sexta-feira, 1 de maio de 2009

14.ª Tarefa - Acórdão STA sobre localização da Ponte Vasco da Gama

Um dos propósitos da avaliação de impacte ambiental como procedimento administrativo que permite tornar os projectos mais conhecidos e transparentes, é evitar o recurso à via jurisdicional. A avaliação de impacte ambiental (AIA) permite saber quais os impactos significativos que um determinado projecto tem sobre o ambiente, avaliando-o, antes da sua autorização.

No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Março de 1995, a Liga para a Protecção da Natureza vem intentar uma acção no sentido de impugnar o acto que aprova a construção da nova ponte sobre o Tejo, por entender que a localização da mesma vem deteriorar os habitats existentes na zona e perturbar as aves protegidas, degradando por completo toda a extensão da Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo. Acção esta que acabou por não merecer provimento do Supremo Tribunal Administrativo.

Importa verificar os fundamentos desta decisão passando primeiro pela questão do objecto de avaliação de impacte ambiental.

A avaliação ambiental é um processo que, antes de mais, procura prevenir a poluição, e proteger a flora, a fauna, as águas, o solo, o ar, o clima, entre outros interesses ambientais. No caso em concreto, ela visava garantir a manutenção da diversidade das espécies e a conservação da capacidade de reprodução natural dos ecossistemas. Mas há que especificar quais as actividades que devem estar sujeitas a AIA. O DL 69/2000 no seu art. 1º refere que a AIA se aplica a projectos; sejam eles públicos ou privado. E por projectos, entenda-se qualquer concepção ou realização de uma obra de construção ou qualquer outra intervenção no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração de recursos naturais (art. 2º /o)). Não se aplica portanto, a planos, a políticas, a programas ou decisões políticas. E de entre os projectos, também não se englobam todos. O diploma é constituído por duas listas anexas de projectos e o primeiro passo implica averiguar se o projecto em causa se identifica com uma das categorias listadas no primeiro ou no segundo anexo. No caso apreciado pelo STA, é claríssima a sujeição a prévia AIA a construção de estradas, auto-estradas, vias rápidas (Anexo II, ponto 10, d)). É certo que não se incluem pontes ou qualquer outro tipo de infra-estruturas em nenhum dos anexos que enumera os projectos sujeitos a processo prévio de avaliação de impacto ambiental, mas uma ponte com as características desta inclui certamente uma via rápida, e como tal, não se deve furtar à devida AIA.

Todavia, não se esgota o âmbito de aplicação da AIA nos projectos constantes dos anexos. Saber se um projecto pode produzir, ou não, efeitos consideráveis é também mais um critério.

Aliás, densificando-o, este critério passa pelas características do próprio projecto: a sua natureza, dimensão ou localização (art. 1º, nº3 DL 69/2000). Pode suceder que, por decisão conjunta do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e do membro do Governo competente na área do projecto, um determinado projecto mereça ser sujeito a AIA, mesmo que não se encontre nas listas anexas, por ser uma intervenção gravemente perturbadora do equilíbrio do meio natural ou da paisagem.

Mesmo que não seja possível enquadrar a ponte Vasco da Gama no tipo de projectos das estradas e vias rápidas, pela sua envergadura, pela área ocupada, pela emissão de poluentes, consumo de energia e matérias-primas, conseguiríamos sujeitá-la a AIA.

Por outro lado, é um projecto que intervém gravemente no meio natural e na paisagem afectando o equilíbrio e o ecossistema. Podendo, de acordo com a Liga para a Protecção destruir por completo muita da fauna e flora, provocar alterações desfavoráveis na qualidade da água, concentrar substâncias tóxicas e poluentes na área em questão.

A acrescentar à dimensão e à natureza do projecto, um último critério: a localização, que é um dos factores fundamentais a ter em conta antes da autorização de um projecto. Para a Liga para a Protecção da Natureza estava aqui em causa a destruição por completo da ZPE do Estuário do Tejo, uma das dezoito ZPEs existentes em Portugal, que, por ser considerada uma zona sensível por ser rica do ponto de vista da diversidade de espécies de aves, possui largas dezenas de espécies selvagens que são objecto de protecção especial.

