O conceito de avaliação de impacte ambiental nasceu nos E.U.A. com a elaboração da Lei de Política Ambiental, em 1969, que veio institucionalizar a realização dos estudos de impacte ambiental. Tinha, pois, como objecto, a optimização dos métodos tradicionais de avaliação de projectos que se mostravam insuficientes e indiferentes a aspectos como a protecção do meio físico ou o uso racional de recursos naturais.
Actualmente, com a densificação de estudos sobre o impacte ambiental, podemos afirmar que este existe "quando um projecto ou uma actividade provoca uma alteração, favorável ou desfavorável no ambiente ou em alguns dos seus elementos" (cfr. Sandra Pereira). Estes impactes podem ser directos ou indirectos, produzir-se a curto ou longo prazo, ser de curta ou longa duração, reversíveis ou irreversíveis, prováveis ou inevitáveis.
Qualquer que seja o carácter dos efeitos que determinado projecto ou actividade em causa, é hoje indiscutível, na maior parte dos Estados, que estes têm que ser objecto de uma avaliação cuidada, que os determine e que permita a adopção de uma política ambiental adequada. Podemos então afirmar que o procedimento de avaliação de impacte ambiental (a partir de agora, AIA), desempenha 4 funções essenciais:
a) de conhecimento, na medida em que permite a obtenção de informação aprofundada sobre eventuais impactes ambientais de determinados projectos, servindo de base a uma política preventiva;
b) de coordenação, permitindo a associação e concertação de várias entidades, bem como a intervenção do público interessado;
c) de flexibilidade, uma vez que permite a consideração de alternativas e de medidas de protecção a adoptar relativamente a determinado projecto;
d) de consenso, decorrente da participação pública, ao favorecer o diálogo e afirmar a transparência na acção administrativa.
Tomando em consideração a Directiva aprovada pelo Conselho em 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (85/337/CEE), esta surge no seguimento do 1º e 2º Planos de acção comunitária em matéria de ambiente, através dos quais os órgãos comunitários levaram a cabo uma política ambiental preventiva.
A proposta da Comissão relativamente à adopção desta directiva foi primeiramente apresentada em 1980, tendo sido alterada em 1982, passando a integrar a perspectiva do Parlamento Europeu. A sua adopção formal ocorreu em 1985, sendo que existem 2 grandes fundamentos para a sua aprovação:
1) A consideração de que a AIA de determinados projectos constitui um óptimo instrumento para uma política preventiva, o que revelara ser uma das prioridades da CE em matéria ambiental;
2) A constatação de que as eventuais diferenças entre as várias legislações nacionais em matéria de AIA poderiam conduzir a graves distorções no mercado comum e assim lesar a aplicação do princípio da livre concorrência.
A Directiva comunitária aplica-se, assim, à "avaliação dos efeitos no ambiente dos projectos públicos e privados susceptíveis de terem um impacto considerável no ambiente", projectos estes que se encontram especificados em 2 listas (anexos I e II), sendo que todos eles sao considerados como susceptíveis de produzir efeitos consideráveis no ambiente. Porém, enquanto que no anexo I os projectos são sempre tidos como susceptíveis de terem um significativo impacte ambiental, no anexo II, os projectos previstos podem tê-lo ou não, consoante as circunstâncias do caso concreto (art. 4º/2 Dir), sendo que os critérios da submissão de cada projecto (do anexo II) à AIA podem ser fixados pelos Estados (cfr. art. 4º/2 b)).
Em termos gerais, o procedimento de AIA tem por objecto identificar, descrever e avaliar "os efeitos directos e indirectos de um projecto" sobre alguns factores: o homem, a fauna, a flora, o solo, a água, o ar... (cfr. art 3º Dir.). Este procedimento surge-nos como um subprocedimento, uma vez que se integra num outro, mais amplo - o procedimento de licenciamento ou autorização de um projecto - sem que com ele se identifique. Podemos distinguir 3 fases neste "subprocedimento".
1) a fase de recolha de informação, da responsabilidade do dono da obra (art. 5º/1);
2) a fase de consultas, que tem início com a entrega das informações recolhidas à entidade competente para a autorização do projecto, que as deverá remeter à autoridade competente em matéria de AIA para que esta emita o seu parecer e para que sejam alvo de apreciação do público (art. 6/1, 2 e 3);
3) a fase da decisão, na qual são tidos em conta, pela entidade competente, todos os elementos recolhidos (opiniões, informações...) na elaboração de um "statement, contendo a quantificação e a qualificação dos presumíveis efeitos ambientais do projecto" (Luís Filipe Colaço Antunes, O Procedimento Administrativo de Avaliação de Impacto Ambiental, pg, 343). Este "parecer" não deve ser confundido com a decisão final sobre a autorização do projecto, antes sendo um "instrumento auxiliar, mas decisivo, do acto final" (idem).
Esta Directiva comunitária tem como prazo de transposição para os ordenamentos jurídicos nacionais o prazo de 3 anos (12/1).
