quarta-feira, 29 de abril de 2009

7ª Tarefa – Informação Ambiental

O Acórdão n.º 136/2005 do Tribunal Constitucional (T.C.) remete-nos para uma questão que conheceu desenvolvimentos legislativos muito recentes: o direito à informação ambiental.

É importante referir, em primeiro lugar, que o direito à informação ambiental está expressamente previsto na CRP no art. 268.º. Ao dispor no n.º 1 que “os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados (…)” e no n.º 2 que “os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”, pode-se aferir, como faz a Prof. Carla Amado Gomes, uma dupla dimensão no âmbito deste direito: “subjectiva, na medida em que a informação e o aceso às suas fontes são essenciais para que o cidadão compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos em face dos poderes públicos (n.º 1), objectiva, porquanto "o controlo da transparência da decisão administrativa depende da possibilidade de os cidadãos se informarem e serem informados sobre os passos do iter procedimental (n.º 2)".

Esta inversão no modo de funcionamento da Administração Pública – muito ligada a um certo secretismo decorrente do seu tradicional ius imperii – começou a dar lugar a uma outra lógica a partir, essencialmente, da instauração dos regimes democráticos, a da legitimidade da decisão pelos cidadãos. De facto, há um interesse geral e partilhado em toda a comunidade na preservação e promoção da qualidade do ambiente, enquanto valor de interesse público com protecção constitucional que é. A participação dos cidadãos na tomada de decisões com incidência ambiental afigura-se como indispensável para a chamada “sustentabilidade ambiental” e isso só se consegue assegurando todas as condições para que estes interfiram. É precisamente aqui que entra o direito à informação ambiental.

Só 1990, com a directiva 90/313/CEE, é que a Comunidade Europeia se consciencializou que o acesso do público às informações sobre ambiente e à sua divulgação é fundamental como instrumento de participação pública e de vigilância participada. Mais tarde, acabou por ser revogada pela directiva 2003/4/CE, de 28 de Janeiro de 2003. Esta última surgiu na sequência da Convenção de Aarhus, assinada pela Comunidade Europeia em 1998, e teve como principal objectivo, além de acabar com as disparidades entre legislações em vigor nos Estados-membros, “garantir que qualquer pessoa singular ou colectiva tenha direito de acesso à informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome, sem ter justificar” (considerando 8).

A transposição desta directiva da União Europeia foi feita, pelo Estado português, com a Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho. Esta Lei define claramente os seus objectivos (art. 2.º): “garantir o direito de acesso à informação sobre ambiente detida pelas autoridades públicas ou em seu nome; assegurar que a informação sobre ambiente é divulgada e disponibilizada ao público; promover o acesso à informação através da utilização de tecnologias telemáticas ou electrónicas”. Para as realizar, as autoridades públicas têm de cumprir as tarefas elencadas no art. 4.º, que devem estar, sempre que possível, actualizadas, activas e sistemáticas (art. 5.º). Por sua vez, o direito de acesso à informação pode traduzir-se na mera consulta de dados (art. 6.º/3) ou na obtenção documentada de dados informativos (art. 6.º/1 e 2), “sem que o requerente tenha de justificar o seu interesse”. A resposta deverá ser fornecida numa prazo máximo de 10 dias (“sempre que o pedido tenha por objecto informação que a autoridade pública, no âmbito das respectivas atribuições e por determinação legal, deva ter tratada e coligida”) ou de 1 mês (art. 9.º).
A resposta ao pedido de disponibilização da informação pode ser positiva, parcialmente positiva, negativa ou diferida para um momento posterior (ainda que a Prof. Carla Amado Gomes entenda que a Administração deva sempre responder num prazo de 10 dias, a fim de esclarecer o requerente dos motivos da dilação). O art. 11.º/6 indica os vários fundamentos de indeferimento, entre os quais, (al. d)) “a confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo, bem como o interesse público em manter a confidencialidade estatística ou o sigilo fiscal”. É de referir, no entanto, que este novo regime do direito à informação ambiental, previsto na Lei n.º 19/2006, além de referir que “os motivos de indeferimento devem ser interpretados de forma restrita pelas autoridades públicas, ponderando o interesse público servido pela divulgação da informação e os interesses protegidos que fundamentam o indeferimento" (art. 11.º/8), refere explicitamente que estes fundamentos “não podem ser invocados quando o pedido de informações incida sobre emissões para o ambiente” (art. 11.º/7).

