Neste comentário, relativo à informação, ou melhor, ao direito à informação ambiental, irá, não só fazer-se a análise do Acordão n.º 136/2005 do Tribunal Constitucional ( TC) e das questões conexas, mas, também se abordará, sucintamente, o novo e específico regime da Lei do Acesso à Informação sobre Ambiente ( LAIA, daqui em diante), não só porque é posterior ao Acordão e, portanto, revela a evolução e aprofundamento do direito à informação, mas até porque parece vir trazer novos entendimentos e implicações sobre a resolução da questão concretamente discutida no Acordão e que imporia, provavelmente outra solução para o caso, como se verá.
Os dados básicos são os seguintes. Uma organização ambientalista apresentou um requerimento de intimação do Primeiro-Ministro no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, intimação essa hoje regulada nos artigos 104.º e s.s. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( CPTA), inserido no Título IV, dos processos urgentes. A intimação visava a obtenção de informação relativa a um contrato entre o Estado Português e certas empresas, e seus respectivos anexos e estudos técnicos, de forma a que esta organização pudesse avaliar o projecto do ponto de vista da impacto ambiental e do efeito a nível concorrencial.
Ora, esse pedido veio a ser indeferido pelo Tribunal, com base no artigo 62.º/1 do Código do Procedimento Administrativo ( CPA), no artigo 10.º/1 da Lei n.º 65/93 ( Lei de Acesso aos Documentos da Administração- LADA, entretanto alterada, e por fim revogada pela Lei n.º 46/2007, que tem o regime consolidado e que transpôs também a Directiva n.º 2003/98/CE). Recorreu-se também ao artigo 13.º/1 do Decreto-Lei n.º 321/95( que estabelece o regime a que fica sujeita a realização de operações de investimento estrangeiro em Portugal). Basicamente, estas disposições permitem à entidade administrativa recusar o acesso e divulgação dos documentos que possam revelar segredos comerciais e industriais.
Assim, face à decisão desfavorável, a organização ambientalista decidiu interpôr recurso para o Tribunal Central Administrativo, arguindo a inconstitucionalidade dos artigos 62.º do CPA e 10.º/1 da Lei n.º 65/93 quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação, para além do previsto no artigo 268.º/2 da Constituição da República Portuguesa ( CRP). O resultado foi a negação de provimento do recurso.
Por fim, a organização ambientalista recorreu para o TC, para que este pudesse apreciar a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 10.º da Lei 65/93, 13.º/1 do Decreto-Lei n.º 321/95, e 10.º da lei 8/95 ( que veio alterar a redacção de dois artigos da Lei 65/93), nos termos em que estes haviam sido interpretados pelo Acordão recorrido.
Nas alegações do recurso, a organização ambientalista vem lembrar que o direito à informação goza do regime dos direitos, liberdades e garantias, e que, as restrições a esse direito têm de ter em conta vários princípios constitucionais, nomeadamente o da proporcionalidade e a exigência do respeito pelo núcleo essencial desse direito, admitindo assim, em abstracto, que, em casos limitados, devido a “ponderosos interesses públicos” esse direito possa ser restrinjido. No entanto, “com a recusa radical em prestar à Recorrente todas e quaisquer informações, o Recorrido e o Douto Acordão em apreço estiveram a violar, pelo menos, o núcleo fundamental do DIREITO À INFORMAÇÃO em matéria de ambiente”.
O TC vem então tomar a sua decisão. Este Tribunal observa, lembrando jurisprudência anterior, que, em abstracto, são possíveis restrições a este direito à informação, não só relativamente às matérias expressamente mencionadas no artigo 268.º/2 da CRP, mas também a outras, como é o caso do segredo industrial. De qualquer das formas, afirma ser sempre necessário respeitar os princípios da necessidade e proporcionalidade ( no fundo, o mecanismo da resolução de conflitos e restrições de direitos, presente no artigo 18.º/2 e 3 da CRP).
Diz-se também, relativamente à parte final do n.º 3 do artigo 18.º da CRP, que o núcleo essencial do direito em causa não se apura a priori,mas a posteriori, após a interpretação e aplicação desses preceitos constitucionais. O TC lembra ainda que a consagração constitucional expressa de um limite a um direito não afasta, por si só, a possibilidade de existência de outros limites (implícitos).
Conclui este Tribunal que é possível ( ao legislador) prever excepções ao direito geral de informação, quer no âmbito das restrições expressamente autorizadas ( pela CRP), quer nas hipóteses de conflitos de direitos.