A Directiva pretende estabelecer uma regulação mínima realitavamente ao regime jurídico da AIA. Aos Estados é deixada a liberdade de fixar regras mais restritas quanto ao âmbito de aplicação do procedimento, bem quanto aos termos nos quais este se desenrolará. A aplicação das regras da Directiva é controlada nos seus próprios termos, na medida em que se impões aos Estados a obrigação de comunicar à Comissão o conteúdo do texto nacional de transposição, bem como critérios eventualmente adoptados (11/2 e 12/2).
Apesar de constituir uma iniciativa bastante significativa na construção de uma política comunitária de prevenção em matéria de ambiente, o sucesso da implementação desta Directiva está dependente da forma como esta será transposta para os direitos nacionais dos Estados Membros, bem como da forma como os ordenamentos nacionais (principalmente aqueles que não dispunham de quaisquer procedimento deste tipo) se adaptarão a este sistema.
A transposição de Directiva e a elaboração do regime do procedimento da AIA foi instituído pelo DL 186/90, de 6 de Junho e pelo Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, transposição que, além de tardia, se revelou algo infeliz.
De facto, o regime adoptado encontrava-se incompleto e com alguns elementos em falta, nomeadamente no que toca à obrigação de os Estados Membros transmitirem a outros Estados Membros , quando os projectos possam neles ter impacto, as informações fornecidas pelo dono da obra e aquelas relativas à decisão (arts. 7º e 9º Dir); ao âmbito temporal do procedimento da AIA; à forma como será exercida a participação pública; à distinção entre diferentes tipos de projectos. No fundo, verificou-se que houve uma má adaptação da Directiva à situação nacional.
O DL 69/2000 vem substituir o quadro legal vigente em matéria de AIA e procede à transposição da Directiva 97/11/CE, que introduziu alterações na Directiva 85/337/CEE, vindo consagrar uma nova realidade jurídica nesta sede. Porém, o excesso de regulamentação que este novo regime revela veio conduzir a uma exagerada objectividade e rigidez do procedimento.
Ultrapassadas algumas incorrecções na transposição da Directiva comunitária pelo legislador nacional, avulta neste diploma um elemento que, a meu ver, constitui uma violação do direito comunitário. Está aqui em causa a figura do deferimento tácito, previsto no art. 19º do DL 69/2000 e que se mantém na redacção do DL 197/2005, que procede à revisão daquele. Prevê então este artigo que, ultrapassados que estejam determinados prazos sem que a autoridade competente haja emitido uma decisão acerca do procedimento de AIA, esta se considera favorável.
Além de não haver qualquer referência, em nenhuma das directivas comunitárias sobre a matéri, a uma figura de deferimento ou indeferimento tácitos, apenas podemos concluir que esta opção do legislador nacional vai contra os objectivos pretendidos pela Directiva. Neste sentido se pronunciou já o TJ um acórdão de 14 de Junho de 2001 (Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-04591), Comissão contra o Reino da Bélgica, sobre uma acção em que estava em causa a transposição incorrecta de várias Directivas, na medida em que o regime belga previa as figuras do deferimento e indeferimento tácitos em casos em que a Directiva exigia uma efectiva decisão ("Com efeito, se a autoridade competente não se pronunciar em primeira instância acerca de um pedido de autorização, considera-se que esta é recusada. Pelo contrário, em segunda instância, no silêncio da autoridade competente no prazo previsto, considera-se que a autorização é concedida. Tal é, no essencial, o sistema previsto nos artigos 34.° a 42.° e 49.° a 55.° da Decisão do Governo da Flandres, de 6 de Fevereiro de 1991, que institui o regulamento relativo à autorização ecológica ").
O TJ afirmou que esta opção não se mostrava em conformidade com o pretendido pelas Directivas em causa: "uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências das directivas visadas pela presente acção, uma vez que estas prevêem, quer (...) mecanismos de autorizações prévias quer (...), processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização. As autoridades nacionais são, por conseguinte, obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados".
Parece que, admitindo-se a existência de uma figura de deferimento tácito, se está a possibilitar a hipótese de um determinado projecto obter uma decisão favorável sem que tenha sido efectivamente alvo de uma avaliação concreta por parte de entidade competente, em clara violação do direito comunitário.
Assim, nada parece impedir que um particular, invocando em juízo o efeito directo da Directiva (uma vez que esta, atribuindo direitos aos particulares - nomeadamente, o de não serem afectados por projectos que tenham um impacto ambiental sem que este tenha sido efectivamente avaliado por uma actividade competente e o de participarem no procedimento da sua avaliação -, é incondicional e suficientemente precisa (cfr. Ac Van Duyn)), venha exigir a efectiva aplicação das normas relativamente às quais o direito nacional se demonstra desconforme.
Ademais, insistindo na manutenção da figura do deferimento tácito, o Estado português incorre no risco de vir a ser accionada pela Comissão no âmbito de um processo de incumprimento do direito comunitário, nos termos do 226º TCE.