A nossa Constituição evoluiu de um estádio em que quase não existiam referências ao ambiente enquanto direito, para uma fase em que se prevê expressamente esse direito, aliás as referências aos direitos de cariz ambiental tornaram-se agora quase obrigatórias nas constituições dos mais diversos países.
A nossa evolução constitucional encontra o seu antecedente mais antigo, no que se refere ao ambiente, no art. 223 da Constituição de 1822, no entanto, só com a Constituição de 1976 é que se passou a prever de forma clara e inequívoca um direito ao ambiente e ao desenvolvimento sustentável, como se retira do art. 66 da CRP (art. 60 na sua versão inicial). A Constituição confere um tratamento de duplo alcance à questão ambiental, é encarada como tarefa fundamental do Estado (art.9º alínea e)) e como direito e dever fundamental (art.66, 52…). Nesse sentido, podemos falar numa verdadeira Constituição ambiental, já que temos mais do que referências esparsas e fragmentárias, as previsões constitucionais relativas ao ambiente devem ser integradas e articuladas com os demais princípios.
Enquanto direito fundamental, o direito ao ambiente tem uma dimensão positiva e negativa. A sua vertente positiva verifica-se na sua qualificação como direito económico, social e cultural, é uma direito a prestações positivas do Estado e da sociedade (art.66/1 CRP). A sua vertente negativa verifica-se na sua configuração como direito, liberdade e garantia, já que tem subjacente um non facere, a abstenção, no sentido de cada pessoa não ver afectado o ambiente em que vive.
Esta dupla configuração do direito ao ambiente fez com que a doutrina falasse no aparecimento de uma terceira geração de direitos fundamentais. Para o Prof. Jorge Miranda isso não é verdade, o que se verificou foi um alargamento dos direitos fundamentais já existentes, sendo que os novos direitos se reconduzem a direitos, liberdades e garantias, a direitos económicos, sociais e culturais ou inserem-se em ambas as categorias, estando sujeitos aos dois regimes em causa.
Nesta tutela do ambiente quem é que o legislador quis realmente proteger? É aqui que entram as teorias ecocêntricas e antropocêntricas. As correntes ecocêntricas defendem que o ambiente deves e tutelado enquanto bem em si próprio, sendo o Homem protegido pelo simples facto de ser um dos elementos do meio ambiente. As correntes antropocêntricas olham para o ambiente como um bem que é explorado pelo Homem e que só por isso é por Ele tutelado.
A doutrina divide-se em posições mais extremas e outras mais moderadas.
A maneira como o ser humano entendia esta questão sofreu alterações ao longo do tempo. No pensamento grego, o Homem está em comunhão com a natureza, não tem poderes nem subordinações excessivas para com a natureza. Com a civilização judaico-cristã o Homem passou a ser encarado como o senhor de todas as coisas, tinha direitos e deveres sobre a natureza. Com o Renascimento começaram a surgir concepções que davam dignidade às coisas (animatismo, animismo, panteísmo…). Começou a ter-se noção de que se o Homem tem direitos sobre as coisas também tem deveres porque estas têm vida própria e carecem de protecção. No séc. XIX deu-se inicio aos primeiros movimentos de protecção do ambiente mas ainda ligados a uma ideia de criação divina. Com o fim da 2ª guerra mundial atinge-se o extremo oposto à ideia que coloca o Homem no centro de tudo, na chamada deep ecology é a natureza que tem direitos sobre o Homem.
O Prof. Freitas do Amaral deixa em aberto essa questão mas entende que é verdade que se o Homem tem direitos sobre a natureza, tem ainda mais deveres para com ela. Para o Prof. já não é possível entender a protecção da natureza como um benefício exclusivo para o Homem, esta tem de ser protegida em função dela mesma. A natureza precisa de uma protecção mais forte mesmo que dirigida contra o próprio Homem, é necessário ter em conta a natureza enquanto tal, independentemente do seu significado para o ser humano.
Por seu turno o Prof. Vasco Pereira da Silva entende que a protecção dos valores ambientais não pode assentar num modelo predominantemente subjectivista, a dimensão objectiva é igualmente importante. Nesse sentido, o Prof. defende um antropocentrismo ecológico que rejeita uma visão instrumentalizadora da natureza e a tutela do ambiente não é apenas uma condição da realização da dignidade da pessoa humana. Da mesma maneira, são de rejeitar excessos, ou seja, apesar de a natureza dever ser protegida em função dela própria isso não pode conduzir à personificação das realidades naturais ou à atribuição de direitos subjectivos às realidades naturais.
Esta posição permite efectivar as obrigações do Homem perante as gerações futuras e permite também ultrapassar a contraposição entre ecocentrismo e antropocentrismo. Para o Prof. é esta a lógica da Constituição na medida em que consagra essas duas perspectivas, objectiva e subjectiva.
Penso que a nossa Lei de Bases e a nossa Constituição, apesar de conferir uma tutela objectiva e subjectiva, são ainda marcadamente antropocêntricas, na medida em que visam acima de tudo proteger a vida e a qualidade de vida do Homem, o seu bem-estar e a sua utilização dos recursos naturais.
O Prof. Jorge Miranda invoca o art. 66, nº3 da versão inicial da Constituição de 1976 (hoje corresponde no fundo ao art.52, nº3, alínea a)) como base da subjectivização da tutela.
No nosso ordenamento jurídico, em última instância, é ainda o Homem que se visa proteger quando se prevê a tutela do ambiente.