz do artigo 120.º do CPA.
b. Debate das questões primordiais
i. A grande questão que se coloca no acórdão é a constitucionalidade da reserva decorrente do segredo industrial, visto que não decorre explicitamente um direito do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição. Consequentemente, discute-se a protecção constitucional dos “valores subjacentes à consagração dos segredos comercial e industrial” e, a constitucionalidade das normas do n.º 1 do artigo 10.º da LADA e do n.º 1 do artigo 13.º Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro.
A jurisprudência anterior – designadamente, o acórdão 254/99, do Tribunal Constitucional – quanto às normas em consideração têm vindo a julgá-las como não inconstitucionais.
ii. Outra questão que pode ser chamada à colação é o facto de a discussão do caso centrar-se simultaneamente no artigo 13.º do Decreto-lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, e no artigo 10.º da LADA, quando poderia ter sido discutida somente a constitucionalidade da primeira norma, porque esta é especial face à segunda. Mas, como foram ambas as normas impugnadas tiveram de ser estas disposições a ter em conta inevitavelmente.
iii. A organização ambiental solicitou certidões referentes à totalidade do contrato outorgado com as empresas do grupo B. Mas, o fundamento para a não entrega dos estudos técnicos e do parecer favorável à instalação da unidade industrial não está no predomínio de um dever de confidencialidade, visto que não existe aqui um caso de hierarquia de direitos, mas sim na diversa procedência dos documentos em causa, ou seja, por terem emanado da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Norte, não tendo esta o pretendido domínio ou conhecimento sobre tais elementos.
iv. Poderá afirmar-se que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos excluem à partida o direito de revelação de segredos comerciais e industriais que deles constam?
A resposta deve ser que o direito de acesso, quando necessário para proteger o ambiente, deve implicar a revelação de segredos na matéria comercial e industrial e existindo aqui um conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos será necessário recorrer ao artigo 18.º da Constituição (“Força jurídica”) e a uma ponderação do princípio da proporcionalidade e da necessidade para resolver a questão vertida no acórdão.
O direito de acesso não está consagrado especificamente na Constituição, mas o Professor Doutor Jorge Miranda retira este direito dos artigos 9.º, e), 66.º, 20.º/2, 37.º, 48.º, 268.º/1 e 2 e ainda, implicitamente, no direito do administrado consagrado no artigo 268.º, n.º 4 e 5 da Constituição. Tendo sido esta a posição que a Requerente tentou demonstrar.
“No acórdão foi dada razão à requerente, visto que o direito de quem tem um interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação não tem menor âmbito do que o direito de qualquer cidadão, de acesso aos arquivos e registos administrativos.”
“O administrado interessado, mesmo não sendo cidadão e não tendo os respectivos direitos de participação na vida pública, tem frequentemente direitos e interesses constitucionalmente protegidos que implicam, como no caso do direito à tutela jurisdicional, direitos de acesso à informação.”
Assim, a introdução do n.º 2 do artigo 268.º, na revisão constitucional de 1989, veio alargar o conteúdo do direito de informação procedimental reconhecido no n.º 1. Mas, no entanto, não se passou a considerar como um direito absoluto, pois sofre limitações por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com ele entram em colisão.
Neste sentido, o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e registos administrativos pode sofrer restrições, para além das previstas no n.º2 do artigo 268.º da Constituição, como decorre do n.º 1 do artigo 10.º da LADA. A forma de prevenir tais conflitos seria a Lei fundamental prever todas estas situações.
Todavia e acolhendo a posição do Conselheiro Mário Torres “não é admitida toda e qualquer restrição, é sempre necessário ter em conta o princípio da proporcionalidade, da adequação e da necessidade e terá de haver uma ponderação dos direitos em conflito a efectuar pelo tribunal.” Não se pode utilizar o argumento de que quando a Constituição estabelece um limite expresso não deseja que haja mais nenhum limite. Desta forma, é sempre possível estabelecer limites ao direito geral de informação, quer a nível das restrições expressamente resultantes da Constituição, quer em hipóteses de conflito de direito ou interesses constitucionalmente protegidos.
v. O presente acórdão admite a possibilidade de alargar o direito de reserva da intimidade das pessoas singulares, vertido no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, às pessoas colectivas, de forma a proteger os negócios e processos de laboração das empresas que estão sujeitos à confidencialidade das partes e salvaguardá-los da concorrência desleal.
Outro argumento importante para a prevalência da restrição ao direito à informação é que a celebração de contratos, mormente o do vertido no acórdão, podendo conduzir a um compromisso de sigilo quanto às informações fornecidas pelas empresas, têm consequências importantes para as partes que o celebraram e para terceiros.
