quinta-feira, 23 de abril de 2009

11ª Tarefa AIA ao fundo do túnel

Acórdão do 2º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa de 22 / 04/ 2004

A pp. 47 do douto acórdão sob a epígrafe " Da alegada falta de Avaliação de Impacte Ambiental " procede a uma breve enunciação do quadro legal, tanto comunitário como nacional, que regula a matéria, apontando ainda para uma opção interpretativo-teleológica do citado quadro normativo, que absorve desde já o princípio da precaução. Deste modo claramente segue na esteira de uma ampla e evidente opção pró -ambiental, ou melhor, que valora de forma notória a defesa do ambiente designadamente com o princípio " in dubio pro ambiente " e consequentemente com a inversão do ónus da prova endossando-o para o eventual poluidor .
Tratando-se de matérias que não conhecem consagração legal e que sobre as mesmas a doutrina apresenta alguma divisão de entendimento tem forçosamente que ser realçado o quadro de convicção ambiental por que se pautou o juízo expresso no acórdão em questão, o qual ao exigir a realização da avaliação de impacte ambiental deve na esteira do referido por Carla Amado Gomes " ...tentar prevenir não só os perigos, como também os riscos desde que estes revelem uma mínima probabilidade".
Ora a verificação da probabilidade de tais riscos deveria estar enunciada, precisamente para fundamentar a referência pela opção pelo princípio da precaução.
Contudo não só não descortinamos qualquer referência a um determinado conjunto de riscos, como ainda o acórdão em questão não concedeu provimento a mais nenhum ponto do requerente o que obviamente indicia, pois ainda não é tempo de se ser conclusivo, que não se detectou um conjunto tão vasto de perigos e riscos ambientais e não só.
Importa ainda referir que após a chamada à colação do princípio da precaução o acórdão em questão vem afirmar que " A questão decidenda reside , pois , em saber se a obra dos autos está ou não abrandida pelo regime em causa " . Verifica-se então que a deliberação judicial opta claramente por uma visão objectivo-quantitativa da matéria, pois apenas invoca a tipificação fixada nos anexos do DL nº 69/2000, o que implicitamente nos reconduz ao nº 2 do artigo 1º do mesmo diploma, pese embora o mesmo nunca seja expressamente referido quando deveria ocorrer de acordo com a correcta técnica interpretativo-remissiva.
Admitindo desde já, sem conceder, por facilidade, que o projecto em causa é enquadrável nos anexos do Dl nº 69/2000 então a obra deve obviamente ser sujeita ao regime da avaliação de impacte ambiental. Contudo, na senda dos juízos inicialmente expressos pelo tribunal, afigura-se-nos que o mesmo deveria ter feito igualmente uma referência ao nº3 do artigo 1º do DL nº 69/2000 pois a menção à clausula aberta existente em tal preceito possui um significado relevante , nomeadamente no quadro de uma apreciação assente no princípio da precaução , abrindo naturalmente campo para um debate aprofundado sobre a discricionariedade.
Ou seja, não descortinamos uma relação entre o entendimento doutrinário sobre o qual assentou a convicção do tribunal ( princípio da precaução ) e a subsunção jurídica aplicável, uma vez que a utilização exclusiva da vertente objectivo-quantitativa ou de standarts técnicos ( nº2 do artigo 1º e Anexos do DL nº 69/2000 ) não necessita de um escopo de um justificação teórico tão aprofundado.
Mas para todos os efeitos o acórdão assumiu que a obra em causa está sujeitta a AIA de acordo com a opção objectivo-quantitativa por força da alínea b) do nº7 do ANEXO I; alínea e) do nº 10 do ANEXO II e, ainda, nº 13 do ANEXO II . Ora tais situações dizem respeito à figura genérica de " estradas " pois nelas se referem as " auto-estradas ", " itinerários principais e complementares", " estradas nacionais e regionais " . Portanto, a questão que se coloca é em que sentido o tribunal entendeu a expressão " estrada " que o legislador utilizou, isto é, num sentido restrito, assumindo o seu carácter de ligação entre localidades, ou, por oposição, num sentido amplo que abrange todas as vias de circulação rodoviária, independentemente da sua inserção urbana ou não sendo mesmo irrelevante tal distinção .
Naturalmente que se depreende uma opção por tal noção tão ampla, eventualmente para além da rigorosa qualificação técnica e susceptível de ultrapassar o próprio " reenvio técnico " mas possívelmente assente numa lógica d eproximidade à utilização das Auto Estradas A2 e A5, que pode ter influenciado algum entendimento, mas também aqui dificilmente subsumível no critério objectivo-quantitativo.
Aliás tanto mais assim é quanto o próprio tribunal assume relativamente à alegada violação doas artigos 104º e 18º do PDM que, " Atendendo a que a obra dos autos se realiza em vias já existentes e classificadas pelo PDM como vias principais da rede primária ou fundamental, e que , como referido supra , a realização da obra não implica atendendo às suas funções e características uma promoção hierárquica daquelas vias ( de vias principais para vias arteriais ) não está em causa nem uma definição de rede viária nem uma reclassificação da mesma ", ficando agora de novo a dúvida em que termos é lida a expressão " estradas ", uma vez que nesta passagem do acórdão parece existir uma noção clara de se tratarem de vias urbanas , logo supostamente distintas de estradas e não construídas ex novo.

