Cumpre-nos analisar a autonomização ou NÃO dos princípios da prevenção e da precaução. Assumiremos para esta "encruzilhada" (saber se o princípio da precaução, como nova realidade a integrar o domínio ambiental, se deve considerar, face ao princípio da prevenção, como princípio jurídico autónomo ou, pelo contrário, se deve entender como integrado no princípio da prevenção), uma perspectiva sobre o conteúdo material, deixando para trás a argumentação de ordem linguística, bem como a referente à técnica jurídica, também elas importantes na sustentação da posição do Prof. Vasco Pereira da Silva que adiante esclareceremos.
Não obstante a constituição referir a prevenção como também a precaução, o legislador não deixa clara a assunção de uma distinção, e daí as dúvidas doutrinárias. Para uns, o legislador delimitou os dois princípios, já para outros, não será assim.
A ideia de prevenção encontra-se subjacente a quase todas as disposições da Constituição do Ambiente, mas encontrou consagração expressa, no nº2, do art. 66.º, quando se estabelece que "para assegurar o direito ao ambiente (...) incumbe ao Estado (...)": "a) prevnir e cntrolar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão". Encontra também consagração no artigo 3º, a), da Lei de Bases do Ambiente . Este principio como proclamado pelo Prof. Vasco Pereira da Silva "tem como finalidade evitar lesões do meio ambiente, o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, sejam elas de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção de meios mais adequados para afastar a sua verificação ou minorar as suas consequências". O que se visa com a consagração deste princípio é evitar a produção de danos para o ambiente, e não a reacção a tais lesões, ainda que a prevenção e a repressão passam andar associadas, na medida em que a existência de mecanismos eficazes de contencioso ambiental possui um efeito dissuasor de eventuais comportamentos ilícitos, desempenhando indirectamente uma função preventiva. De facto, numa sociedade em que são cescentes os factores de risco para a Natureza (e que são a contrapartida das vantagens inerentes à sua utilização), a consciênia hoje generalizada da escassez e da perenidade dos recursos naturais torna imperiosa a aplicação jurídica da regra - de senso comum - de que "mais vale prevenir do que remediar". Daí que se possa afirmar que o Direito do Ambiente constitui um domínio jurídico forçosamente "ancorado no princípio da prevenção" (Gomes Canotilho).
O princípio da precaução, para quem defenda que é um princípio autónomo, significa segundo Gomes Canotilho que "o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente". Este princípio na sua essência não seria fruto de reflexões científicas, mas sim de preocupações práticas e prementes relativas ao aumento da poluição pois o homem deveria antecipar, apesar da incerteza científica, os danos que de forma grave e irreversível poderiam lesar os bens ambientais, estes danos deveriam ser evitados.
Nos últimos tempos, contudo, tem-se vindo a desenvolver uma importante tendência doutrinária o sentido de assimilar o princípio da prevenção à sua acepção mais restritva (destina-se a evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista), ao mesmo tempo que se procede à autonomização de um princípio da precaução, de conteúdo mais amplo.
Como expresso na frase que me proponho a comentar, ao invés da distinção dos dois prinípios supra referidos é preferivel a construção ampla de uma noção de prevenção (visa afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros; da mesma maneira como permite antecipar situações susceptíveis de lesar o ambiente, quer sejam provenientes de causas naturais, quer de condutas humanas), adequada a resolver os problemas com que o jurista do ambiente se depara entre outras razões pela falta de unívocidade dos critérios de distinção entre prevenção e precaução, muito menos os resultados a que conduz a autonomização deste último princípio, cujo conteúdo, algo incerto, pode ir desde uma sensata exigência de ponderação jurídica consideradora da dimensão ambiental dos fenómenos, até a interpretações eco-fundamentalistas, susceptíveis de afastar qualquer realidade nova – a qual, na dúvida, pode ser sempre objecto de irracional desconfiança e, desde logo, considerada "culpada" de lesão ambiental.
As propostas de autonomização do principio da precaução assentam em critérios muito diversificados, nem sempre permitindo separar de forma inequívoca os domínios correspondentes a essa nova realidade. A regência avança alguns destes critérios, demonstrando a sua desdequação:
Causas naturais vs. acções humanas: distinguir o âmbito da prevenção em razão de "perigos", decorrentes de causas naturais, e a precaução em função de "riscos", que seriam provocados por acções humanas, é totalmente falível já que na sociedade (pós-)industrializada dos nossos dias, as lesões ambientais são o resultado de um concurso de causas em que é impossível distinguir rigorosamente factos naturais de comportamentos humanos.
Carácter actual vs. carácter futuro dos riscos: despropositado visto que, no domínio das lesões ambientaisou de avaliação de impacto ambiental uns e outros se encontram interligados sendo necessário proceder à realização de juízos de prognose que permitam considerar ambos simultânea e conjugamente.
"In dubio pro natura": não se considerar muito adequado reconduzir a ideia de precaução a um princípio de "in dubio pro natura". Pois, das duas uma, ou se trata apenas de um princípio de consideração da dimensão ambiental dos fenómenos e, nesse caso, não só é plenamente justificado como não se vê porque não há-de integrar o conteúdo da prevenção, ou é uma verdadeira presunção, que obriga quem pretende iniciar uma qualquer actividade a fazer prova de que não existe qualquer perigo de lesão ambiental e, então, atribuir dimensão jurídica a tal princípio representaria uma carga excessiva, inibidora de qualquer nova realidade, seja em que domínio for, uma vez que o "risco zero" em matéria ambiental não existe.
Face a toda esta problemática e depois de apresentada então, a contestação à autonomização destes dois princípios, feita pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, é ainda de salientar que o Prof. julga ter havido um lapso de tradução: precaution deveria significar prevention. No fundo, o significado é o mesmo. Se se autonomizasse a precaução da prevenção, atribuir-se-ía à primeira um conteúdo eco-fundamentalista, o que, não parece fazer sentido. Os critérios utilizados para distinguir os dois supra citados, não são sustentáveis: o facto de se tentar unir prevenção/perigo e precaução/risco é desadequado e traduz-se somente numa redundância. Desta feita, seguimos a posição do Professor Vasco Pereira da Silva que adopta um conteúdo amplo para o princípio da prevenção, " de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom-senso". Assumimos assim que a INDEPENDÊNCIA do princípio da precaução é improcedente se tivermos cientes da sociedade de riscosem que nos inserimos, caíndo no saco do princípio da prevençao os perigos provenientes de causas naturais bem como os derivados da acção humana, a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, de acordo com critérios de razoabilidade.