Cabe ao Governo ponderar no momento da sua celebração todas as consequências; e, no acórdão, o projecto de construção da unidade industrial foi previamente objecto de aprovação pelas entidades competentes, que procederam a uma avaliação do impacte ambiental (artigo 9.º da alínea d) da Constituição realizando uma das tarefas fundamentais do Estado).
vi. Discorda-se veemente neste ponto do acórdão, pois a tutela do ambiente não é apenas assegurada pela actividade da Administração Pública, sendo sempre necessário e útil que intervenham outras entidades de forma a assegurar o total respeito pelo ambiente.
Os verdadeiros direitos aqui em causa são: o interesse dos investidores em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento, e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu a manter reservadas.
vii. Portanto, com base no artigo 10.º da LADA, a Administração está sujeita ao princípio da legalidade e vinculada à recusa de fornecer a documentação pedida.
Mas, para o conselheiro Mário Torres, este entendimento é inadmissível. “O tribunal não pode demitir‑se de efectuar a “ponderação casuística” exigida pelo princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E saliente‑se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo relevante por causa da facultação desse acesso).” Sendo esta a opinião adoptada.
A decisão do Tribunal Constitucional baseou-se na ideia de que, caso o funcionamento da indústria provoque danos ao ambiente, ficará sempre sujeito a outras normas que permitiram discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa e a sua constitucionalidade.
Mas, este argumento não é defensável e vai contra o princípio da prevenção e da precaução que pressupõem que haja intervenção dos interessados na tutela do ambiente antes que haja qualquer dano. Desrespeitando a máxima de que “mais vale prevenir do que remediar”.
4- Conclusões
O direito à informação ambiental assegura que seja respeitado um valor de interesse público e colectivo, que é o ambiente, permitindo que seja preservado de condutas lesivas presentes e futuras. A protecção ambiental consiste num dever que deve ser realizado por todos, entidades públicas ou entidades privadas, para que tenham conhecimento dos procedimentos que vão afectar o ambiente e para que possam participar activamente nas políticas ambientais. Existem dois meios de aceder à informação ambiental: através da consulta de dados ou através da obtenção documental de dados informativos, sendo que esta última pode ser requerida por qualquer pessoa, sem que necessite de justificar o seu interesse, ex vi artigo 6.º/1.
O normativo em vigor é o que decorre da LAIA, que resultou da ratificação pela Assembleia da República da Convenção de Aarhus e da transposição da Directiva 2003/4/CE. Da LAIA resulta um dever de actualização da informação, consagrado no artigo 5.º, visto que a área ambiental está em constante mutação.
A consagração formal do direito à informação ambiental, que teve um papel fundamental na consciencialização do acesso à informação como elemento essencial para a participação pública e melhoria da qualidade ambiental, resultou pela primeira vez da Directiva 90/313/CEE, de 7 de Junho.
A nível jurisprudencial as decisões importantes relativamente a esta matéria, permitiram, através da tutela da personalidade e recorrendo ao artigo 8.º, alcançar uma tutela mediata do ecossistema. Desta forma, a Doutrina sustentou através da ligação ao artigo 10.º da Convenção um verdadeiro direito de acesso à informação ambiental, fazendo com que haja um dever estadual de a publicitar sempre que tenha relevância para um grupo de pessoas.
Aluna n.º14668
1- Descrição dos factos
Em 3 de Setembro de 2001, foi apresentado um requerimento de intimação do Primeiro-Ministro, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por uma organização ambiental. Esta intimação visava permitir o acesso a certidões referentes ao contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B de forma a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.
No ano seguinte, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação, apesar de reconhecer que a dita organização ambiental tinha legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório.
A organização ambiental interpôs recurso da decisão para o Tribunal Central Administrativo, nela defendeu a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 62.º do Código do Procedimento Administrativo e do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (LADA), quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação, extravasando o previsto no artigo 286.º, n.º 2 da Constituição.
Todavia, em 23 de Maio de 2008, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso.
Não contente com esta decisão, a requerente recorreu desta feita para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes “dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março”.
2- Decisão vertida no acórdão
O Tribunal Constitucional decidiu:
“a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que diz respeito às questões de constitucionalidade suscitadas.”
3- Análise Jurídica
a. Breve análise tendo em conta a actual LAIA
No acórdão, o pedido da organização ambiental para aceder a certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., (incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos), poderia ter sido indeferido actualmente com base na alínea d) do n.º 6 do artigo 11.º da Lei 19/2006, de 12 de Junho (LAIA).