Surge igualmente um outro argumento aduzido pelo tribunal, atinente ao valor do declive longitudinal do túnel o qual assenta tal como referido no texto do acórdão na " Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos requisitos mínimos de segurança para os Túneis da Rede Rodoviária Transeuropeia, de 26/02/2004 " pela qual se estabelece uma relação entre o valor máximo de 5% indicado na Proposta de Directiva e o valor médio de 9,3% contatável no projecto de construção do túnel.
Naturalmente que a diferença entre os valores em causa é significativa e portanto merecedora de alguma atenção, inclusive de aplicação potencial de medidas mitigadoras. Contudo sempre se poderá argumentar com o facto de se tratar de uma Proposta de Directiva e não do texto definitivo logo sem se saber qual a redacção final que a mesma irá ter, o que poderá reforçar ou atenuar as ilações vertidas no acórdão sobre esta realidade, em virtude naturalmente da opção final do legislador comunitário.
Por outro lado, importa ter presente que a decisão camarária de construção do túnel assenta na deliberação nº 164/ CM / 2002 , de 29 / 5 / 2002, portanto 21 meses anterior às exigências constantes da citada proposta de directiva. Ora convenhamos que assentar a fundamentação jurídica em elementos supervenientes, relativamente distantes temporalmente e ainda incertos quanto à definitividade do seu conteúdo, denota uma excessiva compressão da livre iniciativa económica, independentemente da natureza jurídica do dono da obra, igualmente um direito constitucional, por contraposição ao valor ambiente.
Adianta ainda o acórdão , como fundamentação , o facto de o projecto se desenvolver numa zona sensível, em virtude da proximidade de monumento nacional . De facto tal situação constitui uma realidade indesmentível, portanto subsumível no ponto iii da alínea b) do artigo 2º do DL 69/2000 , ou seja , trata-se de uma "área sensível".
Contudo, tal definição, apenas com relevância para os projectos constantes no ANEXO II do DL 69/2000 , não constitui um factor de identificação qualitativa em si mesmo. Isto é, tal como o nome indica, trata-se de valorizar a importância da ocorrência espacial de certos projectos, reduzindo assim os limiares a que os mesmos ficam sujeitos à avaliação de impacte ambiental.
Portanto o facto de um determinado projecto se encontrar numa " área sensível " não significa nada em si mesmo, mas antes e tão-só uma potencialidade de redução dos limiares a AIA desde que tais projectos se encontrem objectivamente tipificados nos respectivos anexos como natural corolário da perspectiva objectivo-quantitativa reforçada.
Por fim são invocados diversos acórdãos comunitários como sinais da reduzida intervenção dos Estados-Membros face ao " dirigismo " comunitário, no que se prende naturalmente com a problemática da sujeição dos projectos à avaliação de impacte ambiental . Naturalmente que se trata apenas de um argumento adicional e, portanto insusceptível de uma ligação directa com o projecto em causa, uma vez que não basta a simples enunciação da matéria ficando naturalmente por demonstrar a sua aplicação ao caso concreto.
Por fim no que concerne ao conteúdo da decisão propiamente dita afigura-se-nos muito discutível a expressão " ...até que seja obtida a declaração de impacto ambiental favorável ou a sua dispensa devidamente fundamentada, cujo procedimento deve ser desencadeado no prazo de 10 (dez) dias ... ". De facto não entendemos a razão em se circunscrever a prossecução dos trabalhos relativos à estrutura do túnel a uma declaração de impacto ambiental favorável .