Este novo regime seria já suficiente, na minha opinião, para esclarecer o conflito verificado no caso sub judice, exposto no Acórdão n.º 136/2005 do TC. Neste caso, verifica-se um conflito “entre as normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção”, por um lado, e “o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista, por outro”. De facto, é reiterada a jurisprudência do TC que esclarecesse que “o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e registos administrativos pode sofrer restrições – para além das expressamente previstas no n.º 2 do citado artigo 268.º da CRP: matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas – impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, entre os quais os destinados a proteger segredos industriais e comerciais.” Temos então que é possível ao legislador prever excepções ao direito geral de informação, não só quando expressamente autorizadas pela CRP, mas também em hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos.

A decisão do TC foi controversa.

De um lado, na posição maioritária, temos que os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas que se propõem realizar um investimento industrial visam satisfazer interesses e valores “também constitucionalmente relevantes” (possibilitam as condições para o desenvolvimento económico e para a obtenção dos meios, pelos particulares e pelo Estado, para a obtenção de bens e para a satisfação das necessidades individuais e colectivas) uma vez que se enquadram nas “tarefas fundamentais do Estado” elencadas no artigo 9.º CRP (em especial na alínea d), “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”). A vinculação com uma cláusula de confidencialidade resulta, pois, de contrapartidas negociais, ponderadas pelo Governo no momento da celebração do contrato.
Além deste compromisso, legal e contratual, do Estado Português na reserva de sigilo de informações sobre os contratos de investimentos, o TC ponderou ainda na sua decisão o facto da recorrente nada de mais específico ou concreto ter dito sobre ameaças ao ambiente, para além do seu interesse ou legitimidade geral como associação de defesa do ambiente, e de “caso a laboração da empresa venha a provocar danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa (…)”.

Votaram de vencido os juízes conselheiros Fernanda Palma e Mário Araújo Torres. Este último, apesar de reconhecer – tal como a posição maioritária defende – que o direito geral à informação pode ser alvo de restrições para lá das expressamente previstas no 268.º CRP, entende que, como direito fundamental (ou, como refere a Doutrina – em especial o Prof. Jorge Miranda que o filia nos arts. 9.º e), 66.º, 20.º/2, 37.º, 48.º e 268.º/1 e 2 da CRP) – de natureza análoga) que é, estará sujeito à limitações e restrições estabelecidas nos termos da lei, isto é, além do seu carácter geral e abstracto, “limitarem-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (art. 18.º CRP). Trata-se, na opinião destes dois doutos juízes de sempre que se restrinja o direito à informação, haver-se-á de respeitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proporcionalidade, reclamando uma ponderação em concreto dos direitos em conflito a efectuar pelo tribunal. Neste caso, a “casuística ponderação deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto, e não em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização”.
O argumento invocado pelo TC de que “o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio” é inadmissível, assim como inadmissível é também o facto de se “ignorar que a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de defender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta localização das actividades” (artigo 66.º/1 e 2, al. a) e b), da CRP) com o argumento de que “bastaria a intervenção da Administra­ção para assegurar a salvaguarda do interesse público”.

Este novo regime, instituído com a Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho, veio então clarificar o acesso à informação ambiental, consagrando legalmente a posição de vencido dos juízes conselheiros Fernanda Palma e Mário Araújo Torres. De facto, além da interpretação restrita imposta às autoridades na fundamentação do indeferimento do pedido dos requerentes, com a necessária ponderação entre o interesse público da divulgação e dos interesses, neste caso, da confidencialidade das informações comerciais ou industriais, o art. 11.º/7 nega expressamente a invocação desses mesmos fundamentos em caso de pedidos de informação que incidam sobre emissões para o ambiente. O valor superior do acesso à informação, da participação pública no processo de decisão e do acesso à justiça ambiental fica então, aqui, bem patente.