domingo, 26 de abril de 2009

Verde - o motivo somos nós

5ª Tarefa

Dúvidas não há - a actual lei fundamental portuguesa é um diploma verde, incorporando, na sua ideia fundamental de Direito, preocupações ambientais. Gomes Canotilho descreve mesmo uma "verdadeira Constituição do ambiente", que apresenta uma notória coerência ínsita. Antes da Constituição da República Portuguesa de 1976, e numa tendência que não era apenas nacional, as atenções com a temática da Natureza, numa óptica de defesa e preservação eram, de facto, e também ao nível jurídico, bastante limitadas, sendo, nesta linha, as referências constitucionais muito raras e esparsas, não permitindo inferir uma visão de conjunto. Registe-se a alusão, na nossa primeira Constituição, a de 1822, à tarefa que incumbia aos municípios, de promover a plantação de árvores nos baldios e terras concelhias.
Actualmente, a CRP consagra uma preocupação ambiental, tanto numa vertente objectiva, enquanto tarefa estadual (artigo 9.º, alíneas d) e e)), como subjectivamente, pelo estabelecimento de um direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida, no seu artigo 66.º.
Quanto à questão de princípio, que se refere a saber se o direito ao ambiente é um verdadeiro direito fundamental, ou se se trata apenas de uma tarefa estadual, o Prof. Vasco Pereira da Silva responde que estamos, efectivamente, perante um direito fundamental, argumentando que o que fundamenta a actuação do poder público é ainda a realização da dignidade da pessoa humana, e que a intervenção estadual constitui um dever jurídico que tem por escopo a satisfação dos interesses dos cidadãos. Como direito fundamental que é, o direito ao ambiente reveste um conteúdo positivo, que se concretiza na obrigação de participação dos poderes públicos na sua efectiva realização; mas também uma vertente negativa, impedindo as agressões ao seu conteúdo, quer por parte de entes públicos, quer privados. Vasco Pereira da Silva aplica, à primeira vertente, o regime jurídico dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e à segunda, o regime dos Direitos, Liberdades e Garantias. Jorge Miranda afirma também esta ideia, referindo a fisionomia bifronte do direito ao ambiente.
Enquanto Vasco Pereira da Silva perspectiva o direito ao ambiente como um direito de terceira geração, associado ao advento do Estado pós-social, Jorge Miranda rejeita esta posição, negando a ideia de uma sucessão, e preferindo sustentar que o que se vai verificando é antes um paulatino enriquecimento dos direitos fundamentais em geral. O autor refere que as novas realidades que surgem, que vão então sendo integradas e dotadas de dignidade constitucional, se reconduzem, ou a Direitos, Liberdades e Garantias, ou a Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ou revestem uma natureza híbrida, participando dos dois regimes, como acontece com o direito ao ambiente.
No que concerne à questão em análise, de saber se a CRP é verde por causa do Homem, ou se o é primordialmente em prol da Natureza, ela tem subjacente a discussão doutrinária em torno do eco e do antropocentrismo. De um lado, surgem-nos autores como o Prof. Jorge Miranda que, ainda que não se pronunciando sobre esta temática específica, afirma que os direitos fundamentais são "essencialmente, formas de realização de interesses das pessoas ou de garantia da dignidade das pessoas". A mesma ideia, a favor de uma conotação antropocêntrica, é reforçada pela explanação de que os direitos a atender, em matéria de ambiente, não são apenas os dos sujeitos actuais, mas também os das gerações vindouras. De qualquer modo, fica a ideia de que o direito radica na pessoa humana. Assumidamente, Vasco Pereira da Silva defende o que designa por "antropocentrismo ecológico", afastando a concessão de direitos subjectivos à Natureza, e a personificação jurídica dos elementos naturais. Afirma que a melhor defesa do ambiente passa por uma consciencialização dos cidadãos, dos direitos que lhes assistem em matéria ambiental.
Do outro lado da "barricada", Freitas do Amaral refere que a Natureza tem de ser tutelada como um valor em si, tendo construído uma posição ecocentrista. Também Carla Gomes se posiciona em termos semelhantes, defendendo um ecocentrismo moderado, na base do afastamento de uma perspectiva utilitarista, e da dignificação de uma disciplina do Direito do ambiente.
Através de uma análise dos preceitos constitucionais pertinentes, podemos afirmar, sem grandes dúvidas, que a Constituição portuguesa é verde por causa dos cidadãos. Logo no artigo 66.º/1, consagra-se o direito de todos (os cidadãos) a um "ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado". Também o artigo 52.º/3 atribui a todos os cidadãos, ou associações de defesa do ambiente, o direito a prevenir, ou a conseguir que sejam sancionadas as actuações que degradem o ambiente. Já no artigo 91.º, a preservação do equilíbrio ecológico e a defesa do ambiente parecem também reportar-se ao gozo do povo português. Atentando no artigo 66.º/2/c, nota-se que o desenvolvimento de reservas e parques naturais, tal como a classificação e protecção de paisagens e sítios, têm o fito de garantir a manutenção dos valores culturais, de que potencialmente vão usufruir, nada mais, nada menos, do que, mais uma vez, os cidadãos.
Como afirma ainda Vasco Pereira da Silva, só a existência de um direito fundamental ao ambiente, na esfera jurídica de cada um, e despoletado pelo confronto com situações de ataque a bens jurídicos ambientais, é capaz de assegurar uma adequada tutela contra agressões. E isto quer a protecção se refira a indivíduos, quer a associações de representação dos respectivos interesses; num e noutro caso, através do recurso ao direito de acção, que só aos sujeitos de Direito é atribuído.
É ainda de referir uma notória vantagem inerente a uma visão antropocentrista do tema - radicando a protecção ambiental na dignidade da pessoa humana, enquanto se confere o devido valor às questões do ambiente, não se menosprezam também outros direitos fundamentais eventualmente colidentes, erro em que pode incorrer a concepção ecocentrista, menos sensata. Tem assim lugar uma ponderação mais profunda e útil.
Por tudo isto, parece correcto afirmar que a CRP é verde para bem da Natureza e do Homem, mas através deste, pois só enquanto direito do Homem se pode efectivar uma protecção completa do ambiente em que este se insere.