Começo por lançar diversas questões a uma plóemica e ainda hoje parece estar longe de terminar. O túnel rodoviário do Marquês de Pombal esteve desde o início envolto em polémica: primeiro quanto à sua necessidade, no contexto de um desenvolvimento ordenado da cidade e da sua rede de circulação viária, depois quanto ao “timing” e ao modo de lançar e executar a obra, nitidamente condicionada pelo calendário eleitoral e, por isso, alvo de inúmeras críticas pela insuficiente sustentação técnica e pela ausência de estudo de impacto ambiental.
Não está o Estado dotado de organismos responsáveis pela avaliação de impacto ambiental, pelo acompanhamento dos processos, por arrumar a sua própria casa?? Uma Autarquia é Estado. Será saudável um Estado (independentemente do partido político que governa) sujeitar-se a acções movidas por associações ambientais de ídole política, lançando a confusão na opinião publica? Não deveria ser o contrário, um Estado esclarecedor e isento, um verdadeiro exemplo?
Ao que parece são obras como a do Túnel do Marquês que atestam a eficácia do poder público, dos tribunais, das legislações e até mesmo dos direitos de cada cidadão.
Contudo no caso em apreço, a Avaliação de Impacto Ambiental padece de vários problemas que muito provavelmente têm a sua origem no facto de a sua existência e conteúdo poderem determinar a existência ou não de determinado projecto.
Os tribunais na sua decisão sobre o caso em apreço, tomaram inicialmente ( primeira instância) uma posição objectivista, fortemente colada ao n.º 2 do art.º 1.º da Lei da AIA e procuraram por actos de controcionismo interpretativo aguçado enquadrar a situação de facto num dos anexos do mesmo. Contudo, sendo verdade o conteúdo e função da AIA anteriormente avançado não de deixa de suscitar perplexidadede, que se partirmos de tal entendimento se venha a ter uma necessidade imperiosa de encontrar preenchido por esta situação de facto o elemento constante dos anexos.
A questão central e comum a estes três acordãos, para efeitos do Direito do Ambiente, é a de saber se a obra do Túnel do Marquês estaria sujeita ao regime do Decreto-Lei 69/2000 de 3 de Maio e será sobre as conclusões dos acordãos sobre esta questão que focarei o meu comentário. Acaba, no fundo, por ser tudo uma questão de âmbito...Assim, temos que, tanto o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAF) como o Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA) consideraram que o projecto estaria sujeito a prévia Avaliação de Impacto Ambiental (se bem que com fundamentos distintos), ao contrário do Supremo Tribunal Administrativo, que concluiu o oposto. Analisando o diploma, em concreto o seu art.º 1, referente ao âmbito de aplicação material, encontram-se três tipos de situações sujeitas a AIA. São elas as constantes dos números 3, 4 e 5, com a exclusão das previsões do n.º 6. Assim, na falta de previsão nos anexos (n.º 3), decisão da entidade licenciadora (n.º 4) ou decisão dos membros do Governo competentes (n.º 5) o projecto não estará sujeito a AIA. Os números 1 e 2 não constituem uma cláusula geral (sistema aberto) mas antes uma delimitação do objecto do procedimento de AIA, na medida em que caracterizam os projectos sujeitos a estes e não o contrário. É a diferença entre dizer que os projectos susceptíveis de provocar impacto no ambiente estão sujeitos a AIA (cláusula geral) ou que o regime de AIA se aplica a estes projectos (delimitação do âmbito). Subtil, mas de extrema relevância. Nem tal podia ser de outra forma, sob pena de submeter o exercício de direitos (nomeadamente a propriedade) a uma apreciação casuística de conceitos indeterminados pela administração não suficientemente vinculada, o que seria até atentatório da segurança jurídica. Do ponto de vista do direito aplicável, concordo, por isso, com a posição do STA, neste caso concreto. Ao contrário de outras situações na nossa jurisprudência, parece-me não ser esta uma situação em que o tribunal superior, seja por conservadorismo, seja por negação dos valores ambientais, recusa a prevalência dos interesses ambientais, mas ser antes um problema da própria elaboração da legislação. O Direito do Ambiente é um direito novo, facto que é verdadeiro não só para os tribunais, mas também para o legislador, pelo que falhas de previsão não serão raras. Há que tentar acompanhar a evolução da ciência jurídica e aperfeiçoar a legislação. Sim, porque do ponto de vista da Justiça Ambiental, é claro que uma obra de tamanha magnitude tem de estar sujeita a AIA... Só falta é dizê-lo expressamente.
Acho que não vale a pena, querendo não ser repetitiva, discutir aqui o conceito de estrada, ao passo que tal, também pouco adiantaria dada a sensibilidade da área em questão.
Acho que não vale a pena, querendo não ser repetitiva, discutir aqui o conceito de estrada, ao passo que tal, também pouco adiantaria dada a sensibilidade da área em questão.
Contudo também deixo a questão, se lermos a nossa legislação referente a avaliação de impacto ambiental é fácil encaixar aquela obra no conjunto das que necessita de estudo de impacto ambiental? Para além do que o bom senso aconselharia, também o normativo legal parece não deixar dúvidas sobre a necessidade de AIA.
Apesar de toda a polémica, penso que a lição mais importante a retirar é o facto de os cidadãos portugueses começarem a ter ao seu dispor “ferramentas” de participação pública que lhes permitem um papel mais interventivo nos processos de decisão quando o que está em jogo é a sua qualidade de vida, num território gerido e desenvolvido em função das suas necessidades e não dos interesses especulativos das grandes construtoras ou da ambição pessoal da “elite” política.