De acordo com a actual norma do n.º 7 do artigo 11.º da LAIA não é necessário fundamentar a recusa do pedido de informação quanto a questões de confidencialidade industrial. Pelo que, caso se verifique uma denegação de pedidos desta natureza, pode-se reagir intra-administrativamente, apresentando queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), nos termos do artigo 16.º da LADA, tendo para tal um prazo de vinte dias contados a partir da notificação do indeferimento. Por sua vez, a CADA tem trinta dias para elaborar um relatório detalhado que deverá comunicar a todos os interessados. É com base neste relatório que a Administração deverá notificar o requerente da sua decisão final no prazo de quinze dias. A falta de comunicação é considerada para todos os efeitos como falta de decisão.
No caso em apreço, a organização ambiental recorreu à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulada nos artigos 104.º e seguintes do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA). É possível accionar os dois meios referidos anteriormente ao mesmo tempo, mas tal não é frequente verificar-se. Uma vez que o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação da organização ambiental, o requerente não pode propor nova intimação. É esta a posição da Professora Doutora Carla Amado Gomes, pelo que em qualquer caso terá de recorrer à acção administrativa comum por via do artigo 37.º, n.º 2, alínea c) ou e) do CPTA, dado que a recusa de informação não configura um acto administrativo à luz do artigo 120.º do CPA.
b. Debate das questões primordiais
i. A grande questão que se coloca no acórdão é a constitucionalidade da reserva decorrente do segredo industrial, visto que não decorre explicitamente um direito do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição. Consequentemente, discute-se a protecção constitucional dos “valores subjacentes à consagração dos segredos comercial e industrial” e, a constitucionalidade das normas do n.º 1 do artigo 10.º da LADA e do n.º 1 do artigo 13.º Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro.
A jurisprudência anterior – designadamente, o acórdão 254/99, do Tribunal Constitucional – quanto às normas em consideração têm vindo a julgá-las como não inconstitucionais.
ii. Outra questão que pode ser chamada à colação é o facto de a discussão do caso centrar-se simultaneamente no artigo 13.º do Decreto-lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, e no artigo 10.º da LADA, quando poderia ter sido discutida somente a constitucionalidade da primeira norma, porque esta é especial face à segunda. Mas, como foram ambas as normas impugnadas tiveram de ser estas disposições a ter em conta inevitavelmente.
iii. A organização ambiental solicitou certidões referentes à totalidade do contrato outorgado com as empresas do grupo B. Mas, o fundamento para a não entrega dos estudos técnicos e do parecer favorável à instalação da unidade industrial não está no predomínio de um dever de confidencialidade, visto que não existe aqui um caso de hierarquia de direitos, mas sim na diversa procedência dos documentos em causa, ou seja, por terem emanado da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Norte, não tendo esta o pretendido domínio ou conhecimento sobre tais elementos.
iv. Poderá afirmar-se que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos excluem à partida o direito de revelação de segredos comerciais e industriais que deles constam?
A resposta deve ser que o direito de acesso, quando necessário para proteger o ambiente, deve implicar a revelação de segredos na matéria comercial e industrial e existindo aqui um conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos será necessário recorrer ao artigo 18.º da Constituição (“Força jurídica”) e a uma ponderação do princípio da proporcionalidade e da necessidade para resolver a questão vertida no acórdão.
O direito de acesso não está consagrado especificamente na Constituição, mas o Professor Doutor Jorge Miranda retira este direito dos artigos 9.º, e), 66.º, 20.º/2, 37.º, 48.º, 268.º/1 e 2 e ainda, implicitamente, no direito do administrado consagrado no artigo 268.º, n.º 4 e 5 da Constituição. Tendo sido esta a posição que a Requerente tentou demonstrar.
“No acórdão foi dada razão à requerente, visto que o direito de quem tem um interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação não tem menor âmbito do que o direito de qualquer cidadão, de acesso aos arquivos e registos administrativos.”
“O administrado interessado, mesmo não sendo cidadão e não tendo os respectivos direitos de participação na vida pública, tem frequentemente direitos e interesses constitucionalmente protegidos que implicam, como no caso do direito à tutela jurisdicional, direitos de acesso à informação.”
Assim, a introdução do n.º 2 do artigo 268.º, na revisão constitucional de 1989, veio alargar o conteúdo do direito de informação procedimental reconhecido no n.º 1. Mas, no entanto, não se passou a considerar como um direito absoluto, pois sofre limitações por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com ele entram em colisão.
Neste sentido, o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e registos administrativos pode sofrer restrições, para além das previstas no n.º2 do artigo 268.º da Constituição, como decorre do n.º 1 do artigo 10.º da LADA. A forma de prevenir tais conflitos seria a Lei fundamental prever todas estas situações.
