Segundo KISS o ano de 1968 marca o nascimento da “era ecológica”. De facto, nesse ano foram elaborados vários diplomas que incidiam sobre o ambiente, tais como: as Declarações do Conselho da Europa sobre a poluição do ar e sobre a protecção dos resíduos hídricos; a Declaração da conservação da natureza e a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 2398 XXIII. Com efeito, estes diplomas mostram que a ordem internacional se começou a preocupar com as questões relativas ao ambiente. Dois anos depois foi a vez dos Estados Unidos da América se preocuparem com este assunto e elaborarem um diploma interno – o National Environment Policy Act- que marcou o início da criação de legislação interna ambiental por parte dos Estados, sendo que muitos Estados seguiram este exemplo inclusive Portugal.
Portugal, no seu actual modelo de Estado Pós-social consagra um direito fundamental ao ambiente presente nos dispostos das alíneas d) e e) do artigo9 e do artigo 66 da Constituição da República Portuguesa. Contudo para sabermos como é a tutela do ambiente no nosso ordenamento jurídico temos que delimitar primeiramente o objecto deste direito reflectindo sobre as várias opções possíveis e analisar o que ele visa tutelar, ou seja, aferir se ele pretende salvaguardar o meio ambiente enquanto bem para o Homem ou enquanto bem em si mesmo.
Uma primeira concepção, antropocêntrica, parte da concepção que os bens naturais são fontes de utilidade para a vida humana e que permitem a satisfação de necessidades pelo Homem. Aqui tutela-se, pois, o ambiente pelo aproveitamento que o ser humano pode retirar dele. Uma outra concepção, ecocêntrica, põe a tónica na protecção da Natureza enquanto bem em si mesmo e legítima merecedora de tutela jurídica independentemente do aproveitamento que o Homem possa dela retirar. Esta concepção defende, pois, que o Homem deve respeitar e preservar o ambiente pois nele se encontra integrado.
Todo o direito é antropocêntrico, porém o que queremos descortinar aqui é se o ambiente é merecedor de tutela para além da satisfação essencial e supérflua das necessidades do Homem. Para tal, temos de saber se estamos perante uma concepção ampla de ambiente ou uma concepção restrita.
A concepção ampla parte da visão antropocêntrica de ambiente que defende que este abrange quer os bens naturais como a flora, a fauna, o ar, a água quer os bens culturais como o património monumental e natural e a paisagem. GIANNINI é o principal defensor desta visão, sendo que ele nega qualquer autonomia aos bens naturais.
Por seu turno, a concepção restrita defende que o ambiente é apenas composto pelos recursos naturais renováveis e não renováveis e as suas interligações. Nestes termos, esta visão parte da concepção ecocêntrica de ambiente.
E o ordenamento jurídico português que concepção adopta?
O disposto da alínea a) do artigo 5 da Lei de Bases do Ambiente define o ambiente como “ o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e as suas relações e de factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem” inclinando-se assim para uma visão ampla de ambiente que é reforçada pela distinção feita na mesma lei de componentes ambientais naturais (Capítulo II) e humanos (Capítulo III). Contudo, não nos podemos restringir só a estas normas para concluir que esta lei adopta uma concepção ampla porque no mesmo diploma encontramos normas que nos apontam em sentido contrário. Efectivamente, os dispostos do nº2 e das alíneas d) e) f) e m) do nº4 do artigo 2 e a alínea f) do nº2 do artigo 5 da lei em apreço assentam numa concepção restrita fundada na tutela da Natureza enquanto bem em si. Também a nossa Lei Fundamental não aponta claramente para uma concepção específica. Efectivamente, a epígrafe do artigo 66 evidencia uma concepção ampla ao aludir ao ambiente e à qualidade de vida e as regras constantes do nº1 e as alíneas b) c) in fine e e) do mesmo artigo convergem nesse sentido. Já o disposto do nº 1 ao exigir o equilíbrio ecológico e as disposições das alíneas c)d) e g) apontam para um sentido restrito.
Vemos, pois, que quer a Lei de Bases do Ambiente quer a Constituição da República Portuguesa não convergem num único sentido não adoptando uma visão puramente restrita nem puramente ampla de Ambiente.
CARLA AMADO GOMES defende, pois que poderíamos falar numa “terceira via”. Esta via seria apelidada de “antropocentrismo alargado” (extended stewardship ideology) e seria o meio termo de uma visão utilitarista e uma visão ecocêntrica pura. Segundo a mesma autora “ Apesar deste incentivo constitucional – a adição da alínea d) ao artigo 66 – a opção do legislador português não pode ainda considerar-se inequívoca – e talvez seja ainda cedo para pedir tal definição tendo em consideração a juventude do Direito do Ambiente, nomeadamente em Portugal”
Posto isto, entendemos que de facto o disposto do artigo 66 apesar de apresentar características da concepção restrita também compreende uma faceta ampla da Natureza sendo que esta poderá reconduzir a que se inclua no Direito do Ambiente outras realidades distintas como o Direito do consumo, da Saúde Pública, do Património Cultural, da Educação, da Economia, do Urbanismo, do Ordenamento do Território...Porém entendemos que essa inclusão essa que não seria proveitosa para estas realidades que devem ser tratadas autonomamente.
Numa breve conclusão, cumpre-nos apenas referir que VASCO PEREIRA DA SILVA defende uma visão em que o ambiente respeita apenas às componentes naturais, defendendo assim uma concepção restrita do ambiente.