No entanto, nenhum destes factores seria suficiente para sujeitar o Projecto da ponte a AIA, e, como tal, o tribunal considerou que a ponte não se apresentava, por si só, como causadora de danos significativos nas partes importantes do habitat.

Porém, acto que a Liga veio impugnar foi a deliberação do Conselho de Ministros que aprovou a localização da nova ponte sobre o Tejo. Uma das razões pelas quais o STA não deu razão à Liga para Protecção da Natureza, foi por entender que não deve ser o projecto de localização que deverá ficar sujeito a AIA, mas antes as obras de construção, ou a fase de elaboração dos projectos de implantação. O que se decidiu na reunião do Conselho de Ministros foi aprovar a localização e não a aprovação da realização da obra de construção ou de qualquer instalação de obras, ou outras intervenções no meio natural ou na paisagem e, como tal, aquela aprovação não tinha que ser sujeita ao processo de AIA. A escolha do local e a aprovação do projecto são realidades diferentes e cada uma com seu momento próprio de apreciação. Ou seja, no caso de realização e instalação da ponte, haveria lugar a processo de AIA, mas a aprovação da localização da ponte, põe não constar de nenhum dos anexos, não está prevista na lei como projecto susceptível de AIA.

Por sua vez, as normas do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, e do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro (AIA), não sendo aplicáveis à fase da localização da nova ponte sobre o Tejo, mas tão-somente à fase de elaboração do projecto e da concepção da construção da obra, fazem com que todos os vícios de forma alegados por preterição do processo de AIA também não procedem, porque o procedimento administrativo em questão não se aplicava ao caso concreto.

Por fim cumpre analisar a questão da não transposição para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei nº 75/91, de 14 de Fevereiro do nº 4 do artigo 4º da Directiva 79/409/CEE. Ao abrigo da Directiva 79/409/CEE foram criadas ZPEs em Portugal; foram classificadas, mas o seu regime legal não foi definido. O que não era relevante porque se entendia que o art. 4º, nº 4 era susceptível de ser directamente invocável pelos particulares de cada Estado-Membro. Mas o STA, ao considerar que a norma da directiva não tem carácter preciso e incondicional por não especificar quais as actividades ou situações causadoras de poluição ou deterioração de habitats e perturbações que afectem as aves, vem dizer que a norma não tem efeito directo e que, como tal, não pode ser invocada pela Liga de Protecção do Ambiente para que possa ver anulada a deliberação que impugna.

As directivas procuravam estabelecer uma regulação mínima do regime jurídico da AIA, cabendo, desta forma, aos Estados, aquando da transposição, a possibilidade de fazerem a correcta adaptação ao regime nacional. Em Portugal , a transposição da directiva 85/337/CEE para o DL 186/90 teve um resultado foi fraco, os conceitos eram demasiado genéricos e vagos, e muitas vezes a remissão era feita para a Directiva em questão. Porque o propósito das directivas era a regulação mínima da AIA, este é mais um exemplo de que como, pela impossibilidade de se considerar as normas da directiva claras, incondicionais e completas, não é possível aos particulares invocarem disposições das mesmas, uma vez que a ausência jurídica de transposição da norma, embora preencha uma das condições para um particular invocar directamente a norma, não é suficiente, porque não estão verificados os demais requisitos

Concluindo, se por um lado é certo que a lei não favoreça a posição da Liga, ainda assim uma avaliação de impacto ambiental deve garantir antes de mais que se actue num momento prévio, no sentido de prevenir as autoridades dos riscos ambientais de um determinado projecto, que devem ser considerados nas posteriores decisões administrativas. E, sendo certo que a aprovação da localização não exigia a abertura de um procedimento de AIA, certamente na altura em que fosse aprovado o projecto que conferisse ao dono da obra o direito a realizá-lo, deveria o proponente desencadear o procedimento adequado, apresentando um estudo de impacto ambiental à entidade licenciadora (art. 12º DL 69/2000).