Com efeito importa ter presente que a lei enuncia três conteúdos decisórios para a declaração de impacto ambiental a saber favorável condicionalmente favorável e desfavorável sendo certo que o projecto poderá ser licenciado ou autorizado nas duas primeiras situações. Isto é, quando a declaração for favorável ou condicionalmente favorável, de acordo com o nº 2 do artigo 17º e nº 1 do artigo 20º do DL 69/2000 o projecto poderá prosseguir. O tribunal enunciou uma expressão muito clara pois não referiu por exemplo "uma declaração positiva" por contraposição a "uma declaração negativa" . Com efeito restringiu a positividade a uma única figura das duas que preenchem tal prerrogativa legal repita-se que afirmou declaração de impacto ambiental favorável quando a lei possibilita duas alternativas positivas para que o projecto possa prosseguir.
Ora, era importante que o acórdão fundamentasse tal restrição, pois ao constituir uma forte restrição legal, procedimento aliás muito discutível no quadro de uma sentença judicial, obviamente que ainda ganha maior controvérsia quando tal restrição não é acompanhada de nenhuma fundamentação a qual naturalmente deveria acompanhar a citada restrição legal.
Por outro lado, ainda no capítulo específico da decisão, quando se afirma a necessidade em se desenvolver o procedimento de avaliação de impacte ambiental presume-se até porque não existe qualquer especificação em contrário que tal procedimento deve ser desenvolvido de forma integral isto é sem dispensa de qualquer fase que compõe o citado procediemnto .
Naturalmente que sob o ponto de vista teórico tal é a solução recomendável e estritamente legal. Contudo no caso vertente já se verificou uma parte da sequência procedimental aplicável, a saber a audiência pública, desenvolvida no quadro da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, aliás devidamente atestada pelo tribunal a quo.
Deste modo, afigura-se-nos que o acórdão deveria ter relacionado tal situação, por forma a evitar a repetição de uma fase procedimental e, assim, contribuir para a concretização dos princípios da desburocratização e eficiência administrativa logo uma opção materialmente correcta .
Claro que com a resttrição à figura de " declaração de imapacte ambiental favorável " , conforme supra referido , naturalmente que se presume que o procedimento de avaliação de impacte ambiental deve ser desenvolvido no seu todo e assim com repetição de audiência pública. Contudo convenhamos que tais opções têm que ser justificadas, até por apelo à necessária articulação e compressão dos direitos em causa pois carece de fundamentação no acórdão a redundancia procediemntal que se verificará na fase de audiência pública.
Em termos finais nesta breve incursão pela matéria em apreço como que tecendo um esbeço conclusivo afigura-se-nos que o acórdão vertente enunciou uma preocupação de salvaguarda ambiental significativa , enquanto noção de tutela necessária para um verdadeiro desenvolvimeto sustentável.
Contudo, ao não fundamentar certas opções, como tentámos mostrar anteriormente, bem como ao estabelecer determinadas conclusões que de imediato provocam raciocínios contratditórios, o presente acórdão não consegue explicar cabalmente tais opções e, deste modo, abre inevitavelmente um vasto campo de reflexão sobre a concretização da tutela jurídico-ambiental em Portugal.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14 / 9 / 2004

