sábado, 18 de abril de 2009

Algures entre o "Antro" e o Ecocêntrismo

Na 5ª tarefa proposta, surgem três questões, todas elas complexas, tanto no sentido da dificuldade que acarretam para serem respondidas, como na profundidade temática de que são espelho.

Este post é, portanto, um exercício de resposta a todas elas, sem a pretensão de estabelecer dogmas de espécie alguma.

Pergunta-se, em primeiro lugar qual a perspectiva constitucional do Direito do Ambiente. Para a perceber, cumprirá repartir entre a analise da Lei Fundamental e as vozes da doutrina os verbos finais a aplicar em sede de réplica. Em segundo lugar, terá que existir uma opinião mais pessoal, até mesmo mais crítica, quando a questão é saber se concordamos com o que nos diz a constituição. Finalmente, algum juízo de sinépica se exige, ou não fosse isso mesmo prever as consequências da tomada de posição do legislador constituinte.

Vamos, então, por partes.
Qual é a perspectiva do artº 66 da CRP do Direito do Ambiente? A primeira tarefa é ver o que nos diz o texto legal. A previsão da norma é bem elucidativa, diz-se que “Todos têm direito”. Ora bem, sem mais delongas, poderia dizer-se, apoiado na letra da lei, que a visão é, exclusivamente, antropocêntrica. A apoiar esta leitura, temos dois ilustres constitucionalistas, a saber Vital Moreira e Gomes Canotilho que, na sua Constituição anotada, quando se debruçam sobre este preceito, ao lembrar a articulação existente entre ambiente e qualidade de vida, não escapam ao comentário de afirmar o ambiente como um valor em si, mas que não deixa de ser, também, um valor necessário para existência do ser humano. O que é que se retira, imediatamente, daqui? Proteger o ambiente é conditio sine qua non de protecção do ser humano. A bem da verdade, o Direito surge para resolver problemas. Haverá problema maior que a sobrevivência?

Embora se possa concluir que a Constituição apela à dita “teleologia antropocêntrica”, a verdade é que não se pode descurar que o Direito ao Ambiente existe em sentido negativo e positivo. Em sentido negativo proíbe acções nocivas, por parte do Estado e de terceiros. Lembremo-nos do princípio da precaução e da prevenção, que terão ligações intímas ao que é dito. Por outro lado, há um sentido positivo, já postulado também na Constituição, no seu artº 9, alinea e), que “obriga” a acções de protecção, até mesmo de tutela penal e contra-ordenacional. A pergunta é: será que está descartada uma leitura ecocêntrica do artº 66º da CRP? A resposta é: de forma alguma. Tudo tem de partir de uma ideia de lógica: é possível proteger a supra citada sobrevivência sem proteger o ambiente? Se é verdade que a constituição põe o ambiente “ao serviço” do ser-humano, não se pode esquecer que só se tem um ambiente sadio e equilibrado se for protegido. Daí a tutela, daí ser tarefa do Estado, daí todo o desenvolvimento do artº66/2. O que se quer fazer perceber é o seguinte: se o ambiente é para todos, todos têm de ajudar o ambiente. Há uma lógica circular, de interacção, o que faz concluir que não há verdadeiramente uma exclusiva leitura antropocêntrica nem ecocêntrica, mas antes, preferencialmente, considero que o artº 66, tomado no seu todo, não apenas pela parte, adopta uma visão, uma teleologia rondocêntrica, em que o homem disfruta do meio ambiente mas contribui para a a sua preservação e protecção.

A segunda questão é se há concordância pessoal com a perspectiva adoptada. A resposta tem de ser um cabal “sim”. Como a entendo, a constituição adopta um misto de perspectivas antro e ecocêntricas. Nem podia ser de outra maneira. Na verdade, originário da constituição de 1976, o artº66 exprime, de forma expressa, a preocupação hodierna com o futuro da humanidade. Se, no passado, as discussões públicas e políticas eram monopolizadas pelos temas Segurança e Economia, aparece um novo valor a defender e preservar. A redacção é feliz e as ideias são claras. Há alguma doutrina, designadamente a do prof. Vasco Pereira da Silva, a “puxar” este direito para o regime dos Direitos, Liberdades e Garantias e a tratá-lo como Direito Subjectivo Público. Sendo que a discussão acerca da defensabilidade dessas posições nos levaria a outro post, tal não deixa de ser um sinal da força que o ambiente, enquanto bem digno de tratamento constitucional merece. Pensar no Homem e pensar no ambiente é algo perfeitamente válido.

A última questão prende-se com as consequências da opção tomada pelo legislador constitucional. Elas existem e pode ser de vária ordem, desde jurídicas, práticas e políticas.

A nível de consequências jurídicas, as mais imediatas são a verificação da bateria de diplomas legais que surgem, quase todos os dias, para defesa do meio ambiente. Enumerá-los seria missão para a personagem Ethan Hunt, da missão impossível. Por outro lado, e isto é uma consequência que pode gerar questões de fundo, se tomarmos o ambiente como direito fundamental, com regime aplicável análogo aos Direitos Liberdades e Garantias temos que ver com ele bulir outros direitos relevantes, como são a Liberdade de Iniciativa Económica, presente no artº61 da Lei Fundamental e até mesmo o Direito de Propriedade Privada, artº62 CRP. Não raramente, teremos particulares a quererem valorizar os seus imóveis com construções e não poderem. Do mesmo modo, poderemos ver o espírito empreendedor ser fulminado e travado, com o fundamento da sua actividade ser nociva ao meio ambiente. Com isto temos de concordar: se bem virmos, o ambiente vai sempre faíscar com outros direitos que têm um reflexo patrimonial latente. Todavia, não nos podemos esquecer que defender o ambiente é defender a vida do ser-humano. Verdade seja dita: não há valor superior à vida, ainda que esta não seja absoluta. Tratar o ambiente desta forma é mais que louvável, chega a ser uma obrigação.

As consequências práticas vêm a reboque das jurídicas. Teremos, seguramente, um meio ambiente mais estável, melhor, porque é defendido. Por outro lado, haverá agentes do poder económico, grandes ou pequenos, pugnando por uma brecha que abra tanto que extermine a dignidade que o ambiente merece.

A nível político, o valor ambiente e a perspectiva constitucional adoptada leva, numa primeira análise, à ponderação de mais uma questão nas decisões públicas e transporta à mente dos decisões e legisladores a lembrança de pensar no futuro, que se garante de forma mais estável.

Concluindo, adoptar a citada perspectiva rondocêntrica não é resvalar, medo comum da doutrina ambientalista, para o ecofundamentalismo, é pensar num amanhã que existe. A CRP adoptou essa visão e, até agora, não se pode dizer que as consequências tenham sido nefastas. A lei fundamental é verde por nós e pelo ambiente.