Assim, reconhecendo nos contratos de investimento celebrados pelo Estado Português a realização de interesses também constitucionalmente relevantes, vai configurar esta situação como de um caso de conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
Mais dois aspectos são mencionados pelo TC antes de expressar a sua decisão.
Primeiro, vem afirmar que a tutela do Ambiente é também função do Estado, e a sua defesa não depende apenas da acção das organizações ambientalistas. Assim, dado que tinha havido aprovação do projecto por uma entidade administrativa competente, e que, na pendência do processo de construcção também haveria acompanhamento por entidades oficiais, os valores ambientais não estavam totalmente desprotegidos. ( Este argumento é altamente perigoso, pois parece dar a entender que o Estado tem capacidade para levar a cabo, sozinho, a defesa do ambiente, sendo dispensável a participação dos outros agentes da protecção do ambiente. Mais, parece esquecer que o direito à informação, em geral, e,também, sobre o ambiente, cumpre outras funções, nomeadamente, a do controlo das actuações do Estado, e da transparência dos seus actos. Numa situação destas deixaria de haver uma multilateralidade de opiniões e pontos de vista, e a necessária confrontação entre as posições das várias vertentes da sociedade sobre estas questões globais).
Segundo, o TC vem referir que, mesmo que venham a ser causados danos ou ameaçados bens ambientais, sempre a estas situações serão de aplicar outras normas, sendo que, essas sim poderão levantar questões de prevalência do direito ao ambiente sobre direitos como o da propriedade privada e livre iniciativa económica.
Por fim, conclui pela não inconstitucionalidade das normas em análise.
O Conselheiro Mário José de Araújo Torres veio emitir um voto de vencido, ao qual a Conselheira Fernanda Palma vem aderir.
Entende Araújo Torres que a interpretação protagonizada pelo TC viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação ( artigos 18.º/2 e 268.º/2 da CRP).
No voto de vencido aceita-se a tese, em geral, da possibilidade de restrições ao direito à informação para além dos casos directamente identificados no artigo 268.º/2 da CRP, quando essa restrição seja imposta pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente relevantes, mas, sempre a restrição tem de respeitar os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação, tendo de haver uma cuidadosa ponderação, em concreto dos direitos em conflito. Isto decorre da configuração do direito à informação como tendo natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias ( artigos 17.º e 18.º da CRP).
Neste caso, dado que não transparece nenhuma relação de hierarquia ou especialidade entre os direitos e interesses em conflito, torna-se necessária uma ponderação casuística, relativamente à melhor forma de garantir a harmonização dos direitos em conflito.
Ora, como salienta Araújo Torres, sendo defensável, porventura, a prevalência do segredo relativamente a certos documentos, não é correcto atribuir prevalência absoluta em geral a toda a documentação relativa àqueles negócios. O que se devia ter feito era sim, aferir a confidencialidade relativamente a cada documento, em concreto, e não em geral. Este entendimento já decorria de jurisprudência anterior daquele Tribunal ( Acordão n.º 254/99). Nesse Acordão n.º 254/99, lembra Araújo Torres, procedeu-se a uma extensa e detalhada análise de cada aspecto do caso em análise, coisa que não aconteceu neste Acordão n.º 136/2005. De facto, o Tribunal não podia ter-se demitido de efectuar essa “ponderação casuística”, exigível para que se possa proceder a uma restrição de direitos desta natureza.
Também se critica a passagem do Acordão onde se vem, de certa forma, relativizar ou minorar a importância da defesa ambiental levada a cabo por estas organizações, e onde também não se parece reconhecer a importância do direito à informação como instrumento imprescindível para essa mesma acção ( até porque, se constituida como ONGA, pode até gozar de estatuto de utilidade pública, conforme o disposto no artigo 4.º da Lei 35/98, garantindo-se também, em geral, o acesso à informação no artigo 5.º da referida Lei 35/98). De facto, a defesa do ambiente é, não só um direito, mas, também, um dever de todos ( artigo 40.º da Lei de Bases do Ambiente e 66.º/1 da CRP).
Censura-se também o entendimento revelado a certa altura, como, de resto, já foi assinalado, em que se põe em causa a eficiente defesa do ambiente, na medida em que se ignora a importância das ideia de prevenção e precaução, ao remeter a discussão da prevalência do direito ao ambiente, para o momento em que, porventura, “a laboração da empresa venha a provocar ( ou a ameaçar provocar) danos ambientais”.
