A autora questiona as condições degradantes a que são sujeitos os animais circenses, evocando a ideia de “existência digna” como premissa para a defesa dos animais, mais especificamente dos animais com este fim. Introduz uma noção de existência digna pela negativa, isto é, descreve o que não é viver com dignidade, com referência à forma de tratamento dos animais que participam no espectáculo. Entende, ainda, tratar-se de uma questão de justiça premente, intrigando-se com o facto de a “asa do direito” ainda não abraçar outras espécies, para além da dos animais racionais que somos nós.
De facto, concordo com a autora quando se refere ao tratamento dos animais, pela família circense, naqueles termos. A maior parte dos animais é selvagem e ávida da liberdade própria da vida selvagem. Ainda que domesticável (mesmo nós somos!), não tenho dúvidas que, neste caso, as condições do habitat natural serão sempre preferíveis às do habitat do homem, justamente por serem “naturais”. Há, porém, situações excepcionais que exigem intervenção humana, como são as de espécies em vias de extinção, em que, na maior parte dos casos, a culpa é também humana.
Por outro lado, segundo o que é divulgado e como alude a autora, os animais do circo são, muitas vezes, agredidos fisicamente, privados de uma boa alimentação e enjaulados de forma claustrofóbica.
Não se trata apenas de uma questão de gosto, mas há efectivamente uma vertente cultural nesta questão e o que é cultura, é por definição, aceite. Na verdade, não considero censurável o gosto pelo evento, compreendo-o muito bem, embora não deixe de ter a impressão de que ir ao circo é compactuar com o que nele está implicado.
A questão é, pois, jurídica; está em causa a protecção jurídica dos animais contra o comportamento humano e se, afinal, lhes deverão ser atribuídos direitos. Quanto à protecção jurídica, não há dúvidas de que os animais são dela merecedores. Ela já existe, ainda que de forma ténue e insuficiente. À face da lei, os animais são, como se sabe, havidos como coisas, o que não pode resultar na permissão de situações verdadeiramente cruéis e desprovidas de qualquer sentido de humanidade. A ideia é a de que um comportamento com valoração negativa, para além das consequências exteriores, contaminará o seu autor, isto é, os efeitos nocivos revoltar-se-ão contra este. Todos consideramos vil a atitude de molestar um “animalzinho”, mas a verdade é que ninguém sabe bem explicar a razão, sobretudo aqueles que, em contrapartida, não a identificam com uma atitude contra uma pessoa. A meu ver, deve pegar-se naquela ideia e transportá-la para a realidade dos animais, isto é, se alguém inflige algum mal num animal não racional, a sua conduta terá que ser objectivamente apreciada e negativamente valorada pela ordem jurídica, abstraindo do facto de ser uma pessoa ou animal, embora a natureza da tutela seja muito diferente nos dois casos. Por exemplo, ao nível do direito penal, que está exclusivamente ao serviço de valores humanos, a tentativa é punível, pese embora não haja desvalor do resultado.
Por fim, não me parece que possam ser conferidos direitos subjectivos aos animais, pelo menos, não nos mesmos termos do que às pessoas. A protecção máxima deve ser dada às pessoas, principalmente quando a vida humana á o valor mais elevado, na ordem jurídica. No entanto, há comportamentos contra os animais inaceitáveis e, por isso, um sentido de dignidade, que não o nosso, que lhes deve ser assegurado.