A segunda fase da dinãmica do presente processo contencioso conheceu o Acórdão do tribunal Central Administrativo Sul, de que agora aqui se analisa, sendo que a pp. 34do douto acórdão é afirmado que " ... não se sufraga a tese sustentada em 1ª inatância da necessidade de precedência de avaliação de impacte ambiental ( AIA ), plasmada no artigo 7º, alínea b), do ANEXO I do DL nº 69/2000 ... ", configurando-se portanto uma alteração substancial de entendimento sobre esta temática.
Com efeito, assume-se claramente a distinção entre vias de circulação rodoviária inter-urbanas ( auto-estradas e estradas ), precisamente as que são objecto da literalidade dos anexos do DL nº 69/2000, por oposição às vias inter-urbanas ( avenidas e ruas ) as quais não se podem subsumir nos anexos da citada legislação .
Trata-se sem dúvida de um entendimento que nos parece correcto pois quando se invocam os anexos da legislação em causa, naturalmente que a fundamentação assenta num critério objectivo-quantitativo e , consequentemente , sob a forma de lista, logo insusceptível de um alargamento dos conceitos em apreciação, precisamente por respeito à tipicidade da referida lista.
Contudo tal, entendimento, a fls.37, conhece uma fundamentação que se nos afigura contraditória com o percurso interpretativo supra mencionado. De facto socorrendo-se do ensinamento doutrinário de Vasco Pereira da Silva o douto tribunal opta por uma " tese doutrinária maximalista " considerando assim que o regime de avaliação de impacte ambiental enunciado no artigo 1º do DL nº 69/2000, não se confina a um sistema de lista fechada mas encerra tanbém o alcance de uma " norma geral e aberta ", verdadeira cláusula de escape nesta matéria.
Deste modo é invocado o nº 3 do artigo 1º do DL nº 69/2000 como preceito central do clausulado aberto o que naturalmente corresponde à sua função pois recorde-se que o seu texto afirma que " Por decisão conjunta do membro do Governo competente na área do porjecto em razão da matéria adiante designado « de tutela » e do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território podem ainda ser sujeitos a avaliação de impacte ambiental os projectos que, em função das suas especiais características ,
dimensão e natureza, devam ser sujeitos a essa avaliação ".
Ora se até ao momento subscrevemos o entendimento expresso no douto acórdão naturalmente que quando o mesmo tenta explicar este preceito afastamo-nos da sua argumentação em especial quando é afirmado " ... porque o nº3 do artigo 1º acima transcrito nos diz que « podem » ser sujeitos a AIA os projectos que devam sersujeitos a essa avaliação ...
Ora, em sede administrativa, não se desconhece que o vocábulo “podem” indicia o cometimento de competência para exercício de poderes discricionários e o vocábulo “devem” competência vinculada, pelo menos, no domínio dos pressupostos que a Administração há-de colher aquando da prática do acto administrativo, pressupostos esses constantes da hipótese normativa.
Os dois vocábulos na mesma regra evidencia, sem margem para dúvidas, que estamos perante um comando que exige especial cuidado e profundidade na interpretação e, logo, divergências doutrinárias.
Se assim se passa no domínio das normas de incidência subjectiva e objectiva fiscal, cujos pressupostos são sempre vinculados, mas que, para alguma doutrina, podem ser discricionários em sede de benefícios fiscais, imaginemos o que não será em sede de direito administrativo fora da área tributária."
De facto esta combinação entre discricionariedade e vinculabilidade sustentada num comando normativo que o é em simultâneo e só nessa medida afigura-se-nos discutível principalmente quando se associa a aplicação do nº3 do artigo 1º do DL 69/2000 com o nº2 do mesmo preceito,como resulta do douto acórdão.
Com efeito a analogiaque se estabelece com outro tipo de projectos estes listados nos anexos como resulta do douto acórdão qunado afirma que " ... assente em previsão normativa expressa na medida em que o ANEXO II parte 1ª alínea h) nos refere expressamente as linhas de metropolitano subterrâneas a que o nº2 do artigo 1º do DL nº 69/2000 obriga a AIA e em conjunto com estas previsões legais temos que articular o alcance do « podem » e do « devem » do nº3 desse mesmo artigo 1º do citado DL nº 69/2000 " não nos parece corresponder à intenção do legislador pois o sistema da lista não pode esgotar o âmbito da cáusula aberta , ainda que por via analógica como é o caso do presente acórdão.
Parece-nos que tal fundamentação é redutora e não corresponde à noção de cláusula aberta afigura-se-nos que o « podem » e o « devem » não cabem na compreensão expressa pelo douto acórdão pois deste modo estar-se-ia perante uma " clausula aberta tipificada por analogia " o que manifestamente reduz o carácter discricionário que o nº 3 do artigo 1º do DL encerra em si . ~
Aliás o recurso ao contributo doutrinário de VASCO PEREIRA DA SILVA como o acórdão refere a fls. 37 não se coaduna com tal orientação . Com efeito o autor em causa critica a técnica legislativa utlilizada no artigo 1º do DL nº 69/2000 mas nunca estabelece qualquer ligação na densificação do alargamento excepcional e casuístico do âmbito de aplicação,mediante decisão administrativa ( nº 3 ) ...",com qualquer analogia à " ... enumeração constante de anexos ( nº 2 ) ...". Verde Cor de Direito p.155.
Aliás VASCO PEREIRA DA SILVA ensaia mesmo uma reformulação do preceito em causa no sentido de o clarificar e melhorar a sua técnic legislativa,mas sempre autonomizando a realidade dos projectos listados nos Anexos dos eventualmente sujeitos a AIA por decisão administrativa,no desenvolvimento dos respectivos poderes discricionários.
Nestes termos, o douto acórdão confirma parcialmente o acórdão recorrido, ainda que, conforme com pp.38 mediante uma "...fundamentação distinta...", mas com um resultado final idêntico, ou seja, mantendo a suspensão das obras no Túnel do Marquês de Pombal pois foi decretado ao "... Município de Lisboa mandar parar a empreitada no que respeita apenas aos trabalhos relativos ao Túnel " .
Apreciando apenas a fundamentação em causa , independentemente da deliberação em manter-se a suspensão das obras referidas , certo é que parte do percurso da actual fundamentação colhe o nosso aplauso . Com efeito , considerar-se que o projecto em causa não se insere nos Anexos do DL nº 69/2000 parace-nos claramente acertado e , consequentemente , a correcção sobre o argumentado em 1ª instância parece-nos de aplaudir .




