quinta-feira, 30 de abril de 2009

O Direito do Ambiente e o seu objecto

Antes de tecer comentários à afirmação transcrita acerca do objecto de estudo do Direito do Ambiente, importa desde já ter presente a utilidade e importância da opção por uma perspectiva antropocêntrica ou por uma perspectiva ecocêntrica. Para a primeira, a defesa do ambiente é algo instrumental, feito com o objectivo principal de defender a vida humana. Para a segunda, o ambiente assume-se como um valor eminente, tutelado em si mesmo e enquanto tal. De facto, e como bem questiona Gomes Canotilho, “deverá proteger-se o ambiente pelo próprio ambiente, em face do valor que ele tem em si e em face dos direitos de que a comunidade biótica deverá gozar ou, ainda aqui, é «apenas» a vida do homem que se pretende assegurar em condições dignas de existência”?
Aquando da definição do objecto de estudo do Direito do Ambiente surgem algumas dificuldades e contradições desde logo por causa da discussão doutrinária e ambiguidade legislativa entre a adopção ou preferência por um conceito amplo de ambiente ou por um conceito restrito. A fazer-se uma interpretação maximalista, o conceito de ambiente abrangeria tanto os componentes ambientais naturais como os componentes ambientais humanos. Pelo contrário, uma interpretação restritiva do conceito de ambiente apenas incluiria os componentes ambientais naturais.
O artigo 66º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito de todos a “um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, perfilhando assim uma visão antropocêntrica do ambiente e uma concepção ampla deste conceito. A Lei de Bases do Ambiente, por sua vez, concretiza claramente aquela opção, absorvendo, segundo Carla Amado Gomes, “os valores da preservação do património cultural e da correcta gestão urbanística”. Veja-se o artigo 5º, a), da LBA, que afirma que o ambiente é “o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem”. Esta definição é tão ampla que o legislador teve de a decompor em dois grupos diferentes: o dos componentes ambientais naturais (o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna) e o dos componentes ambientais humanos (a paisagem, o património natural e construído e a poluição) - artigos 6º e 17º.
Aquele conceito amplo tem a vantagem de se identificar com o meio ambiente que envolve e rodeia o homem, adequando-se mais à realidade em que vivemos, pois, segundo Fuentes Bodélon, “todos os factores que integram o mundo natural estão relacionados em interacção contínua e profunda, (…) dando-se esta relação também com o mundo artificial ou humano”. Porém, este interpretação ampla do conceito de ambiente padece de defeitos. Na verdade, uma tal amplitude causará perda do efeito útil daquele conceito, tornando-o inoperativo, pois será “encarado a partir de uma grande diversidade de pontos de vista”, tornando “a sua prestabilidade para o discurso jurídico no mínimo duvidosa”. Pereira Reis afirma que o conceito de ambiente, ao abarcar tanto os elementos naturais como os económicos, sociais e culturais, vem a significar “tudo aquilo que nos rodeia e que influencia, directa ou indirectamente, a nossa qualidade de vida e os seres vivos que constituem a biosfera”.
Face àquela heterogeneidade, muitos autores têm defendido a adopção de um conceito restrito de ambiente, centrado nos componentes ambientais naturais. De facto, é o que já postula o artigo 2º nº2, da LBA, quando afiança que “a política do ambiente tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais”, pondo o acento tónico nestes enquanto núcleo central da noção jurídica de ambiente.
Como defende Carla Amado Gomes,” o Direito do Ambiente só faz sentido se for reduzido ao seu núcleo próprio, que é o da preservação da capacidade regenerativa dos recursos naturais, sujeitando os utilizadores a princípios de gestão racional daqueles. O resto”, continua, “é com outros ramos do Direito”.
Em suma, dever-se-á fazer uma interpretação restritiva do conceito de ambiente, não descuidando, é certo, os componentes ambientais humanos que, em algumas situações, poderão evitar desvios à unidade do sistema jurídico. Estes devem ser tidos em conta e regulamentados de forma adequada a não porem em causa os componentes ambientais. São elementos “construídos” pelo homem que deverão ser objecto de outros ramos do Direito, designadamente dos Direitos Urbanístico, do Ordenamento do Território, do Património Cultural e da Saúde Pública. É de salientar que todos estes ramos em causa são intercomunicáveis, relacionando-se entre si, desde logo porque possuem objectivos convergentes e implicam, muitas das vezes, articulação de políticas. Mas, como certifica Freitas do Amaral, “uma coisa é haver sobreposições, implicações, interacção de conceitos, políticas e normas de natureza distinta; outra é integrar tudo numa única noção tão ampla e abrangente que tudo confunda, e não permita criar identidades próprias e particularidades específicas”.