A Constituição Portuguesa ocupa-se da protecção ambiental na dupla perspectiva de tarefa estadual (art. 9º al. d) e e )- dimensão objectiva) e de direito fundamental (art. 66º- dimensão subjectiva). Mas é o artigo 66º que melhor revela essa preocupação jurídica portuguesa para com o Ambiente.
Este preceito vem ao encontro da tendência actual da protecção ao Ambiente, sendo este agora considerado como um direito do homem, integrado na 3ª geração de direitos fundamentais. Esta geração surge com o Estado pós-social, que é exactamente o presente modelo em que vivemos.
Há até quem caracterize o estado pós-social como “Estado de Ambiente”, mostrando exactamente a crescente preocupação para com a Natureza e o mundo em que vivemos.
O ser humano chegou à conclusão de que os recursos existente não são eternos e infinitos, e em prol do grande princípio da solidariedade intergeracional e também num esforço de preservar a Natureza, o ser humano tem vindo a mobilizar-se a vários níveis, principalmente a nível jurídico, na prossecução desse fim.
Em Portugal essa protecção fez-se através da consideração do direito ao Ambiente como um direito económico social e cultural, com natureza análoga ao direito, liberdade e garantia, beneficiando assim do regime dos artigos 17º e 18º CRP. Esta opção, diz o nosso regente Vasco Pereira da Silva, “pode garantir a adequada defesa contra agressões ilegais, provenientes quer de entidades públicas quer de privadas na esfera individual protegida pelas normas constitucionais.” A preservação do Ambiente passou assim a ser uma condição da realização da dignidade da pessoa humana.
Mas a protecção ambiental na Constituição Portuguesa não se ficou apenas por estes artigos. Num estilo de desenvolvimento do artigo 9º al. d) e e ), existem vários outros preceitos espalhados pela Lei Fundamental, que falam no Ambiente , tais como o art. 52º nº3 al. a); 65º nº2 al. a); 78º; 81º al. n); 98º; reserva legislativa tanto da AR como das regiões autónomas: art. 165º nº1 al.g) e 227º nº1 al. c) e 232º nº1.
Após esta breve introdução, convém assim responder às questões colocadas. Será a Constituição Portuguesa antropocênctrica ou ecocêntrica?
“First things, first”: o que significam estes conceitos?
Uma visão antropocêntrica do Ambiente significa que a tutela do Ambiente se faz em função das necessidades humanas e não em função da necessidade de se proteger o Ambiente em si. Fazendo a comparação com o título apresentado, esta concepção defenderia «a constituição é verde por nossa causa».
Esta visão antropocêntrica é uma visão ampla do âmbito de aplicação do Direito do Ambiente. Esta visão abarca não só os bens naturais como os bens culturais, tais como o património cultural, paisagístico e monumental. De facto é o que o artigo 66º fala na sua grande maioria de alíneas (al. b), c), e)).
A visão ecocêntrica diz exactamente o oposto. O meio ambiente tem uma dignidade própria e como tal merece ser protegido independentemente se satisfaça necessidades humanas ou não.
Esta visão corresponde a uma visão restrita do âmbito de aplicação do Direito do Ambiente, que reduz o seu objecto a um conjunto de recursos renováveis e não renováveis e às suas interdependências. Ou seja, iria apenas proteger-se aqueles recursos naturais dos quais, em última análise, depende a subsistência da espécie humana.
Ora, esta visão ecocêntrica do Ambiente está plasmada nas alíneas d) e g) do art. 66º e na al. e) do art. 9º. Fazendo novamente a comparação com o título do comentário, isto equivaleria a «a constituição é verde por causa da natureza».
Como podemos reparar, o legislador constitucional português optou por fazer “um mix”- passo a expressão – destas duas concepções. O legislador optou por ser diplomático, acabando por tentar agradar às duas facções, por assim dizer.
Para ser sincera, penso que foi a melhor opção. É que visto bem as coisas, optar por uma posição ou por outra, seria bastante extremista para ambos os lados. Penso que assim se fez a escolha certa: protege-se não só a Natureza em si, como também todo o património cultural, natural, paisagístico que Portugal tem, que por acaso é bem verdejante, e é também a nossa imagem de marca! (pense-se por exemplo em todos os parques naturais que Portugal tem, bem como campos de árvores a perder de vista no Alentejo, e aquelas paisagens maravilhosas do Douro vinhateiro!).
O legislador soube aliar a protecção da Natureza em si, bem como a protecção do Ambiente para as necessidades humanas. Conseguiu assim encontrar um meio termo muito favorável para ambas as partes.
É tal e qual como a professora Carla Amado Gomes diz: “Os recursos naturais são suporte da vida humana e, por isso, devem ser susceptíveis de aproveitamento pelas pessoas – é a ordem natural das coisas. Mas esse uso deve ser racional, salvaguardando as capacidades regenerativas dos ecossistemas e evitando sacrifícios desproporcionais e inúteis.”
A protecção ao Ambiente não é só um direito que o ser humano tem. È também um dever. Sendo o ser humano um ser integrado na Natureza, este tem o dever de o proteger. O direito ao Ambiente é assim um direito-dever.
Falta agora responder à última questão colocada: quais as consequências da opção tomada pelo legislador constitucional?
Visto isto de uma perspectiva global, acabamos por reparar que o objecto do Direito do Ambiente acaba por ser muito abrangente, o que traz como consequência planos de protecção demasiado ambiciosos na protecção do Ambiente e, por vezes, ao se querer fazer uma coisa, prejudica-se outra. Pode acontecer que não se consiga conciliar as necessidades humanas com a protecção da Natureza em si.
Mas aparte destas preocupações e destas questões hipotéticas, penso que mesmo assim a posição do legislador constitucional português foi a mais correcta. Só proteger a Natureza em si ou só proteger em prol das necessidades humanas não era definitivamente o caminho a tomar. Tomar partido por uma das concepções acima expostas iria ser muito pior. Iria deixar muita área importante que precisa de ser protegida e de ser tida em conta.