Tendo a Constituição optado por conferir relevância jurídica ás questões ambientais, poderia, em abstracto e em traços gerais ter escolhido uma de duas perspectivas:
- Uma perspectiva ecocêntrica que tem a natureza e a sua protecção como um fim em si mesmos, que reclama um sistema jurídico reconhecedor e garantidor dos “direitos da natureza”, segundo esta visão devemos proteger o ambiente para salvar “a vida do planeta terra”;
- Uma perspectiva antropocêntrica centrada na dignidade da Pessoa Humana, e que vê a natureza como um meio para a realização daquela, assim devemos proteger o ambiente para salvar “a vida do homem na terra”
Vejamos então para qual das duas concepções parece pender o texto da nossa Constituição. O ambiente é contemplado em numerosas disposições do texto fundamental, sendo as mais importantes as do artigo 9º alínea e), e 66º.
No primeiro artigo referido o ambiente é tutelado de forma objectiva, como tarefa fundamental do Estado; no segundo temos uma tutela subjectiva do ambiente, como Direito Fundamental. Assim, a Constituição confere ao ambiente um tratamento de duplo relevo objectivo e subjectivo, que deve ser integrado com os restantes princípios e situações subjectivas protegidas.
Da leitura das referidas disposições ressalta a compreensão antropocêntrica do direito do ambiente que subjaz á Constituição.
O que está subjacente ao texto constitucional é o propósito de acautelar a dignidade da Pessoa Humana, é a sua maior realização e bem-estar, é este o fim a atingir, e todas as disposições constitucionais são subordinadas a este fim. As disposições relacionadas com o ambiente não fogem a esta lógica: a protecção ambiental é configurada como uma das tarefas fundamentais do Estado, tarefas essas que existem para melhor possibilitar a realização da Pessoa Humana; o ambiente é também consagrado como Direito Fundamental, Direitos Fundamentais esses que, mais uma vez, são condição de realização da Pessoa Humana.
O simples facto do ambiente ter sido consagrado enquanto Direito Fundamental nos leva também á perspectiva antropocêntrica, os Direitos Fundamentais são Direitos Fundamentais do Homem, e só do Homem, não se fala nunca (até porque não faria qualquer sentido) em direitos da Natureza, ou das árvores, e nem mesmo em direitos dos animais. Os Direitos Fundamentais são do Homem, e é nestes termos que estão plasmados na Constituição. E não o contradiz o facto de em vários artigos, incluindo logo o 66º nº1 se falar em deveres também dos particulares de defender o ambiente, este dever não configura um direito do ambiente a ser protegido, é apenas o reverso do direito de todos ao ambiente e qualidade de vida.
Parece-me que é, sem dúvida, esta a melhor compreensão a ter sobre o ambiente e a necessidade da sua protecção.
Não penso que faça sentido qualquer visão ecocêntrica da protecção ambiental, que tenha a natureza como sendo um valor a ser protegido por si mesmo, e que leva invariavelmente ao fundamentalismo ecológico que dará sempre primazia á questão ambiental quando confrontada com outros interesses ou valores. Esta visão é prejudicial para o progresso socio-económico e em última instância até para a própria natureza.
O Homem é a única criatura que tem um valor intrínseco, vale por si mesmo, por aquilo que é, e nada pode afectar essa dignidade. A natureza é apenas um meio ao serviço do Homem, claro que é um meio importante, é ate o meio mais importante, todos sabemos que sem água e oxigénio não podemos sobreviver. Mas é por isso que a água e o oxigénio são tão importantes, porque sem eles o Homem deixa de existir, não porque tenham qualquer valor próprio.
E dizer isto não equivale a ter uma visão meramente economicista ou utilitária da natureza, dizer isto é apenas centrar a questão no Homem, não no progresso económico a qualquer custo, que como sabemos é prejudicial para a Humanidade.
O Homem é o centro de tudo e tudo deve girar em torno dos seus interesses, preocupações, aspirações e necessidades. È do interesse, e é absolutamente necessário ao Homem proteger a natureza, e é nesta medida que ela deve ser protegida.