Concluindo, considera esta interpretação normativa inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o Tribunal se dispensa de fazer uma ponderação judicial concreta relativa à opção do legislador ordinário de atribuir absoluta prevalência do interesse do particular contraente no sigilo.
No geral, parece-me mais correcta a posição do Conselheiro Araújo Torres, na medida em que assinala deficiências graves na decisão do TC, e consegue fazer o que o TC não conseguiu, que é fazer a ponderação concreta dos direitos e bens de valor constitucional em conflito. Ao não fazer uma “ponderação casuística”, o TC acaba por não demonstrar que a restrição foi respeitadora da CRP, e mais especificamente dos princípios da proporcionalidade e adequação. O que o TC parece fazer é uma “ponderação em abstracto”, o que, com o devido respeito, e sem a análise concreta, revela-se totalmente inútil.
Como se disse adiro à posição, observações e argumentos produzidos pelo Conselheiro Araújo Torres, que não vale a pena reproduzir, até porque já se fez um apanhado da sua posição.
São de assinalar ainda outros factos. O TC menciona a dada altura que, no âmbito do estabelecido no artigo 18.º/3 da CRP, o núcleo essencial de um direito e os limites desse direito face a outros direitos e bens protegidos constitucionalmente, devem ser aferidos a posteriori, sendo resultado já da sua aplicação e interpretação ( no caso, por efeito da sua regulação legal), o que levaria à sua concretização. Parece-me que este raciocínio não é inteiramente correcto.
Se existe uma hierarquia das normas em que, à parte do Direito Comunitário, a CRP prevalece sobre todas as outras fontes, e estas têm de a respeitar, como é possível afirmar que o núcleo essencial de um direito fundamental consagrado na CRP ( face a um outro direito fundamental e em confronto com ele) possa ser delimitado pela concretização feita pela lei ordinária, mesmo que esta venha desenvolver outros bens constitucionais? De facto, como é possível aferir a conformidade de uma restrição legal com um direito fundamental com assento na CRP, se se tiver em conta que o núcleo essencial desse direito é também moldado pela lei ( que ao concretizar outro valor constitucional vem delimitá-lo)? Esta ideia poderá justificar-se em certos casos, até porque as concepções sobre os direitos vão evoluindo, e as soluções elaboradas pelo legislador ordinário também têm um muito relevante papel na evolução e delimitação dos direitos.
Também é verdade que as normas constitucionais não conseguem, nem têm a pretensão de regular todas as legítimas situações, excepções e limitações aos direitos. Por isso se admite, mesmo apesar da falta de menção expressa ( constitucional), a possibilidade de, em certos casos, se operarem restrições legais a direitos fundamentais. Já se deixa de parte a discussão relativa à falta de menção expressa referente à possibilidade de restrição nos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias ( 18.º/2 e 17.º CRP).
Mas, sempre o 18.º/3 da CRP exige que a restrição não afecte o núcleo essencial do direito fundamental. Ora, o juízo exigido por este preceito, não parece poder ser feito se, como diz o TC, a própria lei restritiva vem ajudar a definir ( ou melhor, restringir) o núcleo essencial do direito. Assim, num processo que é de “comparação”, vai, de certa forma, deixar-se de ter propriamente uma “medida comparativa” autónoma, o que torna o processo logicamente impossível, e levava à conclusão de que haveria verdadeiras “cartas-brancas” dadas ao legislador ordinário.
É claro que se está aqui a exagerar um pouco a proporção deste entendimento, dado que nunca poderia vir a lei ordinária, mesmo desenvolvendo o entendimento sobre um direito fundamental, vir, sem mais, reduzir o alcançe normalmente atribuído ao núcleo essencial de um outro direito, sendo precisamente isso que o 18.º/3 da CRP vem proíbir.
Até porque, embora não imutável, o núcleo essencial de um direito fundamental consagrado constitucionalmente é mais resistente à mudança e tem, de alguma forma, uma valoração intrínseca ( por vezes histórica). O que se queria chamar a atenção é que este argumento invocado pelo TC, mesmo num entendimento mais restritivo, não parece nunca de utilizar nestes casos, dado que a comparação entre o núcleo essencial de um direito fundamental e uma lei restritiva desse direito, pressupõe, em termos lógicos, a autonomia da análise de cada um.
Diferentes parecem ser os casos em que se invoca, para ajudar a apurar o núcleo essencial de um direito, uma lei que não a lei restritiva.
