A Avaliação de Impacto Ambiental é um procedimento especial destinado à consideração autónoma das consequências ambientais de um projecto, que se integra num procedimento faseado, mais vasto e complexo, de Licenciamento de uma determinada actividade. No fundo, o que se visa com este procedimento, será verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio – ambiente. Será um procedimento especifico que, por sua vez, vai habilitar as autoridades administrativas a ter em conta essa vertente ecológica em posteriores procedimentos, relativos a formas de actuação que no futuro possam vir a ter lugar (Ex: Licenciamento). A decisão de Impacto ambiental é um acto administrativo, produtor de efeitos Jurídicos individuais e concretos ( artigo 120º, do CPA), e recorrível na medida em que seja lesivo dos direitos dos particulares ( artigo 268, nº4, da Constituição).
Foi com base nestas considerações que o Dr. José Sá Fernandes, na qualidade de munícipe da Cidade de Lisboa, veio requerer junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, ao abrigo da alínea f do nº2, do artigo 112 do CPTA, a intimação da Construtora Tâmega S.A e C.M.E, para se abster de executar a obra de empreitada até que o respectivo projecto de execução estivesse elaborado e devidamente aprovado, bem como a intimação do Município de Lisboa, para adoptar as necessárias medidas que obste a que as citadas empresas continuem a executar a referida obra. O requerente alega a defesa de interesses difusos ao ambiente, da qualidade de vida, do domínio público e do património cultural, como justificação para recorrer a estes mecanismos Legais. Alega o requerente que o inicio de execução da obra não foi precedido de: Avaliação de Impacto Ambiental; Consulta Pública; emissão de parecer do IPPAR...
Concentrando-me na questão que mais releva para o Direito do Ambiente, em relação à falta de Avaliação de Impacto Ambiental o tribunal começou por sublinhar a relevância que os princípios da prevenção e da precaução, na medida em que, “a aplicação conjugada dos mesmo se traduz numa inversão do ónus da prova, colocando-o a cargo do eventual poluidor e não de quem defende o Ambiente” (Entendimento da Professora Carla Amado Gomes), isto é, cabe ao interessado em desenvolver determinada actividade demonstrar que a mesma não envolve riscos sérios para o ambiente ( in dúbio pró ambiente).
Para responder à questão se a obra dos autos está ou não abrangida pelo regime de Avaliação de impacto ambiental ( presente, na altura dos autos, no D.L n.º69/2000, hoje em dia republicado pelo D.L n.º 197/2005 de 8 de Novembro), o tribunal aponta alguns argumentos a favor de uma resposta positiva:
- A obra em apreço constitui um túnel novo com quatro faixas, logo, preenche o conceito de Estrada (nova) destinada ao tráfego Motorizado, com duas faixas de rodagem, com separador e pelo menos duas vias cada ( alínea b) do n.º7 do Anexo I do diploma). Logo como constava do Anexo I, cairia automaticamente no âmbito de aplicação do referido diploma, por força do artigo 1º/2 do mesmo;
- A sujeição à Avaliação de Impacto Ambiental é imposta também, pela alínea e) do n.º10 do Anexo II do diploma – “Construção de Estradas”, logo estando plasmado no Anexo II cai automaticamente no âmbito de aplicação do diploma por força, igualmente, do seu artigo 1º/2;
- Exigências de Segurança nos túneis rodoviários, impostas pelo Direito comunitário, que fazia com que esta obra tivesse sujeita a estudo prévio de impacto ambiental, no sentido de apurar a medidas de minimização de tais riscos e de reforço das necessárias medidas de segurança rodoviária;
-Parte da zona de implantação da obra incide sobre uma “área sensível” ( alínea b) do artigo 2º do D.L n.º69/2000), ou seja, tal zona era classificada como conjunto de interesse Nacional ou em vias classificadas, como conjunto de interesse nacional ou em vias de classificação, com as respectivas zonas gerais e zonas especiais de protecção. A protecção deste tipo de zonas constitui uma manifestação da prevalência dos interesses ambientais sobre todos os outros interesses em causa (económicos e sociais) numa lógica de contraposição de benefícios económicos com prejuízos ecológicos plasmada pelo princípios do desenvolvimento sustentável;
