domingo, 3 de maio de 2009

Comentário à 5ª tarefa

A 5ª tarefa lança o repto para debatermos sobre se a nossa Constituição adopta uma posição antropocêntrica ou ecocêntrica relativamente à tutela jurídica ambiental. Antes de mais é imperativo esclarecer o significado destes conceitos. O Antropocentrismo foi uma concepção que ganhou força na época renascentista que considera que a humanidade deve ser o centro dos entendimentos humanos, isto é, que o mundo deve girar à volta do Homem, metaforicamente falando. Por seu turno, o Ecocentrismo é uma corrente filosófica que surge no final do século XX que, em vez de colocar a tónica na humanidade, coloca-a na Natureza, no desenvolvimento sustentável.

No que respeita ao Direito do Ambiente, o Antropocentrismo preconiza que a defesa da natureza deve ser feita enquanto direito do Homem, isto é, não se defende o ambiente por si mesmo mas enquanto direito do Homem ao ambiente. Para tal, oferece uma tutela jurídica subjectiva desse direito do Homem, consagrada num direito fundamental . Já o Ecocentrismo encontra-se em posição oposta defendendo que a tutela jurídica oferecida ao ambiente deverá ser sempre uma tutela objectiva, isto é, a natureza deve ser defendida por si mesma e não enquanto direito do Homem. CARLA AMADO GOMES, defensora de um ecocentrismo moderado, acrescenta mesmo que tem de ser abandonada a concepção utilitarista da Natureza.

Os preceitos fundamentais da Constituição da República Portuguesa nesta sede são o art. 66º (Ambiente e qualidade de vida) – recorde-se que o seu número um estabelece que “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender – e o art. 9º e que define como tarefa fundamental do Estado português a protecção e valorização do património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território.
Em sede constitucional são estes os dois artigos centrais desta problemática.

Segundo VASCO PEREIRA DA SILVA os juristas, no que respeita a questão ambientais, tendem a adoptar três posições distintas, duas delas nos extremos opostos e uma a meio termo: a total indiferença pelas questões ambientais, a abertura à problemática jurídica ambientais e o ecofundamentalismo.
Acompanho a posição do Professor ao rejeitar as duas posições extremas. A indiferença perante as questões de Natureza ambiental, a meu ver, é nitidamente a pior solução de todas. Nos tempos que correm está mais que provado cientificamente que o nosso planeta já teve dias bem melhores e que o desenvolvimento desenfreado e selvático do ser-humano teve (e ainda tem) consequências irreversíveis para o nosso planeta, pondo em risco a qualidade de vida das gerações vindouras. Problemas como o buraco na camada de ozono, o derretimento das calotes polares, o aquecimento global e a extinção de dezenas de espécies já não podem ser vistas como «conversa fiada dos ambientalistas», nem se pode fechar os olhos às suas consequências.
No extremo oposto, o “ecofundamentalismo”, o “totalistarismo ambiental” também não oferece soluções que nos possam levar a bom porto pois a personificação dos elementos da natureza, a atribuição de personalidade jurídica a flores, plantas e animais, conduzem o Homem a uma posição demasiado débil na infra-estrutura jurídica, nomeada e especialmente no que se refere à tutela jurídica desses mesmos elementos, e envolve uma certa confusão entre direitos individuais e tutela jurídica objectiva.

Face à breve explicação acima, qual será a mais adequada? Dever-se-á entender que o Homem é uma criatura superior pelo que não deverá olhar aos meios para atingir os seus fins? Ou por outro lado deverá perder-se a noção prática de direito subjectivo ao personificar realidades naturais?

Como acima referi, sigo o entendimento de VASCO PEREIRA DA SILVA e defendo que “no meio é que está a virtude”. O meio ambiente deverá ser sempre protegido mas não atribuindo direitos subjectivas aos malmequeres ou às abelhas. O ser humano tem direito ao ambiente e essa tutela jurídica é oferecida através do acrescidamente forte mecanismo dos direitos fundamentais - recorde-se que o art.66º vem inserido sistematicamente na secção dos Direitos Fundamentais a par de direitos como o Direito à integridade pessoal (art. 25º) ou o Direito à vida (art. 24º) pelo que a sua tutela não está a ser negligenciada constitucionalmente.
Então à pergunta antropocentrismo ou ecocentrismo responde-se o quê? Nenhum deles, um misto dos dois, um híbrido que supere as ineficiências de ambos. E parece que é precisamente esse modelo a retirar da nossa Constituição ao esta consagrar não só o art. 66º mas também o seu pólo oposto, o art. 9º e). Assim, não só o Homem tem direito ao ambiente enquanto direito fundamental (66º) como o Estado tem o dever de protegê-lo per se (art. 9º). A CRP oferece simultaneamente tutela subjectiva e objectiva ao invés de se restringir a uma delas.