Como se salientou, e como, de resto entende também o Conselheiro Araújo Torres, o principal problema desta decisão passa pela completa ausência, (após classificar a questão como de conflito de direitos), da ponderação concreta. Porque poderia o Tribunal ter ponderado a situação e justificado a restrição em termos concretos e, assim, o problema seria o de saber se a justificação era suficiente, fazendo com que a questão se situasse noutro plano, (mais) discutível. Ao nem sequer fazer esse juízo, exigido pelo artigo 18.º da CRP, a restrição ( ou a interpretação dada às normas em análise) não devia valer.
Em concreto, penso que poderia ser defensável, com algumas eventuais limitações, a prevalência do direito de sigílio, que também constitui um valor constitucional carecido de protecção. Mas, e como observa Araújo Torres, essa negação da informação não podia ser absoluta, tendo de se limitar aos documentos em relação aos quais esse sigílo estivesse estabelecido, e não como sucedeu no caso, relativamente a todos os documentos, não havendo a tal preocupação de distinção entre os casos, que são completamente diferentes.
Mesmo admitindo a reserva de sigilo relativamente apenas aos documentos específicos, em relação aos quais esse já estivesse estabelecido, ainda assim parece-me possível que existam casos em que a protecção do ambiente impõe a sua desconsideração, embora, para tal fosse necessário que a situação fosse objecto de regulação, para não haver arbítrio.
Esta discussão ganha um novo rumo com as alterações legislativas e comunitárias que ocorreram posteriormente a este Acordão ( embora, ao tempo deste, a Convenção de Aarhus já tivesse sido ratificada por Portugal).
De facto, a Convenção de Aarhus vem rever a antiga Directiva 90/313/CEE através da Directiva 2003/4/CE e veio levar à aprovação do Regulamento 1367/2006 de 6 de Setembro.
Em consequência, Portugal aprovou a sua Lei sobre o Acesso à Informação Ambiental. Também a nova Lei de Acesso aos Documentos Administrativos ( Lei 46/2007), para além de transpôr a Directiva 2003/98/CE, parece reflectir também uma evolução nestas matérias.
Penso ser importante, nesta fase, proceder à transcrição dos vários artigos relevantes em matéria de protecção do sigilo, relativamente ao direito à informação ambiental, tanto ao nível do acesso aos documentos administrativos ( nas suas várias composições ao longo do tempo), como na LAIA.
Na lei n.º 65/93, o artigo 10.º/1 ( uso ilegítimo de informações) dizia o seguinte: “ É vedada a utilização de informações com desrespeito dos direitos de autor e dos direitos de propriedade industrial, assim como a reprodução, difusão e utilização destes documentos e respectivas informações que possam configurar práticas de concorrência desleal”.
A lei n.º 8/95 alterou a redacção deste artigo 10.º, cujo n.º 1 passou a ser o então novo n.º 2, e o antigo n.º 2 a n.º 3. E, o novo 10.º/1 tinha a seguinte redacção: “ A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”.
Actualmente, a LADA, nesta matéria, contém um artigo sobre restrições ao direito de acesso à documentação, que é o artigo 6.º. Aí se fazem várias restrições, sendo que é no n.º 6 desse mesmo artigo que se menciona a reserva em casos de segredo comercial. Diz esse artigo 6.º/6: “ Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade”. Ainda penso ser relevante mencionar o n.º 7 que estabelece que “ os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objecto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada”.
A LAIA, no seu artigo 11.º/6, alínea d), vem referir que o pedido de acesso à informação ( ambiental) pode ser indeferido se essa divulgação prejudicar “a confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação nacional ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo, bem como o interesse público em manter a confidencialidade estatística ou o sigilo fiscal”.
O 11.º/7 da LAIA não admite a invocação deste fundamento ( o segredo comercial) para indeferimento quando o pedido de informação incida sobre emissões.
O 11.º/8, também da LAIA, vem obrigar a que os fundamentos de indeferimento sejam interpretados de forma restritiva.
Por fim, o artigo 12.º LAIA vem estabelecer o princípio da preferência da disponibilização parcial sobre a não disponibilização.
Como se vê, a legislação evolui num sentido em que as situações de recusa de informação ambiental são limitadas a certos casos, prevendo-se que, mesmo nos casos à partida com fundamento suficiente para o indeferimento do pedido de informação ou acesso a documentos, essa não deverá valer para os casos em que haja emissões para o ambiente. Mais, o artigo 6.º/6 da LADA acaba por consagrar uma solução que estabelece um processo análogo ao do artigo 18.º/2 da CRP, exigindo para o deferimento de um pedido de informação, sobre documentos relativamente aos quais haja segredo comercial ou industrial, que haja da parte do requerente um interesse pessoal directo e legítimo que satisfaça o princípio da proporcionalidade. Acaba por se atribuir alguma margem de discricionaridade às entidades administrativas, que não deixa de ser alvo de controlo, atribuindo-se ( para além dos mecanismos gerais), direito de queixa para a CADA ( Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos), na sequência de falta de resposta, indeferimento ou outra decisão limitadora ( artigo 15.º LADA). Também, específicamente em matéria ambiental, deve-se atentar no artigo 14.º da LAIA, que prevê no seu n.º 1 a impugnação nos termos gerais, e, no seu n.º 2 prevê, também, o direito de queixa para a CADA. No n.º 3 do artigo 14.º reconhece-se também a faculdade aos terceiros, lesados pela divulgação da informação, de recorrer aos meios de impugnação.
A redacção do artigo 6.º/6 da LADA não me parece a mais adequada, mas, no entanto, demonstra que houve uma preocupação em admitir que existem casos ponderosos em que a informação deve prevalecer sobre o segredo, não devendo o sigilo prevalecer em termos absolutos sobre o direito à informação.
Nesta fase importa resumir o que foi dito e avançar com uma análise sobre o direito à informação ( especialmente em matéria ambiental) e os seus limites.
Antes de mais, convém dizer-se que o direito à informação dos Administrados foi consagrado na CRP no seu artigo 268.º, segundo Carla Amado Gomes, numa dupla vertente:
- subjectiva, na medida em que o acesso à informação de arquivos é essencial para que o cidadão compreenda o fundamento e limite dos seus direitos em face dos poderes públicos ( n.º 1);
- objectiva, ligada à transparência das decisões administrativas, que depende da possibilidade de os cidadãos se informarem sobre os passos do iter procedimental. Cumpre ainda funções de contraditório público e revela um estádio de evolução superior do Estado de Direito Democrático ( artigo 2.º da CRP) ( n.º 2).
O Direito ao Ambiente e o correlativo dever de o proteger, consagrado no artigo 66.º/1 CRP, que constitui também uma tarefa fundamental do Estado ( 9.º, d) e e) CRP), na medida em que respeita a todos, implica que a sua gestão seja levada a cabo por todos, realizando-se numa tarefa partilhada por entidades públicas e privadas, e obriga a um esforço solidário no sentido da preservação do bem Ambiente.
Isto implica ainda que seja obrigatório reconhecer o direito à informação ambiental como uma dimensão da participação política dos cidadãos, tendo o acesso à informação ambiental uma vertente instrumental entrelaçada com o direito de participação na tomada de decisões com incidência ambiental ( nas palavras de Carla Amado Gomes).
Embora não expressamente consagrado na CRP, entende Jorge Miranda que este direito à informação ambiental está implícito numa interpretação conjugada dos artigos 9.º, e), 66.º, 20.º/2, 37.º, 48.º, e 268.º/1 e 2 da CRP.
Este acesso à informação revela-se um instrumento essencial para garantir a participação dos cidadãos e entidades privadas em procedimentos como o da a avaliação de impacto ambiental ( vejam-se os artigos 14.º e 15.º do Decreto-Lei 69/2000).
Como diz Jorge Miranda, os direitos atinentes ao ambiente são reconduzíveis a direitos, liberdade e garantias ou a direitos de natureza análoga. Como outros, este direito específico de informação ambiental é susceptível de ser restringido de modo a salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente relevantes, mas, tendo em conta a sua natureza, revela-se necessário respeitar o artigo 18.º da CRP, que impõe o respeito pelo princípio da proporcionalidade da restrição e a salvaguarda do núcleo essencial do direito a restringir.
Nestas hipóteses, em que não há indicações ou indícios da prevalência de um ou de outro interesse, torna-se necessário efectuar uma ponderação concreta em relação à restrição, para melhor harmonizar os dois bens, não se devendo admitir soluções que tragam restrições inadmissíveis, que não respeitem as exigências mencionadas ( do artigo 18.º da CRP).
Em concreto, parece-me que o TC andou mal ( neste Acordão), violando, porventura, o princípio da proporcionalidade, e não cumprindo (claramente) as suas funções com a diligência adequada, na interpretação que fez valer e na análise e decisão que tomou.
A evolução legislativa ( LAIA e LADA, como se viu) veio trazer um entendimento diferente e, na minha opinião, mais correcto sobre o direito ao acesso à informação ambiental e o seus limites face a outros direitos e interesses constitucionalmente reconhecidos.