A Constituição e a legislação ambiental consagram uma série de princípios orientadores deste ramo jurídico (o direito do ambiente), entre os quais se encontra o princípio da prevenção, havendo actualmente alguma doutrina que fala também num autónomo princípio da precaução. Deve fazer-se esta diferenciação dos dois princípios?
O princípio da prevenção, expressamente consagrado no artigo 66º Constituição, visa, como o próprio nome indica, prevenir a ocorrência de danos para o ambiente, na lógica muito óbvia do “mais vale prevenir que remediar”. O princípio implica assim uma capacidade de previsão de situações potencialmente danosas para o meio ambiente, com o objectivo de as afastar ou pelo menos minorar os seus efeitos negativos.
Além da sua enunciação quer a nível nacional quer a nível internacional, há também um conjunto de medidas legislativas que o concretizam, como sejam a obrigação de realização de avaliações de impacto ambiental para certos licenciamentos industriais, ou a imposição nos currículos escolares de uma disciplina de educação ambiental para a formação de consciência ambiental em todos os membros da comunidade.
Este é então um princípio já bem consolidado tanto em termos legislativos como doutrinários.
Levanta-se no entanto agora o problema da leitura que devemos fazer do referido princípio e a eventual necessidade ou não de um princípio da precaução. Devemos ler o primeiro como abrangendo apenas os perigos imediatos concretos e absolutamente comprovados para o meio ambiente, ou devemos lê-lo de uma forma mais ampla, abrangendo também perigos não completamente determináveis e certos (os chamados riscos), numa lógica mais futurística, que consome o conteúdo do princípio da precaução?
O princípio da precaução fez a sua primeira aparição no âmbito do direito internacional, passando depois a marcar presença no direito comunitário, e tendo também chegado ao direito nacional. Apesar de não estar plasmado na Constituição a verdade é que o princípio consta já de alguma legislação.
Este princípio passa pela ideia da necessidade de prevenção do dano ao ambiente apesar da incerteza científica quanto à sua verificação, incentivando à antecipação da acção preventiva ainda que não haja certezas quanto à sua necessidade, e também à proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável.
Da lógica precaucionista podemos retirar 3 principais corolários:
- o principio é accionado em situações de incerteza cientifica quanto à gravidade, irreversibilidade ou até mesmo quanto à ocorrência dos danos ambientais.
- há uma inversão do ónus da prova, passando o agente a ter de provar a não lesividade da actividade que pretende desenvolver.
- o risco de erro será sempre computado em favor do ambiente, sendo a decisão tomada sempre num sentido in dubio pro ambiente.
Apesar do consenso em torno destes pontos-chave do princípio, a verdade é que ele se caracteriza por um elevado grau de imprecisão, permitindo uma grande variação de interpretações, comportando também um elevado potencial de condução a posições extremistas e irrealistas que paralisam o progresso científico e tecnológico.
Desde logo não há unanimidade quanto aos critérios de diferenciação dos dois princípios, apresentando a doutrina uma série deles, dos quais o mais recorrente é aquele que tem por base a distinção entre risco e perigo, reconduzindo a previsão de perigos para o ambiente ao princípio da prevenção e a previsão de riscos ao princípio da precaução. O risco seria um perigo eventual, mais ou menos previsível, ao qual falta uma probabilidade significativa de ocorrência da lesão, o perigo por seu lado, seria um dano certo e determinado, cientificamente comprovado. Esta distinção entre risco e perigo parece-me forçada, artificial e carecida de sentido útil. E até dentro deste critério da distinção risco/perigo não há consenso, sendo apresentados diferentes graus de dano potencial susceptíveis de accionar a atitude precaucionista, potenciando interpretações extremadas e inadmissíveis que paralisam o desenvolvimento de qualquer actividade em nome de uma potencial lesão ao ambiente mesmo a descoberto de qualquer base de certeza científica.
A referida inversão do ónus da prova acarreta também problemas. É irrealista pensar que o agente pode provar em todas as linhas a não lesividade da actividade que pretende desenvolver, na sociedade de risco actual é impossível prever todas as consequências de qualquer actuação. Seguindo esta lógica qualquer projecto seria inviabilizado porque o agente nunca conseguiria fazer a prova exigída.
Também não me parece que seja a melhor solução o funcionamento da dúvida sempre em favor do ambiente. Porquê presumir sempre o pior das tentativas de progresso tecnológico? Porquê fazer sempre prevalecer o ambiente face a outros interesses legítimos? Não há razão de nenhuma ordem para tal, e a verdade é que muitas descobertas nascem do acaso, e é hoje sabido que já por diversas vezes a dúvida inicial sobre um projecto acabou por trazer resultados favoráveis ao ambiente, o que nunca teria acontecido se o projecto tivesse sido inviabilizado em nome desse princípio in dubio pro ambiente.
Com base nesta avaliação dos corolários do princípio da precaução parece-me forçoso concordar com o Pr. Vasco Pereira da Silva ao preferir uma formulação mais ampla do princípio da prevenção que abarque uma justa ponderação de todos os custos e benefícios, de todos os interesses legítimos em jogo, que ponha em pé de igualdade todos os interesses envolvidos não dando uma vantagem inicial injustificada ao ambiente. Conjugando a prevenção com a proporcionalidade chegamos ao mesmo resultado obtido com as interpretações razoáveis da precaução, e evita-se assim a introdução de um novo princípio que poderia trazer resultados indesejáveis.