A questão da protecção dos direitos dos animais é cada vez mais um tema actual, ainda recentemente se ouviram as manifestações contra as touradas, que para uns é uma tradição, um costume que em nada lesa os direitos dos animais, para outros um verdadeiro sacrilégio, onde os animais são tratados sem um mínimo de dignidade, expostos para simples prazer humano. As cenas de crueldade infligidas sobre animais não podem ser para nós indiferentes.
Desta feita, os tempos em que vivemos são de evolução e de consciência, e portanto é urgente que se dê maior relevo aos valores de respeito, dignidade e mesmo estima, que nos levam a olhar os animais como seres vivos, com os quais se criam estreitos laços de amizade e companheirismo.
Assim, há uma obrigação moral de o Homem respeitar todas as criaturas, quer sejam animais que estejam sobre a sua protecção, no sentido de serem seus “detentores”, quer sejam animais vadios, que foram atirados para a crueldade e miséria das ruas, sem que para tal situação tivessem contribuído.
Em Portugal, este tema da protecção dos animais já se discute há algum tempo, desde logo com o Projecto da Comissão do Código Penal de D. Pedro V (1861), que previa a punição de quem destruísse animal doméstico; em 1919 surge o Decreto nº 5650, que pune toda e qualquer violência contra animais, que viria a ser regulamentado pelo Decreto nº 5864, em que a violência sobre animais é entendida como um crime público; em 1928 o Decreto nº 15982, proíbe o uso de instrumentos perfurantes na condução de animais; e depois só em 1985 temos o DL nº317/85, em que não tem ainda como principal finalidade a protecção dos animais, mas sim a protecção das pessoas que com estes convivem, este diploma pretende controlar a raiva animal, no entanto acaba por se punir o abandono de animais, e de se afirmar a urgência de legislar sobre a matéria dos direitos dos animais; este diploma sobre a raiva animal veria os seus valores actualizados pelo DL nº91/2001; em 1993 é aprovada a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, através do Decreto nº13/93, apesar de ter sido aberta à assinatura logo em 1987, este importante diploma estabelece os princípios fundamentais para o bem-estar dos animais, as medidas complementares relativas aos animais vadios e a necessidade de desenvolvimento de programas de educação e de informação acerca das disposições desta mesma Convenção; a lei nº92/95, vem proibir as violências injustificadas contra animais, mas não se legisla sobre as sanções dessa infracção; no entanto, só em 2001 surgiu um diploma destinado a tornar aplicável em Portugal esta Convenção, DL nº276/2001, onde foi esquecido o princípio fundamental de que ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia ou abandoná-lo.
Como é perceptível, estão lançadas as bases, mas ainda há muito a fazer para aumentar a protecção legal dos animais em Portugal.
Os animais ainda são entendidos como coisas, não têm um direito subjectivo a ser bem tratados e protegidos, ainda persiste a ideia de que a natureza e os animais são protegidos em função do benefício exclusivo que isso tem para o homem, e não que devem ser protegidos em função de si mesmos, como um valor em si e não apenas como objecto útil ao homem (tal como refere o Prof. Freitas do Amaral).
Sendo os animais caracterizados como coisas, são passíveis de posse pelos seus proprietários, ainda que com algumas restrições, sobretudo tendo em vista a defesa e protecção das espécies, mas também existem restrições relativas ao número de animais permitidos em cada casa, ainda que sejam alegadas razões de salubridade e tranquilidade da vizinhança, e não defesa do bem estar dos animais.
Além da posse, admite-se ainda a utilização dos animais, desta forma, tem-se assistido aos mais horríveis espectáculos com animais, sem que, na maior parte das vezes, se pergunte até onde é permitido infligir maus tratos aos animais, inocentes e indefesos, para satisfazer interesses económicos e paixões doentias. Em Portugal tem-se ignorado este problema, no entanto, e felizmente, existem alguns diplomas donde se podem extrair algumas regras que funcionam como restrições às utilizações bárbaras e cruéis dos animais. São eles a Declaração Universal dos Direitos do Animal, a Convenção Europeia para Protecção dos Animais de Companhia, entre outros.
Assim sendo, os animais têm direito à vida ou à existência, não podem ser exterminados ou explorados, nem ser vítimas de violência; têm direito à integridade física e psíquica, não podem ser submetidos a maus tratos nem a actos cruéis, e ninguém lhes deve causar dor ou angústia, ou abandoná-los; têm direito à saúde e ao bem-estar, não devem ser maltratados e impõe-se um comportamento positivo, no sentido de lhes proporcionar felicidade, como ter boa alimentação e boas condições de alojamento.
A frase da Prof. Martha Nussbaum, da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, descreve precisamente um dos problemas da utilização dos animais, o caso dos circos. Se a utilização de animais deve estar sujeita a restrições, tal como foi referido, estas mais se justificam quando se trata de manifestações públicas, de espectáculos de divertimento colectivo. Nestas situações o público desconhece as condições em que os animais se encontram, como são tratados para ali os fazerem rir e divertir, a que tratamentos são sujeitos e que privações sofrem para poderem fazer as habilidades que todos querem ver. Em Portugal, ao contrário de outros países como França, Itália e Canadá, nada existe na legislação sobre espectáculos, o que permite o tratamento indigno a que os animais são sujeitos Ainda que a Declaração Universal dos Direitos do Animal prescreva, no artigo 5.º/4, que a dignidade do animal deve ser respeitada e que não pode haver violência, é do conhecimento geral que os animais, na grande maioria dos circos, não são tratados como animais, não são livres de brincar, de não fazer simplesmente nada, de ficar deitado a desfrutar de um pouco de tranquilidade e, mais grave, são tratados como coisas, como um objecto de lucro, são obrigados a cumprir ordens, a troco de ameaças e privações, vivem constantemente num clima de terror, são fechados em jaulas demasiado pequenas e sujas, não têm uma devida alimentação, estão condenados a actuar perante o público num espectáculo degradante e nada dignificante, e para quê? Para puro divertimento alheio, para que as pessoas se possam deliciar com a humilhação a que os animais são sujeitos.
Como refere a Prof. qual é ainda a razão para que situações destas aconteçam? Porque não estender os mecanismos de justiça a estes seres?
Não consegui encontrar resposta satisfatórias para estas perguntas, nem razões para as crueldades que são infligidas aos animais, mas encerro este comentário com a esperança de que as mudanças se façam, não só em termos legais, mas também, e talvez até principalmente, na sociedade civil, que se transformem as consciências e que os animais possam ser simplesmente animais.