Contudo, o accionamento da cláusula geral, como forma de justificar a aplicação de regime da AIA a tal projecto é naturalmente uma hipótese em aberto e eventualmente a seguir, mas obviamente que devidamenbte fundamentada . Ora, não nos parece que tal fundamentação possa ser estabelecida por analogia com outro tipo de projectos, pois no limite está-se a alargar tal lista e, contrariamente à intenção do legislador, não se cura de proceder a uma análise verdadeiramente casuística para um determinado projecto.




Deste modo, em nosso entender, o recurso ao nº 3 do artigo 1º do DL nº 69/2000 destina-se a projectos que não têm necessariamente que possuir uma tipologia análoga com os projectos listados nos anexos do citado diploma mas antes com projectos que em virtude das suas características, dimensão e natureza devem ser sujeitos a AIA . Isto é, a apreciação deve ser tida em termos absolutos, deve valorar e apreciar o projecto em causa, fundamentando ambientalmente a necessidade de sujeição a tal regime legal. Ora, manifestamente não descortinamos tal opção no douto acórdão em apreço, nem sequer uma referência a tal percurso interpretativo, que consideramos ser esse o único alcance de uma norma excepcional e casuística, pois o casuísmo não se deve confundir com qualquer tipologia, ainda que analógica, mas antes assente numa apreciação claramente individualizada de um projecto concreto, desde que haja uma fundamentação ambiental " sustentável " .





