A Constituição da República Portuguesa consagrou um conjunto de príncipios fundamentais em matéria ambiental, entre os quais figura o chamado Princípio do Desenvolvimento Sustentável.
A nível internacional este príncipio parece nascer da declaração de Estocolmo de 1972 e da Carta da Natureza de 1982, fruto da crescente consciencialização dos efeitos nocivos para o ambiente do desmesurado e irresponsável aproveitamento da natureza pelo Homem. É exactamente a partir de inícios dos anos setenta que, como salienta Jorge Miranda, «tudo começou a mudar quando se tornaram mais patentes os efeitos negativos conjugados da industrialização, da urbanização e da motorização; e quando se começaram a fazer sentir, mais vincadamente, tanto a interacção dos factores tecnológicos como a própria exiguidade do Planeta». Em especial a “crise do petróleo” que chamou a atenção para a esgotabilidade dos recursos naturais, assim como a quebra das divisões ideológicas vindas do século passado, muito contribuíram para concentrar as atenções na necessidade de preservação do meio ambiente.
De que falamos exactamente quando falamos de desenvolvimento sustentável? Segundo o artigo 66º nº2 da nossa constituição «para assegurar o direito ao ambiente, no quadro do desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e participação dos cidadãos» a realização das tarefas referidas nas alíneas a) a h) desse artigo.
Na sua fase embrionária, este princípio que tinha sobretudo natureza económica, pretendia alertar para a necessidade de conciliar o desenvolvimento económico com a preservação do ambiente.
Visava reagir contra as políticas do lucro imediato e inconsequente que desatendiam por completo à irreversibilidade dos recursos naturais. Procurava implementar a ideia de que era necessário fazer escolhas racionais que tivessem em vista a esgotabilidade dos recursos, os interesses das gerações vindouras e em última ratio a sobrevivência do planeta.
Segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas é um conjunto de processos e atitudes que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam as suas próprias necessidades
A partir da implementação deste princípio intentava-se que não mais o desenvolvimento económico se faria às custas da fruição selvagem e inconsciente da natureza: no outro prato da balança passa a estar a preservação do ambiente.
Um príncipio assim enunciado poderá assemelhar-se muito a um objectivo, a uma meta a ser alcançada. O princípio do desenvolvimento sustentável será mesmo um princípio na acepção jurídica do conceito?
Vasco Pereira da Silva entende que, independentemente de ter sido originariamente um princípio técnico, o princípio do desenvolvimento sustentável aquiriu na plenitude a natureza jurídica.
A sua natureza jurídica pode dizer-se que se retira do facto deste princípio estabelecer uma exigência de que cada decisão tomada pelos poderes públicos seja antecedida pela ponderação das suas consequências para a natureza e que no caso da decisão comportar custos para o meio-ambiente muito superiores que os seus benefícios económicos então isso acarreterá a invalidade da mesma. Nas palavras de Vasco Pereira da Silva, o desenvolvimento sustentável obriga à «“fundamentação ecológica” das decisões jurídicas de desenvolvimentos ecológico». As medidas que resultarem dessa ponderação como excessivamente gravosas para o ambiente serão mesmo consideradas como inconstitucionais ou não fosse o desenvolvimento sustentável um princípio de dignidade constitucional.
A natureza de princípio jurídico implica que tenha sido erigido em parâmetro decisório e limite de actuação dos poderes públicos «quer esteja em causa a realização de tarefas por parte do Legislador, da Administração ou dos Tribunais», afirma o Professor.
Carla Amado Gomes, por seu turno, discorda da estrita natureza jurídica do princípio do desenvolvimento sustentável, questionando-lhe o seu carácter principiológico. Esta autora vê nele outrossim um imperativo de ordem ética cuja aplicação casuística lhe retira valor jurídico. Não creio que assim seja.
Gomes Canotilho no seu manual de Direito Constitucional sugere vários critérios para considerarmos a presença de princípios jurídicos:
a) Grau de determinabilidade: os princípios são marcadamente vagos e indeterminados e carecem de mediações concretizadoras.
b) Carácter de fundamentalidade: os príncipios são normas de natureza estruturante e natureza fundamental no ordenamento jurídico.
c) Proximidade da Ideia de Direito: são “standards” juridicamente vinculantes radicados nas exigências de “justiça”.
d) Grau de abstracção: são normas com grau de abstracção relativamente elevado.
e) Natureza normogenética: são fundamento e estão na génese de regras jurídicas.
A meu ver, é possível encontrar no príncipio do desenvolvimento sustentável todas estas características incluíndo possuir elevado grau de abstracção. Também não creio que o seu teor ético se sobreponha ou lhe retire a natureza jurídica. Prescreve comportamentos e respectivas consequências: impõe a ponderação do valor ambiental e a fundamentação das decisões. Penso que se trata de um verdadeiro princípio que se impõe e deverá ser respeitado ou muito certamente estará em causa o desaparecimento da espécie humana.