domingo, 17 de maio de 2009

Comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 14/07/2001 – Avaliação sobre o Impacto Ambiental

O presente Acórdão tem por objecto uma acção de incumprimento proposta pela Comissão contra a Bélgica, no âmbito de art. 226º TCE, tendo em conta a incompatibilidade do direito interno belga com directivas comunitárias cuja transposição não se verificou ou foi feita de forma defeituosa. Em boa verdade, as directivas comunitárias impõem condutas aos Estados-Membros que, a não serem cumpridas, resultam na instauração de processos de incumprimento contra os mesmos. Assim, temos em análise a não transposição das Directivas 75/442CEE, 76/464/CEE, 80/68/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CEE, por parte da Bélgica. Estas Directivas visam assegurar que os Estados adoptem medidas no sentido de garantir que a actividade ou a instalação que as mesmas regulem sejam sujeitas a autorização prévia.
Debrucemo-nos concretamente sobre a violação da directiva 85/337/CEE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente. Esta Directiva impõe que os projectos sejam sujeitos à avaliação do impacto ambiental antes concessão da respectiva autorização. O cerne da questão reside no facto de o direito belga impor uma autorização prévia e um prazo para que a Administração se pronuncie, findo o qual o silêncio vale como indeferimento da pretensão. No entanto, em sede de recurso desse indeferimento, o silêncio da Administração, após o decurso do prazo, vale como deferimento da autorização. Estamos, então, perante uma autorização tácita, contrária ao Direito Comunitário. Tal como se pode observar no Acórdão sub judice e em jurisprudência anterior (Ac. Linster - C-287/98), o objecto da directiva era a avaliação dos projectos e seus efeitos no ambiente antes da aprovação dos mesmos. Logo, a autorização tácita, ainda que em segunda instância, foi considerada, tanto pela Comissão, como pelo TJCE, como incompatível com esta jurisprudência e com a necessidade de análise casuística de todos os processos, pelo que o incumprimento da Bélgica foi declarado.
Posto isto, importa agora desenvolver este tema do ponto de vista do Direito Interno Português. Para tal, refira-se o DL 69/2000, que estabelece o Regime Jurídico da Avaliação de Impacto Ambiental, prevendo no seu artigo 19º o deferimento tácito. Suscita-se então a questão, em face deste Acórdão, da compatibilidade do art. 19º do regime da AIA com o Direito Comunitário, tendo em conta que possibilita o deferimento tácito da DIA. Além das inúmeras críticas de que este artigo tem sido alvo pela doutrina, nomeadamente no que respeita à incoerência da possibilidade de se alcançar uma DIA favorável sem que a Administração tenha avaliado o projecto em face das regras apertadas do procedimento de AIA, a sua desconformidade com o Direito Comunitário parece ser escandalosa. O artigo 19/nº1 do Decreto-lei 69/2000 é claro: “Considera-se que há DIA favorável quando nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no prazo de 140 dias, (…), contados a partir da data da recepção do documento, (…)”. Este diferimento tácito possibilita, desta forma, a viabilização de projectos sem uma análise prévia, sem uma ponderação de benefícios e custos, sem uma análise de impacto ambiental… As excepções dos números 2, 3, e 4 do art. 19º são igualmente graves, na medida em que encurtam o prazo geral. Neste sentido, Vai-se totalmente contra o espírito da directiva no que toca a análise prévia, tentando depois corrigir-se esta situação através do disposto no art. 19º nº5, o que não é de todo suficiente para assegurar os interesses ambientais em presença.
Em suma, sob pena de Portugal poder eventualmente vir a ser alvo de um processo de incumprimento semelhante com o do objecto do Acórdão em análise, é imperativo que se reveja esta situação o quanto antes.

Cláudia Cordeiro, nº 14600