Acórdão do STA de 24/11/2004





Finalmente surge a apreciação do último acórdão sobre esta matéria , precisamente o emanado pelo STA o qual recorda a pp. 42 que " Em suma, no caso em apreço, urge que nos detenhamos sobre o acórdão recorrido na parte em que confirmou, parcialmente, o acórdão do TAF " encontrando-se assim, naturalmente, delimitada a matéria jurídica em apreciação .





Entendeu o tribunal superior, no seu douto acórdão , a pp. 45 , que " ... assiste razão ao recorrente enfermando o acórdão do TCA Sul de erro de julgamento ... " , especificando tal erro de julgamento, a pp. 50, na medida em que " ... pelo apelo que é feito no acórdão recorrido à alegada existência de « previsão normativa expressa », que legitimaria o recrutamento das providências cautelares , na medida em que a situação dos autos se subsumiria na hipótese prevista no ponto 10, 1ª parte da alínea h) , da Anexo II ao DL nº 69/2000, que obrigaria a AIA, temos para nós que é patente o erro de julgamento de que enferma o questionado acórdão.



De facto é obvio que a obra em causa , ou seja , a construção do assim denominado « Túnel do Marquês » se não insere , clara e manifestamente , na previsão da dita alínea h) ".



Tal como anteriormente apontámos , no nosso comentário ao acórdão do TCA Sul , o preenchimento da previsão do nº 3 do artigo 1º do DL nº 69/2000 , por recurso à interpretação analógica dos projectos constantes nos anexos , aparentemente numa lógica de uma certa " discricionariedade vinculada ", não só retira o sentido útil e razão de ser de tal norma , como ainda , no entendiemnto do STA , revela um claro " erro de julgamento ".




De facto , como se refere a pp. 50 do douto acórdão , " Em suma , diversamente do que se afirma no acórdão recorrido , a obrigatoriedade da AIA , a verificar-se , não pode seguramente radicar na já referenciada alínea h) , na medida em que não existe previsão normativa expressa no DL nº 69/2000 passível de obrigar à realização de AIA " .




Entende-se ainda , e bem , que o regime legal de AIA não é fechado pois, sem prejuízo do carácter " taxativo " do nº 2 do artigo 1º, por remissão para os respectivos anexos , existe ainda , como se refere a fls. 52 , " ... a natureza « aberta » do regime de AIA é obtida através da via preconizada no transcrito nº 3 do artigo 1º do DL nº 69/2000 , de onde resulta que , fora das situações tipificadas nos Anexos I e II , poderá ser determinada a obrigatoriedade de realização AIA , mas , agora , por decisão administrativa, mediante o já referido despacho conjunto ".



Parece claro tal entendimento , não só porque ancorado no texto da lei , como igualmente por retirar o alcance devido a tal norma , de modo a conjugar-se um sistema duplo da sujeição a impacte ambiental , no qual existe uma vertente " fechada " e tipificada , verdadeiramente vinculada , logo objectivo-quantitativa . Mas também uma vertente " aberta " e discricionária , logo subjectivo-qualitativa , assente no nº 3 do artigo 1º , desde que obviamente objecto de decisão administrativa , num quadro de cooperação inter-orgânica governamental , com conciliação da perspectiva ambiental e o respectivo sector técnico .




Ora o acórdão recorrido ao fundamentar a sua decisão no nº3 do artigo 1º, nunca equacionou o problema nesta vertente, ou seja, com a chamada à colação da figura da discricionariedade .



