Comentário à frase da Prof. Martha Nussbaum
Vigora entre nós a Lei nº 92/95, de 12 de Setembro, alterada pela Lei 19/2002, de 31 de Julho relativa à protecção dos animais.
À primeira vista, faz-nos pensar que a existência de tal lei salvaguardaria a protecção dos animais de actos totalmente impróprios, alguns até de selvajaria, como infelizmente ainda se assistem hoje em dia.
No entanto, como afirma a Prof. Martha, parece que a protecção jurídica dada a estes seres está longe de ser suficientemente eficaz de forma a assegurar-lhes uma certa dignidade.
Apesar da sua referência expressa aos animais circenses, este é um problema que abrange outras actividades que exploram, directa e indirectamente, animais.
Deparamo-nos com experiencias que tem em vista encontrar soluções para doenças ou simplesmente aferir se um determinado produto será susceptível de vir a ser utilizado pelo ser humano, como sucede com os cosméticos. Mais triste ainda é quando o que está em causa se resume pura e simplesmente a obter uma forma de o entretenimento e lucro.
Tratam-se de actos que desvalorizam a dignidade dos animais, reduzindo-os a meros objectos à mercê de um fim superior..
Ora, é urgente mudar esta forma de pensar, este modo de nos relacionarmos com as outras espécies que habitam o nosso planeta, pois os animais também são seres vivos que partilham connosco algumas das nossas sensações e sentimentos, sendo que já ninguém tem dúvidas que os animais também sentem dor, medo e que se relacionam e criam laços com outros animais e até mesmo com humanos, que não deixam de ser animais, embora racionais, e isto é importante sublinhar porque não nos podemos esquecer que somos todos seres vivos que compõem o ecossistema, e que nós como seres racionais que somos, ao contrário dos animais que são guiados pelos seus instintos, temos o dever, a obrigação moral de respeitar todas as coisas vivas, aliás, esta é mesmo uma questão de justiça, pois não dar qualquer protecção a estes seres desprotegidos e vulneráveis que connosco partilham o planeta, faz de nós uns autênticos animais, no sentido primitivo da palavra.
Apesar do que ficou dito, cumpre salientar que é importante separar as coisas de forma a não irmos de encontro a um fundamentalismo exagerado.
Assim, a utilização de animais para alimentação ou fins científicos que visam o melhoramento das condições básicas de vida do ser humano, é de certo modo compreensível, até porque não podemos ignorar que existe uma cadeia alimentar própria do nosso mundo, pelo que, nesta perspectiva é difícil os animais nunca serem sacrificados em prol do homem, porém, isto é certamente diferente da sua utilização para fins de simples divertimento, como acontece no circo, nas touradas, etc., pois aqui está em causa uma prática egoísta, desprovida de qualquer proporcionalidade, necessidade e legítima finalidade, ou seja, não são justificáveis porque os benefícios para os humanos são ignoráveis comparados á quantidade de dor animal necessária para obtê-los, para além de que esses benefícios podiam ser obtidos de outra forma…
Assim sendo, conclui-se que é necessário prover à defesa dos animais contra agressões desnecessárias por parte do ser humano, e a tendência nos nossos dias vai precisamente nesse sentido, o que podemos constatar, desde logo, a nível internacional, com a consagração da protecção do animal, contra a violência injustificada e desnecessária, no art. 3º da Declaração Universal dos Direitos do Animal de 1978.
Aquela declaração vai no sentido de atribui direitos próprios dos animais, trata-se de uma questão no mínimo controversa entre nós, no entanto, parece-me que não podemos deixar de lhes atribuir certos direitos, no mínimo a uma existência digna, nas palavras da Prof. Martha.
Claro está que não estamos a falar de direitos à mesma escala que quando nos referimos aos direitos do Homem, já que isso conduziria a diversos contra-sensos, nomeadamente ao facto de os nascituros também não gozaram do mesmo leque de direitos, senão aquando do seu nascimento completo e com vida (art. 66º Código Civil).
No entanto, existem certos e determinados direitos que não lhe deviam ser negados, salvo em casos que tal ofensa se justificasse.
Quando falo nestes direitos, refiro-me de certa forma a deveres do Homem na sua relação com os animais, deveres esses que deviam ir desde um direito à vida, uma proibição de maus-tratos (ou um direito de não sofrimento do animal) até a um dever de protecção, sempre que ele seja possível; sem deixarmos de ter em consideração o direito de livre desenvolvimento da espécie, bem como o direito à sua preservação e consequente luta contra a sua extinção.
Apesar de os animais não serem sujeitos de direito, nem titulares de relações jurídicas, visto que não têm capacidade para se reger por um ordenamento e um sistema de protecção de direitos como o que o ser humano criou, aqueles direitos são possíveis de coexistir com os nossos, não podemos ser egoístas ao ponto de não considerar e lutar por essa hipótese.
Segundo defende o Professor Vasco da Silva, na sua concepção Antropocêntrica Ecológica, a preservação e defesa dos animais é condição essencial da realização da dignidade da pessoa humana e deste modo, a expressão direitos dos animais deve ser entendida como o conjunto de deveres que recaem sobre as pessoas de proteger as outras espécies.