A análise do princípio da precaução no Direito do Ambiente levanta dois problemas relevantes. O primeiro prende-se com as dúvidas em relação á sua existência enquanto princípio autónomo (tema já debatido); o segundo está relacionado com a forma como, a existir autonomamente, irá funcionar no plano ambiental.
A Precaução assenta na necessidade de protecção dos recursos ambientais, partindo de um mecanismo de antecipação de danos que podem vir a revelar-se irreversíveis. Destina-se a evitar um risco desconhecido, ou pelo menos incerto, quando a ciência ainda não chegou a uma conclusão definitiva sobre os danos que podem resultar da actividade ou empreendimento a ser iniciado. Caberá ao agente potencialmente poluidor a prova de que não afectará o ecossistema. Se não se conseguir provar a inocuidade da actividade, uma intervenção protectora vai impor-se. O elemento distintivo é, de facto, a inversão do ónus da prova. Aqueles que o defendem como Gomes Canotilho e Ana Gouveia Martins, alegam que já não compete ao Estado ou aos potenciais afectados com a poluição demonstrar que a actividade causa danos ao ambiente, mas sim ao indivíduo que pretende exercer uma determinada actividade ou desenvolver uma técnica inovadora.
Esta é uma ideia de precaução tomada na sua acepção mais radical e é a fórmula que muitos juristas acolhem quando defendem a autonomização do princípio em causa em relação ao da prevenção. Posição que não sustento e que terá repercussões. Com efeito, será difícil articular as exigências da precaução e as necessidades de desenvolvimento económico. Aplicar o princípio sem tomar em consideração o bom senso, levará à paralisação do crescimento em vários sectores. Isso obriga a uma flexibilização da ideia de precaução em função da situação ambiental visada. Também no domínio ecológico se notam dificuldades operativas da ideia de precaução, uma vez que esta consubstancia a máxima in dubio pro ambiente, segundo o qual, na dúvida sobre a perigosidade de uma certa actividade para o ambiente, decide-se a favor do ambiente e contra o potencial poluidor. Neste sentido, Ana Gouveia Martins: “Se a irreversibilidade e a gravidade de uma situação for temida, designadamente, por subsistirem dúvidas significativas quanto à produção de danos ambientais ou por a ciência não conseguir avaliar as consequências de uma dada actividade, não se devem correr riscos, dando-se prioridade à protecção ambiental” e a autora acrescenta “Quando os argumentos a favor e contra um determinado projecto se revelarem igualmente fortes, o conflito de interesses económicos com interesses ambientais deve ser decidido em prol do ambiente (…), conferindo-se prioridade à prognose negativa sobre a prognose positiva”. Contudo, esta máxima pode ser enfraquecida porque parte de factos pouco seguros ou mesmo inexistentes. A verdade é que uma intervenção considerada nociva num domínio pode ser altamente vantajosa noutro, o que demonstra o risco que a formulação radical do conceito importa.
Existem, no entanto, deveres ligados ao princípio da precaução com os quais concordo e que, de resto, não são objecto de grandes discussões na doutrina, constituindo um denominador comum. Assim sendo, as empresas serão obrigadas a utilizar processos e métodos operacionais limpos, que preservem os recursos naturais e outros bens ambientais ou que sirvam de obstáculo aos impactos nefastos no ambiente. Este princípio fundamenta também a criação de reservas naturais e a protecção de animais em vias de extinção e promove a investigação científica e a realização de estudos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma actividade, de forma a contar com quadros de decisão o mais fiável possível, e de apoiar os Estados menos favorecidos na implementação de estruturas capazes de desenvolver idêntico trabalho de investigação; obriga à divulgação de informação de protecção ambiental, a cooperar activamente no sentido de se criar normas coerentes nos vários domínios da protecção ambiental, nomeadamente, quanto à regulação das actividades susceptíveis de provocar danos transfronteiriços; determina o dever de realizar procedimentos de avaliação de impacto ambiental e de risco ambiental, de modo a tentar prevenir não só os perigos, como também os riscos, desde que estes revelem uma mínima probabilidade e o dever de instituir mecanismos de avaliação periódica de riscos e efeitos de poluição.
De facto, e de acordo com Carla Amado Gomes, estes deveres permitem suavizar os efeitos negativos da lógica de precaução mas ainda assim não me parece possível falar dela autonomamente. A CRP não dá acolhimento a este “princípio” e a Lei de Bases do Ambiente não o integra no conjunto de linhas orientadoras da política legislativa ambiental, consagrando apenas expressamente o princípio da prevenção nos art. 66/2/a) e 3º/a), 1ª parte, respectivamente. Esta questão, por levantar tantas interpretações, tão pouco permite o aparecimento de um novo princípio de Direito Internacional mas apenas de um rol de comportamentos de cariz preventivo que variam de documento para documento. Conforme afirma MACDONALD, “muitos Estados continuam a ver a precaução como uma mera orientação, e não como uma vinculação substantiva. Dado que cada Estado é simultaneamente legislador, administrador e julgador do princípio da precaução, é natural que o conteúdo deste princípio em gestação se molde ao sabor dos seus multifacetados interesses. Mas o mais importante é que, se for objecto de uma interpretação estrita, o princípio da precaução pode afectar negativamente os interesses estatais e por isso o Estado tenha relutância em o transformar, através dessa aplicação, num precedente que justifique a emergência de um costume internacional”.
Ora, pelo que ficou exposto, deduzimos que este princípio da precaução, a existir autonomamente, levará necessariamente a uma exploração do sentimento de risco, ou seja, a uma valorização excessiva dos valores ambientais em detrimento dos valores tecnológicos e económicos. E numa ausência de comprovação científica, irá anular-se todo e qualquer desenvolvimento, uma vez que não é possível provar-se a inocuidade dessa intervenção, e segundo a máxima in dubio pro natura, na dúvida sobre a perigosidade de uma certa actividade, decide-se a favor do ambiente e contra o potencial poluidor Permitir a inclusão da precaução no elenco de princípios por que rege o Direito do Ambiente, irá abrir as portas, não a uma protecção eficaz, mas a uma paralisia. Nas palavras de Carla Amado Gomes, “na sociedade de risco, as certezas sobre a inocuidade ambiental de uma inovação técnica são, pura e simplesmente, impossíveis de obter e daí que o principio esteja condenada á partida.”
Vasco Pereira da Silva discorda igualmente da existência de um princípio da precaução, defendendo a ideia de prevenção em sentido lato. Para o autor, a prevenção “tem como finalidade evitar lesões ao meio Ambiente, o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de por em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos minorar as suas consequências”.
Em conclusão, não acredito que haja razão para se falar num “princípio da precaução” enquanto tal. H.HEY já afirmava que grande parte das medidas associadas ao princípio da precaução não são novidade relativamente àquelas que já derivavam da abordagem preventiva e que a única diferença residiria no momento da sua adopção, previamente á comprovação do dano.