Naturalmente que com a utilização de tal conceito, sobejamente trabalhado no Direito Administrativo, mas também suficientemente controverso , abrir-se-ia o campo necessário para a sua eventual sindicância , ou seja , em que termos é que o juízo desenvolvido pela Administração , neste caso de não intervenção , pode e deve ser substituído pelo entendimento do tribunal . Este deveria ser o percurso de justificação do douto acórdão , consequentemente assumindo a sindicabilidade da actuação discricionária da Administração , matéria já devidamente objecto de reflexão e de tratamento jurisprudencial .




Abordou ainda o STA, por força do alegado pelo recorrente, o problema da aplicabilidade directa do Artigo 30º da Lei de Bases do Ambiente ao projecto em causa . Ou seja , é analisada a possibilidade de se sujeitar a avaliação de impacte ambiental um determinado projecto, por força do preceituado no Artigo 30º da Lei de Bases do Ambiente . De imediato responde o STA, a fls. 53 , citando o seu entendimento , expresso no recurso 4296, de 17/6/2004 , referindo-se portanto à problemática de aplicação imediata do citado preceito da LBA de que " prevê , de modo genérico , a realização de estudo de impacto ambiental , relativamente a planos , projectos , trabalhos e acções que possam afectar o ambiente , os quais são determinados, em concreto, por aplicação das normas legais densificadoras e regulamentares do preceito daquele nº 1, publicadas conforme a previsão do nº 2 do mesmo artigo 30 º da LBA ".




Parece claro que este é o único entendimento plausível , pois não é possível , em nosso entender , invocar-se directamente o nº 1 do artigo 30º da LBA para sujeitar determinado projecto a AIA , não só porque a norma em causa é demasiado aberta , como também por possuir um escopo claramente programático e, ainda, por força do nº 2 do artigo 30 º o qual impõe que tal procedimento, no seu todo, seja objecto de regulamentação em legislação complementar.




Ainda conexo com esta matéria é suscitada a questão em saber se a respectiva regulamentação, no caso o DL nº 69/2000, foi efectuada correctamente ou não, relativamente ao preceituado na LBA . Ora, entende o STA , a fls.54 , que " De facto, não cumpre aqui sindicar o modo como o legislador se desincumbiu da tarefa atinente com a concretização da regulamentação a que alude o nº 2 do artigo 30 º da LBA, não podendo este STA definir, em vez do legislador. tal regulamentação, por a actuação deste Tribunal, em respeito da divisão constitucional dos poderes, se ter de reportar a parâmetros de juridicidade, onde se não incluiu o sindicar da margem de conformação legal que assista ao legislador ordinário ". Sobre esta questão já se pronunciou Pedro Portugal Gaspar " A avaliação de impactes ambientais " pp. 104 a 106 e 114 que, embora no quadro da lei antiga, aponta para uma efectiva redução das figuras objecto de sujeição a AIA em sede de regulamentação . Com efeito, a legislação complementar tem restringido a sua incidência apenas à figura dos projectos , não tendo portanto abordado as demais figuras designadamente os planos, trabalhos e acções, mas sempre considerou Pedro Portugal Gaspar não ser possível entender que existe uma aplicabilidade directa ao conjunto de todas as figuras previstas no nº1 do artigo 30º da Lei de Bases do Ambiente , pois não há o mínimo de densificação , não só em sede de carácter taxativo ( vinculabilidade ), bem como em termos de cláusula genérica ( discricionariedade ) .



Por estas razões parece-nos claro o entendimento do STA em considerar que assiste razão ao recorrente e , consequentemente , que o acórdão recorrido padece de manifesto " erro de julgamento ", pois a conclusão argumentativa conduz obviamente a tal solução .



A matéria da avaliação de impacte ambiental , estrutural na tutela jurídico-ambiental , apresenta uma gama de entendimento divergente, essencialmente na e da conjugação entre a tipificação dos seus anexos, interpretação objectivo-quantitativa, face à norma genérica, de cariz discricionário e, consequentemente, de interpretação subjectivo-qualitativa.