-O traçado do Túnel está projectado, de acordo com o PDM, para uma zona classificada como “zona Húmida”, pelo que nos termos do artigo. 3º da Directiva 85/337/CE é necessário Estudo Prévio sobre a avaliação de impacto ambiental;
Por tudo o que foi exposto, o tribunal acaba por concluir que, uma vez que a obra dos autos não foi sujeita a qualquer estudo de impacto ambiental, quando devia ter sido, existem fortes indícios de ilegalidade quer do acto de aprovação do projecto de execução, quer do próprio contrato de empreitada, pelo que se encontra preenchido o requisito da alínea b) do n.º1 do artigo 120 do CPTA que permite que seja decretada uma providência cautelar de cariz conservatório ( permite a manutenção, provisória, do status quo até que a acção principal decida em definitivo o caso concreto). Assim o Tribunal julgou procedente a providencia cautelar que obrigava a Câmara Municipal de Lisboa a parar a execução da obra até que seja obtida a declaração de impacto ambiental favorável ou a sua dispensa devidamente fundamentada, “Cujo procedimento deve ser desencadeado no prazo de 10 dias” sob pena de levar à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 169 do CPTA. Julgou igualmente procedente uma providencia cautelar que intimava a construtora a abster-se de continuar a executar a obra, no que respeitava aos trabalhos relativos à estrutura do túnel. Por último, julgou improcedente a suspensão da eficácia do acto que aprovou parte do projecto de execução.
Desta sentença, recorreu o Município de Lisboa, dando origem ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul. Segundo este acórdão, começa por considerar que a obra em causa não cabe no anexo I no seu ponto 7, alínea b) na medida em que não parece subsumível ao conceito de auto-estrada destinada ao tráfego Motorizado, logo não se justificaria o estudo de Impacto Ambiental neste caos, porque não estava preenchido o âmbito de aplicação do D.L 69/2000, mais concretamente o seu artigo 1º/2.
Quando à alegada violação do artigo 18º do PDM, por, alegadamente, se tratar de uma ocupação edificada em zona de sistema húmido ( fundada nos sinais de passagem de uma antiga ribeira e a existência de linhas de água subterrâneas), fora dos casos em que isso é admitido pelo nº5 do referido artigo, entende o tribunal que o que interessa para efeitos de aplicação deste artigo, será apenas saber se o túnel projectado atravessa, ou não, a zona húmida, o que não acontece, já que, o túnel projectado não atravessa nem toca qualquer zona classificada pelo PDM como zona húmida ( conclusão a que se chega após a análise dos documentos juntos aos autos). Logo não se pode sustentar que a decisão de executar esta obra Viola este artigo.
Quanto à violação do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental, o tribunal vem rebater a tese que via no D.L 69/2000 a consagração de um regime aberto, dependendo a sujeição de um projecto a AIA, do facto de ele ter, ou não, efeitos negativos no ambiente, nos termos do artigo 10º/1 do referido D.L, o que faria com que esta obra estivesse sujeita a AIA, devido a sua grande dimensão e natureza , já que, atravessava uma zona sensível em termos patrimoniais e ecológicos. Esta tese é defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva que atribui ao nº1 do artigo1º do D.L 69/2000 o carácter de norma geral e aberta na matéria. Contudo na interpretação do tribunal, esta posição é uma interpretação que não será de aceitar, já que, este número do artigo não é auto-suficiente, não se contém nele um proposição normativa completa. Para saber quais os projectos que estão submetidos ao procedimento de AIA, é preciso recorrer ao nº2 do referido artigo, sendo manifesto que o D.L 69/2000 consagrou um regime de tipicidade taxativa, um sistema fechado, estando apenas sujeitos à obrigatoriedade do procedimento de AIA, os projectos incluídos no Anexo I e II desse Diploma. De seguida Importa referir que o artigo 1º n.º3 do D.L nº69/2000 ao exigir uma decisão conjunta dos membros do governo competentes na matéria, por forma a submeter ao regime de AIA, outros projectos que não estejam plasmados no nº2 do referido artigo mas que pelas suas características especiais, dimensão e natureza, a ele devam estar sujeitos, vem retirar qualquer dúvida sobre uma, eventual, interpretação aberta do nº2, já que, se ai estivesse consagrada uma tipicidade aberta, uma norma como a do nº3 seria desnecessária e inútil.
