Antes de indagar sobre o modo como a constituição trata o ambiente, o melhor será analisar as correntes que irão estar em confronto nesta discussão.
Temos por um lado os antropocêntricos que sustentam que o ambiente é um bem explorado pelo Homem para as suas necessidades, portanto um instrumento do Homem, pelo que a tutela do ambiente advém de uma tutela do Homem, recusando a tutela do ambiente pelo ambiente. Consideram que o meio adequado à protecção da natureza é o decorrente da protecção jurídica individual, estimulando um egoísmo que alerte cada indivíduo para a necessidade de protecção ambiental. É por este motivo que Vasco Pereira da Silva acaba por enveredar pela protecção do ambiente na protecção jurídica subjectiva, através de direitos fundamentais.
No pólo oposto estão os defensores do Ecocentrismo, assente no desenvolvimento sustentável, baseada no facto de as acções e pensamentos dos indivíduos se centrarem no meio ambiente. Isto é, a natureza, de uma perspectiva abstracta, é vista por si própria como um meio a tutelar. Na nossa doutrina, Freitas do Amaral e Carla Amado Gomes seguem esta concepção, opondo-se ao antropocentrismo.
O que resulta então da nossa constituição? Parece-nos que sobressai mais a perspectiva antropocêntrica, com uma tutela subjectiva do direito do ambiente, contudo, ainda assim, subsiste uma perspectiva objectiva. Vejamos melhor: No artigo 9 alínea E) temos que se trata de uma tarefa fundamental “Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”, o que significa uma tutela objectiva do ambiente, visando a subsistência do Homem; Do artigo 66 denota-se a tutela subjectiva do ambiente, que caracteriza a nossa Constituição como antropocêntrica. Neste artigo, atribui-se um direito subjectivo aos cidadãos, mas também um dever fundamental de defesa do ambiente. A palavra-chave neste artigo é “sadio” associado a um ambiente de vida humano, parecendo relegar para segundo plano o equilíbrio ecológico.
Ao centrar-se no Homem, a nossa constituição marca claramente a sua posição, contudo, não podemos dizer estar perante um antropocentrismo radical, de onde só se retiraria uma utilidade, ou vantagem, económica do ambiente. Há um carácter moderado na constituição, onde se protege o ambiente, com fins egoístas, por se tratar de uma condição de existência do Homem. Vasco Pereira da Silva acaba por considerar que o ambiente é melhor protegido enquanto interesse próprio do que como interesse de todos.
O que pensar da posição constitucional? Na minha opinião, estão apenas em causa duas maneiras de ver o mesmo fim. Ora, se o fim é comum, proteger o ambiente, qual o interesse de determinar a perspectiva pelo qual se protege? Parece-me que o que importa são as acções face a um fim comum: proteger o ambiente! Seja de uma perspectiva em que se protege o ambiente como tal, ou por se proteger o ambiente como necessidade humana, o que interessa é a sua protecção.
Ainda que seja difícil de nos abstrairmos de seguir uma posição, pois inevitavelmente acabamos por raciocinar de uma das formas, parece-nos que acaba por ser uma discussão com pouca, ou mesmo nenhuma, utilidade prática.