quinta-feira, 23 de abril de 2009

Prevenção vs Precaução

No âmbito do Direito do Ambiente, o desenvolvimento e a formulação de princípios próprios são fundamentais para garantir-lhe a autonomia disciplinar frente a outros ramos do Direito, como, por exemplo, o Direito Administrativo.

Entre os inúmeros princípios que regem a disciplina do Direito do Ambiente, destaca-se, em razão da importância, o da prevenção consagrado constitucionalmente no artigo 66º/2 CRP, cuja promoção se traduz tarefa do Estado (“incumbe ao Estado (…) prevenir…”) e o artigo 3º/ a) da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87 de 7 de Abril) que o define, em síntese, na prioridade que se deve dar a medidas que evitem danos ao ambiente, reduzindo ou eliminando as suas causas (“as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente à correcção dos efeitos dessas acções ou actividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente”)

A questão que brota aqui prende-se com a existência ou não de uma diferença entre princípio da prevenção e princípio da precaução. Há juristas que não defendem uma autonomização entre estes dois princípios, argumentando que são uma única e mesma coisa, e outros que, pelo contrário, entendem que apesar de realidades muito próximas, não se confundem possuindo, inclusive, características próprias.

Com efeito, prevenção é um termo polissémico mas o seu principal significado faz avultar uma ideia de antecipação dos danos “mais vale prevenir do que remediar”, com cada vez mais impacto numa sociedade em que já se começa a notar uma consciência da escassez crescente dos recursos naturais. Vasco Pereira da Silva pertence ao grupo de juristas que defendem o princípio em presença num sentido lato, não o distinguido do principio da precaução. Determina que “tem como finalidade evitar lesões ao meio Ambiente, o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de por em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos minorar as suas consequências”. Para este autor, a prevenção de que se fala não cobre apenas perigos concretos mas também os perigos abstractos, quer tenham a sua génese numa causa humana como numa causa natural.

No pólo oposto, encontramos autores que defendem uma dissociação dos princípios em causa, nomeadamente Ana Gouveia Martins e Gomes Canotilho. Para este "o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente". Entende que o princípio da prevenção se autonomiza do princípio da precaução, na medida em que este tem como finalidade evitar um risco desconhecido, ou pelo menos incerto, quando a ciência ainda não chegou a uma conclusão definitiva sobre os danos que podem resultar da actividade ou empreendimento a ser iniciado. Já o princípio da prevenção tem aplicação contra os riscos já conhecidos, seja porque já experimentados, seja porque existem técnicas capazes de prever a sua provável ocorrência.
Para Ana Gouveia Martins existe também uma diferença, alegando que o princípio da prevenção se destina a evitar perigos e o da precaução riscos sérios.
Com efeito, tem-se vindo a testemunhar nestes últimos tempos, uma tendência crescente no sentido de adoptar a acepção mais restrita do princípio da prevenção, atribuindo-lhe o papel de evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista, e autonomiza-la do princípio da precaução que terá uma dimensão mais ampla. Esta ideia parece, de resto, ir ao encontro do artigo 174º/2 TCE (“A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente, e do poluidor-pagador…”)

Não me parece, contudo, que faça sentido autonomizar estes dois princípios. Aqueles que o defendem fazem uso de argumentos muito pouco concretos assentes em critérios diversificados mas que a Regência, com a qual concordo, considera pouco adequados e válidos.
Primeiro, fazem o confronto entre causas naturais e causas humanas e o Professor entende que distinguir o âmbito da prevenção em razão de "perigos", decorrentes de causas naturais, e a precaução em função de "riscos", que seriam provocados por acções humanas, não procede numa sociedade em que as causas concorrem de forma intensa. Não existem técnicas capazes de prever ou distinguir rigorosamente qual a causa, se decorrente de facto natural se de comportamento humano, da ocorrência de lesões ambientais.
O critério de distinção também não poderá passar pela lógica da reacção actual ou futura dos riscos, ou seja, circunscrever o âmbito do princípio da prevenção aos perigos actuais e da precaução aos riscos futuros. Com efeito, todas as decisões tomadas quer relativamente a lesões ambientais como de avaliação de impacto ambiental ou licenciamento passam por um juízo de prognose que antecipará as consequências de riscos presentes e futuros. Eles estão interligados e como tal não se pode falar de um sem que se aborde o outro.
Alegam também o principio “in dúbio pro natura”, como uma presunção que obriga todo aquele que queira iniciar uma actividade económica a provar que a mesma não oferece perigo de produzir lesões ambientais. Contudo, a ser assim, estaríamos frente a um forte obstáculo ao desenvolvimento económico, na medida em que consubstanciaria um esforço excessivo para o interessado. De referir também que não existe um “risco-zero” para o Ambiente. Ele existirá sempre.
Recorro igualmente a um argumento literal já proposto pelo emérito Professor, em defesa da adopção de uma noção ampla de prevenção que me parece assegurar melhor a tutela ambiental. Ora, na língua portuguesa prevenção e precaução são sinónimos. Como tal, quando estas expressões forem usadas no âmbito da disciplina de um ramo do direito como é o Direito do Ambiente, devem conter o mesmo conteúdo para não gerar equívocos como aqueles que deram origem a este debate.
Vasco Pereira da Silva conclui ainda que “o ordenamento jurídico português eleva a prevenção a categoria de princípio constitucional, com todas as consequências jurídicas que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos…”Assim sendo, abraço a posição assumida pela Regência, e contesto uma autonomização dos princípios em destaque.