Em suma, não correspondendo a obra do túnel a nenhum dos projectos tipificados no Anexo I e II do referido D.L, e não tendo essa sujeição sido determinada administrativamente nos termos do artigo 1º, nº3 desse diploma, só resta concluir que ele não estava sujeito à realização de um procedimento prévio de Avaliação de Impacto Ambiental.
O Tribunal acaba por entender que a construção do túnel, talvez se pudesse subsumir ao anexo II do DL 69/2000, mais concretamente na epígrafe 10, no quadro da alínea h) “ Linhas de eléctrico, linhas de Metropolitano”, ficando sujeita ao procedimento de AIA por força do artigo 1º/2 do referido DL, já que, ficava a constar como uma das actividades plasmadas no referido anexo.
Salvo melhor opinião, da argumentação do tribunal não se consegue perceber como é que se vai enquadrar um túnel para circulação rodoviária, como sendo uma linha de metropolitano.
Assim, o tribunal acaba por confirmar parcialmente a sentença da Primeira Instância, em relação ás empresas em consorcio: absterem-se de continuar a executar a obra na parte que respeita apenas aos trabalhos relativos à estrutura do túnel. Ao Município de Lisboa mandar parar a Empreitada. Contudo, este tribunal, revogou a sentença de primeira instância quanto:
-As Empresas em consorcio “deverem permanecer em Obra”;
- O Município de Lisboa mandar parar a obra, “até que seja obtida a declaração de impacto ambiental, favorável, cujo procedimento deve ser desencadeado no prazo de 10 dias”;
Por último o Município de Lisboa recorre para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). O Supremo entendeu que, primeiramente que a construção do túnel não se inseria na previsão da alínea h, da epígrafe 10 do anexo II, pois o túnel em questão é um túnel rodoviário, nada tendo a ver com a construção de uma linha de metropolitano, aérea ou subterrânea. Logo não existia previsão normativa, expressa, no D.L 69/2000 passível de obrigar a realização do AIA. Nem mesmo recorrendo ao artigo 1º/3 do referido diploma que permite que determinados projectos a ele fiquem sujeitos, mesmo estando fora do anexo I e II, contudo neste caso não resulta do autos que tenha havido uma decisão administrativa pelo, já referido, despacho conjunto. Neste caso também não se aplicava o artigo 30 da Lei de bases do Ambiente, que prevê, de modo genérico, a realização de Estudo de Impacto Ambiental, relativamente a projectos que possam afectar o ambiente, já que, esta acção (de construção do túnel) não estava incluída na previsão daquela norma.
Assim, o Tribunal entende que não estava preenchido o requisito do artigo 120º/1 alínea b) parte final, do CPTA, o que fez com que fosse dado provimento, por inteiro, ao recurso jurisdicional interposto pelo Município de Lisboa, já que, não estava reunido o requisito necessário para manter as providências cautelares concedidas pelo TAF de Lisboa.
Importa apenas aludir para o facto de o Supremo Tribunal Administrativo não ter tomado posição quanto à sujeição desta obra ao anexo I no seu ponto 7, alínea b), mais concretamente, saber se estamos perante uma auto-estrada destinada ao tráfego Motorizado, ou seja, se há obrigatoriedade de realização do procedimento de AIA ou não.