Precaução - s.f. Cautela antecipada.
O princípio da precaução é o mais recente princípio do Direito do Ambiente, tendo surgido na segunda metade da década de 80 ligado às preocupações geradas pela poluição marítima, tendo alcançado posteriormente uma projecção mais ampla, sendo inclusivamente adoptado pelo Direito Comunitário. Existe porém, divergência doutrinária quando ao seu estatuto no âmbito do Direito Internacional.
Apesar de ser recente, já vários autores se debruçaram sobre este princípio, demonstrando a necessidade da sua aplicação e que o seu âmbito difere do âmbito de aplicação do princípio da prevenção.
Para Gomes Canotilho “ Ele (o princípio da precaução) significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente”, o que denota que o princípio da precaução deve actuar em duas direcções, antecipando-se com uma acção preventiva os possíveis actos danosos e a proibição de actuações potencialmente lesivas.
De acordo com Earll, o princípio da precaução, é na sua essência, um conjunto de preocupações práticas relativamente ao aumento drástico dos níveis de poluição, mais concretamente a poluição marítima, que como referi anteriormente, foi a causa principal do aparecimento deste princípio.
Ora para Boundant, este “princípio implica uma tomada de posição perante uma determinada situação: uma atitude de prudência face a riscos engendrados pela incerteza técnica ou científica. Indica uma direcção, não uma regra.”
Alguns autores referem que este princípio não se distingue do princípio da prevenção, entre eles Vasco Pereira da Silva, que afirma que o jurista não tem que fazer distinções de natureza linguística nem distinguir os “perigos” dos “riscos”, como tal, afirma: “ julgo preferível adoptar um conteúdo amplo para o princípio da prevenção, de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e bom-senso.”
Em contraposição, Carla Amado Gomes defende que quando falamos de prevenção estamos no domínio da probabilidade, enquanto na precaução se fala de possibilidade. É esta, sem dúvida a distinção essencial entre os dois princípios, pois no âmbito do princípio da precaução actuamos mesmos sem estarem provados os possíveis efeitos lesivos, basta que existam dúvidas significativas.
Na senda da probabilidade vs possibilidade, Ossenbhul afirma que é preciso distinguir a defesa contra um perigo da evitação de um perigo: “ A prevenção pressupõe a previsibilidade do perigo, enquanto a precaução visa antecipar o surgimento de um perigo, a fim de o evitar”.
Carla Amado Gomes vem assim afirmar: “ A diferença entre a prevenção e a precaução resulta, assim, da ténue linha traçada entre o terminus da previsibilidade de um perigo e o início da consideração de um risco”.
Claro está que não é todo e qualquer risco que permite a actuação do princípio da precaução, existem três concepções, a primeira, com uma visão essencialmente economicista, defende que o princípio da precaução deve ser aplicado apenas quando se verifique uma grande probabilidade de ocorrência de danos graves e irreparáveis, (geralmente só em situações limite), após uma ponderação dos custos económicos.
Na margem oposta, a concepção que leva ao extremo a aplicação deste princípio, existindo uma regra de abstenção ligada à existência da garantia do risco zero, sem qualquer ponderação dos custos económicos e sociais.
A concepção intermédia exige um equilíbrio entre as exigências de uma nova atitude face ao risco sem incorrer nos efeitos perversos de não se correm riscos, de forma a que não se caia em fundamentalismos e exigências irrealistas.
Segundo Ana Gouveia e Freitas Martins, este princípio caracteriza-se por uma grande vaguidade e imprecisão, pelo que se deve aplicar, apesar das inexistências de provas científicas conclusivas nas seguintes situações:
- Quando se suspeite que uma determinada actividade ou técnica envolva um risco de produção de danos ambientais, desconhecendo-se, porém, a sua probabilidade de ocorrência e /ou magnitude;
- Perante impactos ambientais já verificados, se desconheça qual a sua causa;
- Não seja possível demonstrar existência de um nexo de causalidade entre o desenvolvimento de uma determinada actividade ou processo e a ocorrência de determinados danos.
A base deste princípio é a ideia de que é necessário gerir os riscos ambientais, adoptando-se uma atitude que se revele a longo prazo como menos onerosa para a sociedade e para o ambiente, assim como mais justa com as gerações futuras, o que a meu ver se pode relacionar com o princípio do desenvolvimento sustentável numa lógica de solidariedade intergeracional.
Existe neste princípio uma redução do grau de prova exigível para que uma actuação possa apresentar-se como necessária e legítima. Denotando-se o grande grau de incerteza que mais tarde irá justificar a adopção de determinadas medidas.
A inversão do ónus da prova é outra das ideias fundamentais deste princípio. A interpretação tradicional exige aos que pretendem defender o ambiente (ofendido e a Administração), a prova de que uma actividade causa perigos ou danos. Assim, ao contrário do que se verifica neste princípio, devem ser os potenciais agressores a demonstrar que uma acção não apresenta riscos sérios ou graves para o ambiente, pois são estes mesmos que vão alterar o meio ambiente.
A incapacidade de fazer prognósticos a longo prazo faz-nos recorrer ao “princípio da prognose negativa sobre a prognose positiva”. Segundo este princípio, quando possa existir uma situação da qual resulte graves danos ambientais, ainda que com dúvidas significativas, não se devem correr riscos, tem que ser dada prioridade à protecção ambiental.
Segundo Ana Gouveia e Freitas Martins “ Quando os argumentos a favor e contra um determinado projecto se revelarem igualmente fortes, o conflito de interesses económicos com interesses ambientais deve ser decidido em prol do ambiente (in dubio contra projectum) conferindo-se a prioridade à prognose negativa sobre a positiva.”
Outros aspectos essenciais são a fixação dos limites de segurança, a preservação de áreas e reservas naturais, o desenvolvimento de novas técnicas e sua aplicação e por último o desenvolvimento da investigação científica e da realização de estudos.
Os valores de emissão de poluentes devem ser tão baixos quanto possíveis o que implica a adopção das melhores técnicas disponíveis, de forma a que sejam preservados os recursos naturais. Para tal é necessário que sejam calculados os custos e os benefícios tendo em conta o princípio da proporcionalidade.
Assim, o uso das melhores técnicas disponíveis não pode implicar um custo excessivo.
No que concerne à preservação das áreas e reservas naturais e protecção de espécies, o princípio da precaução defende que àquelas deve ser dada uma margem para funcionarem em total liberdade e não haver a exploração, promovendo a total protecção das espécies em vias de extinção.
É então necessário estimular a investigação científica e o desenvolvimento de tecnologias limpas.
Para concluir, o princípio da precaução opera no domínio da possibilidade, de forma ponderada, calculando os custos e benefícios de acordo com os princípios da proporcionalidade e do desenvolvimento sustentável.
Na eventual possibilidade produção de danos graves e irreversíveis para o meio ambiente, à cautela, o princípio da precaução actua.
Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém!