Com este acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça, questionou em mim e na sociedade civil se os animais terão direitos e como, caso os tenham, serão aplicados ou interpretados.
Neste caso, o tiro aos pombos, e não a caça aos pombos, é declarada conforme ao artigo 1º, nºs 1 e 3, alínea e), da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, pois, diz o acórdão em termos sumários, não provoca nos animais o sofrimento necessário a preencher os requisitos deste artigo. Para além disso, é uma prática justificada por uma longa tradição cultural em Portugal, disciplinada por uma federação com o estatuto de utilidade pública desportiva, e não desnecessária no confronto com o Homem e o seu desenvolvimento equilibrado.
Compreende-se estes argumentos, mas a grande questão será saber se o fim desta lei não assente na ideia da titularidade de direitos por parte dos animais e sendo o de os proteger contra violências cruéis ou desumanas ou gratuitas, para as quais não exista justificação ou tradição cultural bastante, isto é, no confronto de meios e de fins ao serviço do Homem num quadro de razoabilidade e de proporcionalidade, não poderá impedir a pratica desta actividade.
Á primeira vista a resposta teria de ser afirmativa, senão pense-se no sofrimento que é provocado nos pombos aos quais são arrancadas as penas da cauda antes do inicio do concurso, apesar de isso não lhes impossibilitar voar ou se direccionar durante o voo. Ou então o que acontece quando estes são atingidos e ficam gravemente feridos.
Se pensarmos o que será um concurso destes e a brutalidade que é matarem-se inúmeros pombos só por desporto ou só por lazer, não havendo o objectivo de consumo dos animais ou de controlo do número da espécie na fauna selvagem, não há dúvida que a artigo 1º/nº1 da Lei n.º92/95 está preenchido, e como tal o tiro aos pombos é uma prática ilegal.
O STJ assim não entendeu porque há uma tradição cultural em Portugal deste tipo, e este aspecto, como acontece nas touradas, foi certamente o grande vector que levou o tribunal maior a decidir-se pela legalidade deste tipo de actividades.
Hoje em dia, é uma prática pouco utilizada em Portugal, fruto da proibição em geral das infra-estruturas para este tipo de actividades que não disponham de uma lona que cubra o solo de modo a que o chumbo, altamente poluente, não prejudique culturas, águas e solos circundantes ao lugar da prática da actividade.
Voltando ao tema principal, os animais têm de ser protegidos, principalmente os animais selvagens, mas tal não lhes confere direitos. Os touros não têm direitos. São criados apenas com o propósito de serem toireados, não havendo outra utilidade para aquele tipo de animais, confere quem já comeu carne de touro bravo. Os touros de lide não podem ser trocados por outro engenho ou objecto. Os pombos podem e devem ser trocados por pratos ou hélices, o que possibilita aos atiradores um maior gozo. Os pombos ou perdizes são atirados por umas máquinas idênticas às que atiram os pratos, ou seja, quando chegam ao espaço de tiro vão completamente enrolados não dando qualquer tipo de luta ou gozo ao atirador.
O que existe no nosso país é uma cultura enraizada, ao qual eu não chamo tradição cultural em Portugal, mas sim cultura psíquica retrógrada, que faz com que as pessoas que praticam tiro aos pombos, achem que por se matar um animal o tiro é justificado ou lhes provoca mais adrenalina, o que tal não acontece.
Para mim, o artigo 1º, nºs 1 e 3, alínea e), da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro proíbe o tiro aos pombos porque considerar que a actividade de matar pombos através do exercício de tiro a alvos vivos faz parte das tradições culturais portuguesas e que o seu respeito implica uma interpretação amplíssima do preceito. A admitir-se esta actividade, usando os argumentos do STJ, significa abrir também as portas à luta de galos ou cães, práticas bárbaras e violados da Lei de Protecção aos Animais.