Com o evoluir da sociedade moderna e o seu crescimento desmedido, a Natureza veio a tornar-se alvo de maior atenção do que era no passado. A consciencialização das gentes surge numa altura em que a esgotabilidade dos recursos naturais e as trágicas consequências da agressiva atitude do Homem em relação ao Planeta são factos comprovados e revelam um cenário futuro que não é bonito. É como consequência desse panorama que o legislador do Estado pós-social desperta para a urgência de se imporem regras em sede de matéria ambiental, fazendo estas parte da terceira geração de Direitos Fundamentais.
A Constituição da República Portuguesa consagra actualmente um conjunto de princípios fundamentais em matéria ambiental, tais como o princípio da prevenção, o do desenvolvimento sustentável, o do aproveitamento racional dos recursos naturais e o do poluidor-pagador, conhecendo alguns maior desenvolvimento que outros.
Um dos princípios de maior relevância é indubitavelmente o princípio da prevenção que, não obstante estar implicito em toda a Constituição Ambiental, vem expressamente consagrado no art. 66º/2 quando afirma na sua alínea a) que incumbe ao Estado «prevenir e controlar a
poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão».
Este princípio vem ainda desenvolvido na Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87) no seu art. 3º a): «as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente à correcção dos efeitos dessas acções ou actividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente.»
GOMES CANOTILHO defende que o Direito do Ambiente encontra-se «ancorado no princípio da prevenção» o que reforça a ideia da importância do princípio da prevenção. A acção danosa do Homem, no que respeita à exploração da Natureza, só poderá ser minimizada havendo uma forte prevenção, consciencialização e sensibilização sob pena de se continuarem a cometer prejuízos irremediáveis contra a Terra sendo depois demasiado tarde para remediá-los. Na relação Homem-Terra o primeiro está em constante divída para com a segunda e a factura revela-se pesada. Travar tal fatalidade terá forçosamente de passar por uma antecipação dessas situações, desses riscos que possam vir a revelar-se potencialmente perigosos para o ecosistema de modo a impedi-los ou minorar os seus danos.
Recentemente tem havido um movimento doutrinário, inclusivamente por parte do Direito Comunitário (vide art- 174º/2 TCE), no sentido de se limitar o princípio da prevenção à sua acepção restrita e, com isso, autonomizar um outro princípio designado princípio da precaução. Neste movimento incluem-se autores como GOMES CANOTILHO e ANA GOUVEIA MARTINS. Mas fará sentido proceder a tal divórcio entre princípio da prevenção e princípio da precaução?
ANA GOUVEIA MARTINS, na sequência do art. 174º/2 TCE, entende que sim, que é necessário autonomizar e desenvolver o princípio da precaução como princípio constitucional ao afirmar que «Perpassa do cotejo das diversas consagrações do princípio da precaução nos textos internacionais, que, à parte de um núcleo duro constituído pela possibilidade de adopção de medidas destinadas a impedir o risco de produção de danos ambientais […] na ausência de provas científicas conclusivas sobre o nexo de causalidade entre determinadas actuações e o risco da ocorrência de danos, ou sobre a sua extensão ou gravidade, a definição do seu conteúdo revela-se extremamente vaga ou conhece grandes oscilações».
GOMES CANOTILHO também se revela pro-autonomização quando afirma que «o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente».
Já VASCO PEREIRA DA SILVA defende que preferível a esta autonomização é a “construção de uma noção ampla de prevenção” e socorre-se de três argumentos fundamentais nos quais baseia o seu entender:
1) O argumento de ordem linguística; a distinção entre “prevenção” e “precaução” pode tornar-se algo absoleta na medida em que ambas as palavras são um sinónimo quase perfeito - veja-se o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa que define “Precaução” como s.f. Cautela antecipada; Prevenção. Ainda que haja alguma margem entre o significado de uma expressão e outra, não seria demasiado minucioso e pouco claro estar a dintingui-las, especialmente numa área como o Direito do Ambiente que afecta tanta gente? Não seria escavar mais fundo o foço que tantas vezes impede os “não juristas” de compreender a lei?
2) O argumento do conteúdo material;
As propostas de autonomização do princípio da precaução assentam em determinados critérios que VASCO PEREIRA DA SILVA rebate. A analisar:
Prevenção para “perigos” advenientes de causas naturais e a precaução para “riscos” provocados pela acção humana.
Efectivamente, e como aponta o Professor, hoje em dia a linha que separa o que é provocado pela acção humana e o que não é é extremamente ténue pois o Homem é a causa da poluição e inúmeras vezes a poluição é a causa de desastres naturais como as chuvas ácidas ou mesmo os dilúvios por acumulação excessiva de CO2 na atmosfera pelo que se tornaria quase impossível imputar “tarefas” a cada um dos princípios.
Prevenção para riscos actuais e precaução para riscos futuros
Mais uma vez não parece adequado estar a “separar as águas” pois tratam-se de factores que estão invariáveis vezes intrinsecamente ligados pelo que devem ser tidos em conta, à priori, como um todo e não separadamente.
Precaução como princípio de «in dubio pro natura»
O Professor entende que ou bem que temos um “princípio de consideração da dimensão ambiental dos fenómenos” – e aí é plenamente adequado constituir parte da prevenção – ou estamos perante uma presunção que obriga qualquer pessoa que queira iniciar qualquer actividade a provar que tal não constituirá danos ambientais, o que provocaria um estrangulamento da liberdade económica e não só. Como é natural, o “risco zero” no domínio ambiental é uma meta inatingível pelo que é imperativo saber gerir-se os riscos, minimizá-los, contorná-los e não estrangular o desenvolvimento social e tecnológico. Tal levaria inevitavelmente a uma estagnação que até poderia ser perversa para o Direito do Ambiente pois levaria a que muitos dos erros que são cometidos hoje em dia mas que já fazem parte do nosso modo de vida, fossem perpétuados. Ora vejamos, esta atitude certamente seria eficaz na luta contra centrais de energia nuclear em Portugal mas decerto também teria barrado a entrada no “mercado” de centrais de reciclagem pois qualquer central fabril acarreta riscos para o ambiente, por minímos que sejam, e o Homem continuaria a recorrer para todo o sempre às lixeiras para “despachar” o seu lixo.
A autonomização do princípio da precaução acaba por andar várias vezes de mãos dadas com tendências ecofundamentalistas que pretendem onerar demasiado a actividade humana, mesmo quando não existe nexo de causalidade entre esta e os danos ambientais. Há que haver acima de tudo bom-senso e sensibilidade no tratamento destas questões de fronteira em matéria ambiental e não atitudes extremistas sufocadoras de toda e qualquer actividade humana.
3) O argumento da técnica jurídica; visto que a nossa Constituição consagra expressamente o Princípio da prevenção e não o da precaução, não seria mais útil e eficaz no que respeita à tutela jurídica dos valores ambientais a consagração de uma concepção ampla daquele ao invés de uma autonomização e elevação a princípio constitucional deste?
Ora, à semelhança do que aponta VASCO PEREIRA DA SILVA, e socorrendo-me da sua estrutura argumentativa que utilizei como base para a minha exposição, estes argumentos utilizados por aqueles que defendem a autonomização do princípio da precaução parecem-me, salvo o devido respeito, como argumentos bastantes frágeis e inadequados para reforçar a tutela jurídica dos valores ambientais. Ao invés, só iriam provocar uma maior confusão para a população e seriam uma evitável contribuição para a elitização do Direito. Além do mais gerariam, como já referi acima, um estrangulamento à actividade humana em nome de uma certa “caça às bruxas” que em pouco ou nada fortaleceria a defesa do meio ambiente.