Todavia e acolhendo a posição do Conselheiro Mário Torres “não é admitida toda e qualquer restrição, é sempre necessário ter em conta o princípio da proporcionalidade, da adequação e da necessidade e terá de haver uma ponderação dos direitos em conflito a efectuar pelo tribunal.” Não se pode utilizar o argumento de que quando a Constituição estabelece um limite expresso não deseja que haja mais nenhum limite. Desta forma, é sempre possível estabelecer limites ao direito geral de informação, quer a nível das restrições expressamente resultantes da Constituição, quer em hipóteses de conflito de direito ou interesses constitucionalmente protegidos.
v. O presente acórdão admite a possibilidade de alargar o direito de reserva da intimidade das pessoas singulares, vertido no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, às pessoas colectivas, de forma a proteger os negócios e processos de laboração das empresas que estão sujeitos à confidencialidade das partes e salvaguardá-los da concorrência desleal.
Outro argumento importante para a prevalência da restrição ao direito à informação é que a celebração de contratos, mormente o do vertido no acórdão, podendo conduzir a um compromisso de sigilo quanto às informações fornecidas pelas empresas, têm consequências importantes para as partes que o celebraram e para terceiros.
Cabe ao Governo ponderar no momento da sua celebração todas as consequências; e, no acórdão, o projecto de construção da unidade industrial foi previamente objecto de aprovação pelas entidades competentes, que procederam a uma avaliação do impacte ambiental (artigo 9.º da alínea d) da Constituição realizando uma das tarefas fundamentais do Estado).
vi. Discorda-se veemente neste ponto do acórdão, pois a tutela do ambiente não é apenas assegurada pela actividade da Administração Pública, sendo sempre necessário e útil que intervenham outras entidades de forma a assegurar o total respeito pelo ambiente.
Os verdadeiros direitos aqui em causa são: o interesse dos investidores em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento, e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu a manter reservadas.
vii. Portanto, com base no artigo 10.º da LADA, a Administração está sujeita ao princípio da legalidade e vinculada à recusa de fornecer a documentação pedida.
Mas, para o conselheiro Mário Torres, este entendimento é inadmissível. “O tribunal não pode demitir‑se de efectuar a “ponderação casuística” exigida pelo princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E saliente‑se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo relevante por causa da facultação desse acesso).” Sendo esta a opinião adoptada.
A decisão do Tribunal Constitucional baseou-se na ideia de que, caso o funcionamento da indústria provoque danos ao ambiente, ficará sempre sujeito a outras normas que permitiram discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa e a sua constitucionalidade.
Mas, este argumento não é defensável e vai contra o princípio da prevenção e da precaução que pressupõem que haja intervenção dos interessados na tutela do ambiente antes que haja qualquer dano. Desrespeitando a máxima de que “mais vale prevenir do que remediar”.
4- Conclusões
O direito à informação ambiental assegura que seja respeitado um valor de interesse público e colectivo, que é o ambiente, permitindo que seja preservado de condutas lesivas presentes e futuras. A protecção ambiental consiste num dever que deve ser realizado por todos, entidades públicas ou entidades privadas, para que tenham conhecimento dos procedimentos que vão afectar o ambiente e para que possam participar activamente nas políticas ambientais. Existem dois meios de aceder à informação ambiental: através da consulta de dados ou através da obtenção documental de dados informativos, sendo que esta última pode ser requerida por qualquer pessoa, sem que necessite de justificar o seu interesse, ex vi artigo 6.º/1.
O normativo em vigor é o que decorre da LAIA, que resultou da ratificação pela Assembleia da República da Convenção de Aarhus e da transposição da Directiva 2003/4/CE. Da LAIA resulta um dever de actualização da informação, consagrado no artigo 5.º, visto que a área ambiental está em constante mutação.
A consagração formal do direito à informação ambiental, que teve um papel fundamental na consciencialização do acesso à informação como elemento essencial para a participação pública e melhoria da qualidade ambiental, resultou pela primeira vez da Directiva 90/313/CEE, de 7 de Junho.
A nível jurisprudencial as decisões importantes relativamente a esta matéria, permitiram, através da tutela da personalidade e recorrendo ao artigo 8.º, alcançar uma tutela mediata do ecossistema. Desta forma, a Doutrina sustentou através da ligação ao artigo 10.º da Convenção um verdadeiro direito de acesso à informação ambiental, fazendo com que haja um dever estadual de a publicitar sempre que tenha relevância para um grupo de pessoas.
Aluna n.º14668