terça-feira, 28 de abril de 2009

A perspectiva antropocêntrica do artigo 66 da CRP

O artigo 66º da Constituição da República de 1976 foi o primeiro artigo ambiental consagrado ao nível constitucional português ainda que Constituições anteriores já houvessem disposto em alguns dos seus artigos uma tendência miníma de conservação e promoção ambiental.
Da leitura do artigo supracitado e da sua epígrafe "Ambiente e qualidade" denota-se claramente uma perspectiva antropocêntrica do ambiente enquanto bem jurídico fundamental do Homem. Esta é uma perspectiva que assenta na Natureza enquanto bem para o Homem, enquanto fonte de "bens naturais com utilidade para a vida humana, como meios de satisfação de necessidades vitais e de incremento do bem-estar. Trata-se de tutelar o ambiente consoante a sua capacidade de aproveitamento e o seu valor é calculado à medida das necessidades do homem que dele se aproveita" (1).
De facto, para além da relação que se estabelece entre ambiente e qualidade de vida, há uma interligação entre a matéria ambiental e o ordenamento do território e a defesa da qualidade ambiental das povoações e da vida humana, a protecção das zonas históricas e, em geral, a preservação de valores culturais de interesse histórico, artistíco e arquitectónico. Na própria Lei de Bases do Ambiente ( Lei n.º 11/87, 7 de Abril) no artigo 5º n.º2 alínea a) se verifica essa perspectiva antropocêntrica no conceito de ambiente.
Esse direito ao ambiente poderá ter dois tipos de leituras: uma positiva, de dever de defesa do ambiente, incumbindo a todos que não poluam e que impeçam que outros o façam; e uma outra negativa, que vincula tanto os particulares como o Estado de se absterem de práticas ambientalmente prejudiciais. Com efeito, o Estado, como Estado de Ambiente, tem um papel fulcral na tarefa de defesa, protecção e promoção ambiental, prevenindo e controlando as acções poluidoras, corrigindo as situações e os efeitos da poluição e erosão dos solos, planeando a correcta localização das actividades económico-sociais, conservando a natureza e o património cultural e natural e acima de tudo tomando medidas em matéria de política ambiental que resultem de uma ponderação global de um conjunto de factores ambientais e humanos assentes numa visão actual e futura, que permitam o tão procurado equilíbrio ecológico que se resume a três objectivos: a protecção da natureza e dos recursos, o combate à poluição e às disfunções ambientais e a melhoria da qualidade de vida humana. Além da intervenção do Estado para garantia do direito ao ambiente, é também reconhecido a todos os cidadãos e organizações o direito/dever de utilizarem diversos mecanismos de participação em prol da defesa do ambiente como as acções de manisfestação, as acções de representação individuais ou colectivas ao abrigo dos direitos gerais de manifestação, o acesso à informação ambiental, os meios impugnatórios administrativos e os meios jurisdicionais, inclusivé a tão conhecida acção popular.
No entanto, e ainda que a perspectiva antropocêntrica tenha benefícios ao nível da defesa do ambiente, o certo é que traz consigo alguns pontos negativos como bem refere Carla Amado Gomes (2):
- ao nível da politica ambiental, a opção por uma visão centrada na Natureza como bem ao serviço do Homem pode reflectir-se na formulação de decisões ao nível da política ambiental nem sempre correctas, a qual deve segundo o artigo 2º n.º2 LBA "ter por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais";
- ao nível da educação ambiental, esta perspectiva "dificulta a formação de uma consciência ambiental, de responsabilidade, cívica e jurídica, relativamente ao património natural, base da vida humana na Terra",
- ao nível do objecto do Direito do Ambiente, torna-se problemático ter uma consideração una do que seja ambiente, resultante de um conjunto amplo de componentes ambientais naturais (artigo 6º LBA) e complonentes ambientais humanas (artigo 17º n.º3 LBA).
A meu ver, o legislador constitucional deveria ter optado por uma perspectiva ecocêntrica, na medida em que não é o Ambiente que tem de viver em função do Homem, mas o Homem em função do Ambiente. Isto é, o ambiente enquanto realidade autónoma deve ser preservado, pois é essencial à existência humana e de demais espécies que acabam por ser uma parte integrante dele. O Homem na sua busca insesante pela qualidade de vida num ambiente equilibrado acaba por o destruir muitas vezes para alcançar o conforto que tanto deseja, danificando, provocando danos muitos deles irreparavéis. Desta forma, e com essa preocupação ambiental nasce não apenas o direito ao ambiente, mas "o direito do ambiente para salvar o homem da devolução natural da sua agressão". A espécie humana e a continuidade intergeracional em muito dependem da conservação e manutenção dos ecossistemas que têm sido postos em causa pelas mudanças climatéricas, hidrográficas e edáficas que se têm registado nos últimos tempos. Ainda assim, defendo que mais que uma preocupação doutrinária em rotular o artigo 66º da CRP, haverá que procurar um equilíbrio entre a capacidade de aproveitamento humano dos bens naturais e a Natureza em si.
Conclui-se, portanto, que a opção do legislador português no âmbito do artigo 66º da CRP vai ao encontro de uma visão utilitarista da Natureza em relação ao Homem.