domingo, 17 de maio de 2009

Comentário ao Acórdão do STJ de 19 de Outubro de 2004

A principal questão abordada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2004 é saber da legalidade ou ilegalidade em Portugal da modalidade de tiro aos pombos com alvos vivos. A questão é saber se esta actividade desportiva é ou não abrangida pela proibição do artigo 1º/1 da Lei nº 92/95 de 12 de Setembro.
No entanto, e como questão prévia, continua-se a debater a atribuição de verdadeiros direitos aos animais. Ou seja, o Homem tem direitos sobre a Natureza e tem deveres para com ela. O que está em aberto e deve ser discutido é o problema de saber se a Natureza tem direitos para com o Homem e aí se insere a problemática dos direitos dos animais.

Actualmente, os animais não são sujeitos de direito nem podem ser titulares de relações jurídicas. Nesta questão concordo com o acórdão. Pode-se falar em “direitos dos animais” não no sentido jurídico do termo, mas sim no sentido de “deveres do Homem para com os animais”. Os ditos “direitos” funcionam como obrigações dos seus proprietários, as quais constituem verdadeiras limitações à sua utilização.
É neste sentido que devem ser entendidos os textos internacionais (como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Animal) sobre a protecção dos animais quando se referem ao seu direito à vida, à integridade física, à liberdade e ao respeito.

No acórdão em análise é discutido se a prática desportiva do tiro com chumbo aos pombos em voo ofende ou não o direito à vida e à integridade física desses animais por lhes serem arrancadas penas da cauda, antes de serem libertos, e no âmbito dessas provas, mortos. Atendendo que essas penas são as mais fortes, deixando os pombos feridos, provocando-lhes lesões físicas e a perda de alguma capacidade de voo, constituindo este acto uma violência injustificada, cruel e de grande sofrimento.

Nos termos do artigo 1º/1 da Lei nº 92/95 proíbe-se a morte desnecessária dos animais, isso não significa que eles sejam titulares de direitos subjectivos à vida e à integridade física, pois são coisas móveis nos termos dos artigos 202º e seguintes do C.C.(na Alemanha a sua natureza jurídica é "animais" e não coisas, apesar de se lhes aplicar como regime supletivo o regime das coisas).
A Lei nº 92/95 contem normas jurídicas dirigidas no interesse dos animais nomeadamente prevenindo maus tratos e proibindo práticas de crueldade e violência física ou psíquica. Todavia isso não significa que os animais tenham verdadeiros direitos subjectivos.
A falta de razão inibe os animais de serem sujeitos de direito mas a sua sensibilidade torna-os merecedores de uma tutela jurídica específica. É neste sentido (o de atribuir uma tutela específica a todo o animal) que deve ser entendida a finalidade da Lei nº 92/95 de 12 de Setembro.
Desta forma, qualquer utilização dos animais que seja contrária à protecção dada pelos diplomas legais, pode e deve ser proibida, não por existirem verdadeiros direitos subjectivos dos animais, mas sim por serem merecedores de uma tutela jurídica específica.
É isto precisamente o que se passa na situação descrita no acórdão em análise. A Lei nº 92/95 proíbe no seu artigo 1º/1 todas as violências injustificadas contra animais, complementando no seu nº 3 com a proibição de utilização dos animais para fins didácticos, exibições ou actividades semelhantes (que é o que acontece na modalidade desportiva de tiro com chumbo aos pombos em voo), salvo experiência científica de comprovada necessidade (que não se verifica nessa prática desportiva).

Embora a proibição expressa das provas de tiro com animais vivos não tenha passado para a lei em análise e tenha ficado pelos trabalhos preparatórios, não se pode concluir pela licitude da prática desportiva de tiro ao voo de pombos, precisamente porque essa proibição já consta do artigo 1º/1 da Lei nº 92/95.
Como essa modalidade desportiva utiliza os animais para um fim contrário à protecção que lhes é dada pelo diploma, deve ser considerada ilegal e por isso proibida.